Sunday, November 26, 2006

inside and outside boys

No meio da rua andava um cara com pernas grossas e calça jeans. Atravessou a praça e eu o segui. Estava de camisa verde, de gola e dois botões. O de cima estava desabotoado. Persegui seus passos, simulei que apenas passava, mas mantive o ritmo ao seu lado, e ataquei de chofre: te vi aqui, andando, e pensei se você não seria uma boa companhia para uma cerveja. Só se for agora, ele respondeu.

Já era tarde da noite, mas o bar do Anésio ainda estava aberto, e as mesas do lado de fora, vazias. Já nos indicadores mostrei o tamanho da garrafa, e seu Anésio piscou um assentimento de bom entendedor. Sentamos. Era madrugada de sábado, no que a cidade ficava quieta àquela hora. Mais estaria se fosse dia de semana, mas sem aquele burburinho surdo de quem se esconde com vontades e a determinação de segui-las. No escuro das árvores podíamos ouvir desejos. Sobre a mesa, seu braço pesado se impunha em silêncio. Já estávamos os dois bêbados, mas ainda bem lúcidos. Anésio serviu e se afastou. Brindamos e bebemos. A conversa foi amena, ele me conhecendo melhor, e eu o mesmo. Sabia que morava no morro da Pedreira, e que era belo de corpo e de rosto, ainda que um rosto diferente, que a maioria não fazia coincidir com a beleza branca da moda. Não chegava a se achar feio, apesar dos outros; sabia muito bem a impressão que dava, e dava gosto.

Por isso estava ali. Os lábios grossos calados e marotos. Os dois braços, agora, na mesa, me encararam. Me desafiavam a lutar para tê-los, e eu aceitei.

- Vamos pra sua casa? ele disse.

- Só se for agora.

Paguei e saímos. As estrelas eram milhares, milhões. O ar estava cálido, como se houvesse chovido. Mesmo daquela distância podíamos ouvir as cachoeiras. Mais algumas garrafas e teríamos a certeza de poder escutar até as estrelas mais distantes. À direita o morro da Pedreira tampava uma parte do céu; mas ao redor a imensidão do horizonte era contínua e distante. Não se sabe disso muito, mas cada pouquinho a mais de céu que se vê é de uma sensação tão sublime que não pode ter preço. Ali a abóbada escura era uma bacia a nos envolver e proteger, tudo conspira a nosso favor abaixo dela, ao menos nas noites em que se tem boa companhia.

Se há pecado é deixar a vida escorrer entre os dedos sem fechar as mãos para apanhá-la. Temos garras ansiosas por isso. Mas normalmente falta coragem. Não importa o quanto aprendemos, sempre erraremos um pouco mais. Com toda a experiência de uma vida, com tantos ombros de gigantes onde se apoiar, continuaremos errando e tentando e tentando.

Na cozinha toquei seu braço, na sala nos abraçamos e no banho lhe ensinei a devoção. Na cama ele me ensinou o amor, e na janela amanheceu outra manhã. Nos amamos com promessas douradas e órfãs. Dormimos nos braços um do outro e depois nos despedimos, recebendo a manhã com seus tantos outros olhares de estranhos e curiosos, voltando à existência cotidiana de solidão e paz, misericórdia, doçura, trabalho e a morna passagem do tempo na companhia dos nossos camaradas. O que mais a manhã trouxe, senão um intervalo a esperar pelo próximo alvorecer?

O sonhador de sonhos

Acordei às sete em ponto, segundos antes do despertador tocar, e preparei um café. A luz do Sol deixava o quarto com um brilho amarelado, meio lilás. Tive um sonho estranho, tiros, perseguição. Corria atrás de alguém, aliás, dirigia. Rápido. Não lembro o motivo, mas a emoção, a adrenalina do sonho ficou estampada na pele como uma cicatriz.

Esqueci o café fumegando na caneca e continuei meu trabalho na máquina. Sobre a mesa, um computador com conexão sem fio às lentes de contato em-mente, que eu vinha desenvolvendo há anos. Funcionavam como lentes de contato normais durante o dia, ou durante o estado de vigília do indivíduo - eu já não seguia mais protocolos sobre o horário de dormir - e durante o sono monitorava o fenômeno de reflexo dendrítico na retina.

