Wednesday, May 31, 2006

Dancem, macacos, dancem

Friday, May 26, 2006

O Rei do Poste

Eu ia para casa quando o vi, um pica-pau. Não era uma ave qualquer, um pardal, um bem-te-vi - era um pica-pau - e estava bem na esquina da minha casa.

Deveria ser reconhecido o papel do pica-pau na sociedade humana do sudeste brasileiro, o grande centro nervoso do sistema. Por ser uma ave ainda um pouco comum, e um tanto digna.

Cada vez que ouço seu tamborilar sobre um pau, é para mim uma melodia que ainda toca; você pode ter na sua casa um surround todo seu, e não vai ser um pica-pau tocando ingênuo como se despedindo da madrugada.

É uma ave viva olhando a manhã. Ele canta e observa, observa... olha ao redor e espera mais, ouvindo, escutando... Sem saber de nada, tamborila de novo, procurando comida... toctoctoctoctoctoc... Mal sabe ele que querem derrubar sua árvore; querem derrubar seu pau...

No dia seguinte, vão chamar de História o seu vermelho; vão chamar de Geografia o seu sumiço; vão chamar de ganha-pão o choro de quem se lembra...

Thursday, May 25, 2006

Citando Castelo (da Caros Amigos)

"Sem querer ser do contra, mas não estava na hora de botar alguém na cadeia?"

Saturday, May 20, 2006

A história de uma poesia

(ou O DEVER E O QUERER)

Hoje eu fui a uma festa, onde tinha muita gente.

De tanto olhar e falar, eu decidi uma hora pensar.

Que tinha gente
e coisas que eu podia fazer,
e coisas que eu podia falar,
e coisas que eu devia fazer, ou falar.

Eu saí da festa com uma impressão esquisita.

Eu só falei o que eu quis.
Eu só fiz o que eu quis.
Eu não entendo quem se esconde e se pergunta
se devia ter feito o que nem tinha ainda
chegado a falar.

Eu só fiz o que pude,
e só me lembro do que aconteceu.

Se precisa coragem ou tamanho?
(Quem entenderá do que estou falando?)
Se precisa tanino ou canino?
se se perdoa o cochilo
de um navegante?

Se for capaz de dormir
o justo quando o injusto
leva adiante a espécie?

Então é capaz de perdoar
o chefe que reconhece
no estranho seu semelhante.

É capaz de esquecer quem
de peito leve perdoa
o seu amante.

É capaz de esquecer quem
cedo acredita
e demasiado tarde percebe
que não tem escolha.

É capaz de fritar um ovo
no gelo seco
ou pescar uma ameixa
na tempestade.

Se precisa de coragem ou tamanho?
É preciso sutileza ou honestidade?
É preciso a verdade ou o vai levando...?

Aonde foi parar o movimento?
Onde estará a chaga mortal da humanidade...

... que é seu próprio suspiro,
sua própria esperança,
sua própria ingratidão,

com tudo que lhe foi dado
assim de bandeja...
é vendido ao estradeiro
ao garimpeiro, ao hortifrutigranjeiro,
ao soja-gado-empreiteiro,
ao desassossego que todos conhecem
ou na cidade ou no campo
ou na família velha ou no casamento,
do cidadão querendo viver bem
e outros oferecendo bem mais que é preciso.

Quem acordará e se lembrará
das nuvens que passaram rosadas,
da alvorada retumbante
de pássaros que vêm distantes
de lugares assaz confiantes
de gente que era ainda gente.

Quem ligará a TV e ouvirá
a concórdia que foi um dia
a guerra antes de ser fria
e a paixão quando era permitida.

A ilusão quando era sentida,
sem ser esquecida
debaixo da cama vazia,
num madrugar de alegria,
esquecida, esquecida,
sentida.

A noite sem verbo,
sem prosa
sem rima,
sem esperança,
sem vida,
você pensará -
sem vitória
sem alegria,
sem lamento
sem fantasia
o sorrir do lagarto
outro dia
sem lamúria
ou rebeldia
apenas verdade gritante
a asa do tempo andante
o couro do velho adiante
e tudo mais que se encante
e faça dessa mistura
e dessa coisa flagrante
um algo de que não se esqueça

e pra sempre se lembre
que um dia existiu
e foi real e fora de cogitação
foi beleza
foi delícia
foi comum
foi a vida
existência
que ainda tardia
não deixa nada a desejar

a desejar...

a desejar estão outros
que não entederam
esta não-poesia.