Descobri esse fenômeno como por acaso, como aliás costumam acontecer as grandes descobertas. Estudava a velocidade de reação nervosa em aranhas armadeiras, quando percebi que parte do impulso nervoso (que normalmente vai dos dendritos para os axônios) retornava aos dendritos, como um eco, como um reflexo tão tênue, tão sutil, tão mais fraco que o impulso original, que até então havia passado despercebido dos fisiologistas por mais de um século.

Minha aplicação para esse fenômeno, que demorei ainda outros anos para alcançar, foi a seguinte: quando estamos acordados, tudo o que enxergamos passa da retina ao córtex occipital, localizado na parte de trás da cabeça e responsável pelo processamento das imagens, e parte das imagens seguem daí para os centros de memória visual. À noite, durante os sonhos, esses centros são acionados novamente, reenviando as imagens ao córtex, fazendo-nos acreditar que "enxergamos" coisas durante os sonhos. Em outras palavras, imagens guardadas na memória retornam para o córtex, causando a sensação de visão - mesmo imagens que nem lembrávamos ter visto, e outras ainda completamente inventadas, não se sabe exatamente como. Uma vez que a imagem vai da retina para o córtex, e daí para a memória, e durante o sonho ela retorna da memória para o córtex, acreditei que seria possível que o "eco" nervoso recém-descoberto pudesse não apenas retornar do córtex visual aos centros de memória, durante os sonhos, mas também às próprias retinas, onde poderia ser captado e interpretado por um sensor bastante sensível.

Hoje chamo esse sensor de lentes em-mente, mas ainda estou trabalhando na interpretação das imagens formadas nos sonhos. Esta noite, por exemplo, lembro de uma entrada em um edifício por onde passei, uma porta estreita com uma recepcionista do lado de fora, no passeio, sentada a uma mesa de madeira. Do lado de dentro uma escada conduzia direto ao piso superior. A imagem foi uma das últimas de que me lembro no sonho, e agora preciso encontrá-la nos últimos minutos de sombras confusas gravados durante a noite.

*****

Raquel chegou trazendo o almoço. Ela tinha me ajudado a desenvolver a lente em-mente, era projetista nanotecnológica. Tinha os cabelos loiros compridos, um pouco ondulados, olhos verdes, os lábios carnudos. Estava falando algo sobre um festival de artes na cidade, mas eu só olhava seus lábios se mexendo. Pensava antes na interação entre os eixos ortogonais da imagem, que precisaria filtrar, mas agora só me vinha à mente aquela boca ágil e firme como uma contorcionista chinesa. Mas eu tinha muito trabalho à fazer, e era melhor assim, já que Raquel era a mulher do meu melhor amigo, e eu não estava absolutamente interessado em ninguém mais.

- Você precisa sair de casa, está me ouvindo? - ela disse.

O transe acabou. "Sim", concordei. "Eu sei, acho que vou descer à cidade no fim-de-semana, pegar o festival."

- O festival acaba amanhã, eu falei - ela estava séria, mas nunca ficava realmente brava comigo. - Ah! Você nunca me escuta não é? Tudo bem, eu tenho outras coisas para fazer; pelo menos almoce, não se mate de trabalhar - ela terminou e saiu como um raio, sem me dar tempo para processar o que dissera.

Não fui à cidade, evidentemente. Não vi festival nenhum, nem almocei. Por vários dias Raquel não apareceu. Ao menos pude desenvolver melhor o tratamento das imagens oníricas.

*****

Certa noite sonhei com um balão vermelho, e finalmente consegui discernir uma forma ovóide na tela do computador, gravada na faixa vermelha do espectro, um décimo de segundo antes que eu acordasse. Funciona!, pensei, e esse pensamento me deixou ainda mais confinado, mais entrevado, obcecado com o momento em que a imagem completa do sonho, a seqüência de cenas em seus mínimos detalhes surgisse na tela do computador.

Levei dois anos para alcançar esse resultado. Perdi dez quilos, e profundas olheiras agora enfeam minha face. Faz três meses que não vejo Raquel, acho que ela se cansou da minha apatia; apenas as baratas e os ratos me fazem companhia. Mas descobri algo interessante: na medida em que comecei a analisar meus sonhos, eles começaram a tomar uma forma mais... digamos... real.

Há dois meses sonho sempre com o mesmo lugar, uma cidade pequena que criei em minha mente, com pessoas que conheci há muito tempo, outras das quais não me lembro, mas que posso ter conhecido, e outras ainda que estou consciente de ter criado deliberadamente. Os sonhos vêm e vão durante a noite, mas é como se o tempo passasse continuamente nesse meu universo interior. Quando me deito lá, acordo aqui. Quando me deito aqui, acordo lá. A cada noite o sonho começa com o mesmo movimento de acordar e abrir as janelas para o céu azul e palmeiras e o cheiro de grama e ar puro, o canto das aves.

Há um mês e meio passei a dormir doze horas por noite (ou por dia? nem sei mais), de forma que agora vivo uma vida perfeitamente dupla, alternando entre um mundo surreal e belo, e a realidade poluída, abafada e monótona.

*****

Acordei e abri a janela. O Sol já tinha nascido, mas ainda não podia vê-lo, oculto atrás das palmeiras do outro lado da rua. Apanhei algum dinheiro, pulei a janela e fui comprar pão. Acima de mim algumas nuvens frias, azuladas, vigiavam a cidade do alto. Cá embaixo a terra estava úmida, como nas manhãs depois de muita chuva, e o clima era agradável. Gostaria de ver a chuva da noite, mas mesmo sabendo tratar-se de um sonho eu não consigo controlar uma porção de coisas. Sou refém, por exemplo, do clima, das pessoas, da passagem do tempo. Quase tudo se passa aqui como no mundo real, exceto pela causalidade a que estamos acostumados, que por vezes se recusa a funcionar como deveria. Este mundo de sonho segue suas próprias leis, e eu ainda estou longe de compreendê-las. Por mim tudo bem, basta-me aproveitar o tempo aqui da melhor maneira possível.

Ia a meio caminho da padaria, ao longe o barulho do rio, quando vi Júlia que vinha distraída no sentido contrário. Quando me viu, veio correndo me abraçar. Nos vemos quase todos os dias, e tenho certeza de que não a conheci de verdade, no mundo real, nem a criei deliberadamente. Talvez ela seja o reflexo inconsciente do que eu desejaria que a Raquel fosse, ou talvez ela seja apenas o meu ideal de fêmea: morena, cabelos lisos, seios fartos, jovem, bonita, romântica e dependente, tão diferente da outra, com seu temperamento prático, até agressivo, às vezes. Júlia me acompanhou até a padaria, não estava fazendo nada, disse; e depois fomos para a minha casa, comer o pão-de-queijo que compramos, com suco da acerola do quintal.

Acho que era domingo, ou por outro motivo nebuloso não precisava trabalhar. Trabalhava aqui como pedreiro, às vezes pescava alguns peixes, sabe como é. Dá pra ir vivendo. Fiz amor, o que estou falando? trepei com a Júlia loucamente três vezes antes do almoço, eu insaciável, ela ainda mais. Gosto do jeito como ela cochila comigo depois que gozamos, em silêncio, os corpos colados e o barulho do ventilador e dos sanhaços nas árvores do lado de fora.

Depois do almoço tirei um cochilo - sem sonhos - e mais tarde saí para uma caminhada. Acabei encontrando uma turma de amigos e fui com eles até uma festa do outro lado da cidade. Nunca até então havia bebido tanto nessa minha cidade de sonho, e o que aconteceu foi realmente estranho: acabei acordando bêbado entre as minhas baratas. Resolvi limpar o quarto e telefonar para a Raquel, mas ninguém atendia. Resolvi sair, ir à cidade, mas a miséria, a sujeira e a violência se abateram sobre meu ânimo. Voltei para casa triste, assisti de novo ao sexo matinal, o gozo de Júlia, seus olhos apertados, os dentes perfeitos aparecendo entre os lábios um pouco abertos.

Podia patentear meu invento, ficar rico, mudar para um lugar melhor, mas nada disso fazia sentido. Antes não faria sentido sem Raquel. Agora não fazia sem Júlia. Desde que pudesse tê-la a cada noite, que diferença faria a minha vida desperta? Por que me preocupar? Todas as mulheres do mundo não significam nada para um coração escravizado, e era como me sentia, acorrentado a uma possibilidade impossível, preso a uma realidade de pesadelo, ininterrupta, inescapável. Se ao menos pudesse sonhar para sempre com o mundo de Júlia...