Friday, May 19, 2006

O erro

O sistema é vil. Antes era neutro, indiferente. Antes, muito tempo atrás. Antes que nossos ancestrais aprendessem a contar milhares de objetos empilhados, antes de trocarem papel colorido por comida.
Tenho uma miragem, de quando as flores respondiam aos pedidos de quem passava. De quando os acordes da canção ressoavam como os cantos das aves.
O que restou? O que me restou, senão o jugo da caneta, o tempo para ver o que ainda se perde? Pernas para caminhar para longe... Só quero ir para longe, bem longe, e esquecer tudo isso que se produziu para ocupar o tempo livre do homem que criou máquinas escravas, e delas tornou-se servo.
A tradição suplanta a lógica. O bom-senso está morto e enterrado sobre toneladas de detritos burocráticos. Até a paixão que antes era verbo hoje é só uma lembrança, histórias de amigos saudosos.
O romantismo que antes era ingênuo agora é criminoso. Refaz os erros do passado, que antes tinham graça, mas que agora ninguém mais ri.
Alguns preferem ser feliz que ter razão. Outros querem dar a todos o direito de crer no que quiser, como se tudo fosse igual. O erro, o erro, o erro.
Geração saturada de mentes tranqüilas, ah, tranqüilas até demais!
Antes um profeta gritava em praça pública, e era apedrejado.
Hoje, deixam-no falar, apenas. E não têm ouvidos. Ninguém tem ouvidos, a não ser ouvidos elétricos.
O erro, o erro. Tudo é relativo, a paz e o perdão, o esquecimento e o caos.
Meus contemporâneos querem dar a todos o direito de estarem com a razão, mas a razão é uma espécie de deusa, que só pousa onde bem entende. Não é possível que estejamos todos certos, mas é bem possível que gritaremos até o último dia, sem esperar convencer ninguém, sem tentar mudar nossas crenças, sem querer aprender ou ensinar, sem querer saber.

Monday, May 08, 2006

Ruindows 10.98, XP, etc.

No Windows gasta-se talvez 5 segundos para criar uma pasta (depende, cada vez que se abre o menu "Novo >" do Exporer demora um tanto), e demora mais uns dois ou três segundos para excluir a mesma pasta recém-criada.
No DOS essas operações eram instantâneas, com os comandos md e rd.

No tempo que o Windows gastou para desenhar uma janela animada, "ilustrando" o processo de exclusão da pasta, o DOS já terminou o serviço e te devolve ao prompt. Que saudade de um bom e ágil prompt!

Saturday, May 06, 2006

Consciência

"Sem a associação conservadora dos instintos, se essa associação não fosse infinitamente mais poderosa que a consciência, não haveria regulador: a humanidade sucumbiria sob o peso de seus juízos absurdos, de suas divagações, de seus juízos superficiais e de sua credulidade, numa palavra, de sua consciência: ou antes, não existiria mais há muito tempo!" - Nietzsche, A Gaia Ciência (Livro I, 11)

Ainda sobre paixão

"Toda sociedade organizada adormece as paixões" - Nietzsche, A Gaia Ciência.

Benford

A lei da controvérsia de Benford, como descrita pelo autor de ficção científica Gregory Benford em 1980, dispõe o seguinte:

A paixão é inversamente proporcional à quantidade de informação real disponível.

Wednesday, May 03, 2006

Ruídos ocos

Estar bem ou estar mal são apenas palavras.
Meço meu temperamento pela minha disposição.
O que faço é o que preciso ou quero,
antes o que quero, só então - na última hora - o que devo.

O palco está armado para o palhaço,
a Lua está alta para a noite fresca,
para a brisa insinuante da noite fresca.

Se antes eu vaguei sem rumo entre a solidão e o imaginário,
agora meus sonhos me lançam rumo ao desconhecido,
e o dia é apenas vaga espera sem sentido,
em busca de sentido, ou de esquecimento.

O sentido do aprendizado é esquecer o que não se sabe,
e as palavras que outrora eram tão ricas em sentido -
essas são agora ruídos ocos, soltos numa multidão de amplos desertos.

Todo meu ser é um amplo espaço vazio,
preenchido por sal e leite,
ansioso por se soltar e se prender,
e voltar a se soltar.

Toda minha vontade é uma espécie de solidão,
que eu não compreendo, mas que me apraz,
que eu busquei compreender, sem rigor, avesso a crenças,
mas com a certeza estúpida de quem caminha no escuro.

Tateei as montanhas e derrubei pirâmides,
e agora me debruço sobre o fantástico, o mítico, o mundo dos sonhos -
que sentido pode haver num sonho de um mundo distante,
que se vê como se fosse o seu próprio,
e que não estará lá no outro dia?

Como poderia alguém retornar ao mesmo dia, às mesmas coisas,
sejam sonho ou realidade? O rio não corre? e com ele o tempo e tudo o mais?

Como poderia alguém atravessar a realidade sem olhar para dentro de si?
Como eu poderei acordar sem um certo remorso,
de não ter sido ainda melhor quando podia,
quando os inimigos ainda tinham força e objetivos lúgubres?

Se o universo é ele mesmo um vácuo,
se nossos sonhos não passam de um espirro divino,
um suspiro profundo de uma mosca desconhecida,
por que acreditar que qualquer coisa é?
Por que não sentir o que se sente, sem restrições, sem consciência,
sem a torturante avaliação que fazemos de nós mesmos,
e que sabemos que os outros também fazem de nós?
Quem se preocupa?

Tusso. Tosso. Minha garganta quer algo além.
Quer dormir e esquecer-se, como faz a grama e a relva alta sob o Sol.
Os pássaros que voam, os insetos, todos fazem o que deve ser feito.
Sem consciência, sem tempo, sem expectativas.

Quem aguardaria o nascer da Terra no outro lado da Lua?
Quem aguardaria o nascimento do diabo num mundo neutro?
Quem aguardaria o ocaso da civilização antes que os dinossauros houvessem perecido?

Quem aguardará um novo tempo, quando o hoje ainda é incompleto?
Quem se perturba em frente à corrente,
e não vai dormir antes do amanhecer?
Quem sabe o que dizem as almas mortas, quando as vivas não têm nada a dizer?