O telefone tocou, era Raquel. Disse que estava preocupada comigo, que recebera minha ligação, que queria me ver. Quis dizer a ela que não viesse, não queria que ela presenciasse meu estado, mas ela desligou. Alguns minutos depois a campainha tocou, mas não era ela - era Júlia! Estaria ficando louco? Ela entendeu meu olhar de espanto, e com um gesto fez como se não houvesse razão para me preocupar, entrou e me abraçou. Era o seu abraço, a cabeça encostada em meu peito, os dedos trançados atrás das minhas costas, seus pés pequenos procurando proteção junto aos meus. Afastei por um instante seu corpo, olhei dentro dos seus olhos, tão reais como nos sonhos. Ela não podia me explicar o que estava acontecendo, ela também não sabia. Fizemos sexo e ela finalmente dormiu. Antes pedi que ela colocasse as minhas lentes, e ela não hesitou.

Liguei o monitor e fiquei esperando por seus sonhos, que vieram logo. Em seu sonho ela acordava às sete em ponto, segundos antes do despertador tocar, e fazia o café. Andava pelo quarto, pela casa, mas era a minha casa, o meu quarto! Não podia ser. Ela sonhava a minha vida, o meu trabalho, até Raquel e sua fria superioridade, tudo! Alguns detalhes eram diferentes, a cor do despertador, a posição do café no armário, os móveis na cozinha; mas era eu, era de fato a minha vida.

A campainha tocou, devia ser Raquel, mas eu não atendi. Quem atendeu foi Júlia, em seu sonho, e era mesmo Raquel. Fiquei olhando; na tela os dois personagens se agarravam e se beijavam caoticamente, ficando sem roupa antes que uma freira pudesse dizer amém. Corri até a porta, mas Raquel, ou quem quer que fosse, já tinha ido.

Quando voltei, Júlia estava acordada, séria. Algo havia mudado em seu semblante, nunca a tinha visto tão distante, tão... magoada. Como fui idiota. Tinha a mulher dos meus sonhos deitada em minha cama, e ainda assim corri atrás de outra. Júlia se levantou em silêncio e saiu. Seus olhos úmidos não me fitaram, mas diziam tudo.

Acordei sobressaltado. Tivera o pesadelo mais estranho da minha vida. Fui até a janela e abri os dois lados. Olhei o céu azul e as palmeiras risonhas, que pareciam me dar bom-dia. Retribuí seu cumprimento e agradeci à existência por mais um dia neste mundo insano...

Saturday, November 25, 2006

O tempo

A seta do tempo
é flecha plástica
toda de madeira e fogo.
A voz do vento
ecoa a mágica
de toda brincadeira e jogo.
Arde no peito
o sentido cósmico
a direção tomada de logro.

A flecha é veloz
o furo irreversível
e como arde
uma vez queimado...
Tudo é combustível.

Thursday, November 23, 2006

O vazio como propósito

"Os homens, aparentemente, preferem acreditar ao invés de conhecer. Como escreveu desesperançosamente Nietzsche há muito tempo, quando a ciência tanto prometia: preferem ter o vazio como propósito do que serem vazios de propósito."

- Edward Wilson, Da Natureza Humana (On Human Nature) - terceiro livro de sua "trilogia" - The Insect Societies (1971), Sociobiology (1975) & On Human Nature (1978).

Wilson 2

"Se cada família elaborasse suas próprias regras de comportamento, a sociedade como um todo desagregar-se-ia num caos. Para neutralizar o comportamento egoísta e o poder destruidor da inteligência superior e da idiossincrasia, cada sociedade deve elaborar seu próprio código. Dentro de limites amplos, qualquer conjunto de convenções opera melhor do que a ausência total das mesmas. E devido ao fato de os códigos arbitrários operarem, as organizações tendem a ser ineficientes e ficar atravancadas por injustiças desnecessárias." Daí se conclui o que Rappaport teria afirmado: "A santificação transforma o arbitrário no necessário."

Wilson 3

"Entre as oitenta e uma sociedades de caçadores-coletores estudadas por John W. M. Whiting, apenas vinte e oito, ou 35%, incluíam deuses superiores em suas tradições sagradas. O conceito de um deus ativo e moral, criador do mundo, é ainda menos difundido. Além disso, esse conceito surge mais comumente com a vida pastoril: quanto maior a dependência do pastoreio, maior a probabilidade de desenvolvimento da crença num deus pastor do tipo judeu-cristão. Em outros tipos de sociedade essa crença ocorre em 10 por cento, ou menos, daquelas cuja religião é conhecida."

Sobre o que é notícia

No IG: Ex-cunhada do presidente da Gerdau é assassinada no Rio.

E eu com isso? Precisam sempre alimentar o medo.

No jornal A Crítica, de Manaus, destaque na primeira página, metade de baixo: "Acidente fatal na Honda" - no texto explicativo, na mesma página, depois de um pequeno blablabla sobre a hora e o local: "ninguém saiu ferido".

O que não fazem para vender jornal...

Tuesday, November 21, 2006

Thiago de Mello

"É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos."

o X da questão

"Com esta bolsa família, o senhor Lula estimula a procriação e não o planejamento familiar e a dignidade humana."

- Cristina Benevides, nordestina de alguma capital e que, com ressalvas, votou no Alckmin.

Só pra constar, eu acho que teria votado no Lula, se não estivesse no mato, mas apenas por ter nojo do Alckmin e da direita toda. Mas talvez votasse nulo.

Sunday, November 19, 2006

Bush 2

Não sou a favor de nada do que o Bush Jr. tem feito.

Mas sou a favor de um intervencionismo, talvez utópico, de uma nação que respeita mais a igualdade, os direitos humanos, em outro que não os respeitam.

Quando fiquei sabendo pela primeira vez que as pessoas não tinham liberdade de expressão do outro lado do mundo, pensei: se eu vivesse lá eu deveria guardar um eterno segredo de meus pensamentos radicais, ou morreria. Em meu país tenho a liberdade de ser diferente, e certamente minha vida seria muito pior sem ela.

Hoje em dia talvez se possa dizer que a maioria das pessoas não tem nada de diferente. A maioria no Brasil é composta de homens e mulheres que se casam entre os 20 e 30 anos, têm filhos, o homem joga uma pelada no domingo, às vezes nos outros dias, as mulheres assistem novela, os homens assistem o Jornal Nacional, ou qualquer outro, jantam, rezam e dormem. Imagino que esses cidadãos médios das metrópoles nunca sentiram o grande medo, um pavor misturado com angústia, por imaginar que poderiam morrer apenas por serem eles mesmos, caso tivessem nascido do outro lado do mundo. Então acho que algumas intervenções podem ser boas.

Mas hoje a palavra de ordem é paz, é não-intervencionismo em outros países, nada de ocupação, só porque a ocupação do Bush é ilícita e imoral. Fosse a sua ocupação apenas para defender os direitos de mulheres, livres-pensadores, homossexuais, minorias étnicas, eu estaria com ele.

Mas a questão que coloquei no outro post (que, pra variar, não foi questionado) é bem outra:

1) se fôssemos nós a grande potência mundial, certamente estaríamos invadindo o Iraque. Nossa polícia mata brasileiros pobres, por que nosso exército não mataria israelenses? Não mata porque não tem poder pra tanto. O ser humano, visto de longe, sempre foi o contrário do ideal cristão, com Cristo ou sem ele.

2) Da mesma forma, se os donos do poder fossem árabes, também meteriam seus dedos em outras partes do planeta, como sempre fizeram Portugal, Inglaterra, Espanha, China e todo o mundo.

Li o artigo de Lawrence Wright, "The Master Plan - For the new theorists of jihad, Al Qaeda is just the beginning" [O Plano Mestre - Para os novos teóricos da guerra santa, Al Qaeda é apenas o início], na New Yorker de 11 de setembro último. O autor argumenta que o objetivo de vários grupos "terroristas" é tomar o poder em seus países, alguns deles com o suposto objetivo de acabar com a opressão de seus governos absolutistas. Contudo, valem-se dos mesmos princípios do Islam, interpretados da maneira ortodoxa - e discriminatória - por muitos de seus ideólogos. Também na Colômbia grupos radicais, "terroristas", como as FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - querem tomar o poder, ou sou eu quem penso que querem isso? Parece que querer tomar o poder é comum em todo o mundo, menos no Brasil, onde acho que seria mais útil.

Voltando ao Oriente Médio, qualquer parte do mundo um dia pode estar no poder. Todo império se expande para depois cair. Quem seguirá os EUA? A União Européia? A China? Teria o Oriente Médio uma chance? Com certeza sim, muito mais do que a América do Sul ou a África, as "latas de lixo" geopolíticas, que não têm outra escolha senão copiar o modo de vida, as roupas, o cinema, a música, ensinar a língua, usar a moeda e depender das importações e exportações do dono da festa.

Então, após a queda dos EUA, que talvez seja assistida pelos que hoje têm menos de 30 anos, como eu, seremos forçados a aprender qual língua, qual religião? Poderemos nos transformar numa nação de metade budista, dependentes do mercado chinês, ou incorporar o fundamentalismo religioso do Islam - se não tivermos a sorte de cair nas mãos de um general moderado.

Por hora, ainda prefiro o Bush.

Friday, November 17, 2006

O maior anuro do mundo




Viva a biodiversidade.

Você não devia estar escrevendo algo?

Ser louco...

é fazer as coisas do seu jeito.

A razão como um sistema lógico fechado

Kurt Gödel demonstrou um teorema que revolucionou a matemática no século XX (e também influenciou muito a filosofia), conhecido como o Teorema da Incompletude de Gödel. Diz que todo sistema lógico consistente de premissas (axiomas) e suas deduções conterá verdades que não podem ser provadas dentro do próprio sistema. O teorema em si é bastante simples, e pode ser compreendido se prestarmos atenção a estes seis passos:

1. Imagine que você encontra uma máquina chamada Máquina Universal - MU, capaz de responder corretamente a *qualquer* pergunta que lhe seja apresentada (ela traz em seu programa alguns axiomas principais e uma série de deduções, suficientes para responder às perguntas).

2. Você poderia então, apresentar a seguinte afirmativa à MU: "MU nunca dirá que esta afirmativa é verdadeira". Chamemos essa afirmativa de G, em homenagem à Gödel.

3. Então você pergunta à MU (que responde corretamente a tudo): "Cara MU, G é verdadeira?"

4. Observe que MU entrará em contradição se afirmar que G é verdadeira, pois isso automaticamente tornaria G falsa.

5. Logo, só resta a MU dizer que G é falsa. Mas, claro, sabemos que G é verdadeira.

6. Conclusão: MU não é universal, pois nós sabemos algo que ela não poderia expressar. Em outras palavras, MU não pode responder corretamente a todas as perguntas.

Pense um pouco sobre isso. O teorema cresce em nossas mentes...


Embora Gödel tenha-o demonstrado numa linguagem perfeitamente matemática, o que o teorema parece nos dizer é que a razão jamais alcançará a verdade completa - sempre haverá novas verdades além do nosso alcance.

Gödel demonstra que existem verdades que, embora já sejam verdadeiras dentro de um dado sistema lógico, não poderiam ser provadas, a não ser com a adição de novos termos, novas premissas. Mas aí o sistema como um todo aumenta, e novas "verdades improváveis" surgem, ad infinitum.

A elegância matemática da coisa tem uma grande beleza, mas, mais que isso, tem uma atração algo mística - somos imediatamente tentados a aplicar o teorema a diferentes circunstâncias de nossa vida cognitiva. Chegou-se a cogitar que ele demonstraria a possibilidade da existência de Deus.

Com mais cautela, podemos pensar se a razão humana - entre outras coisas, nossos conhecimentos acerca do universo e nossa capacidade de associá-los logicamente - não estariam também sujeitos ao teorema.

Mas isso leva a uma dúvida anterior, sobre a origem da matemática. Seria ela uma criação ou uma descoberta humana? Estaria já na natureza, na estrutura do universo, podendo ser descoberta em qualquer ponto do espaço onde surgissem criaturas inteligentes o suficiente? Mas isso, por sua vez, implica toda uma lógica sobre uma suposta irrelatividade da inteligência, elevando o ser humano numa direção senão divina, ao menos única, e certamente superior - pois temos uma habilidade a mais, a capacidade de descobrir a matemática.

A alternativa: seria a matemática uma invenção? Uma mera ferramenta que nos ajuda a resolver problemas que nós mesmos criamos? Acho esta hipótese improvável, porque mesmo outras "invenções" humanas - o fogo, a roda, o pára-raios - não passam da descoberta de um fenômeno existente, ou que já pre-existia nas leis da física.

Se a matemática é uma invenção humana, o teorema de Gödel é apenas mais uma descoberta dentro desse "brinquedo sofisticado", o que pode ser muito para os matemáticos, mas nem tanto para eu que escrevo e para você que me lê, meros mortais. Por outro lado, se a matemática for uma descrição natural do universo e tudo que o compõe - inclusive nós mesmos - então estamos diante de um curioso paradoxo. Ao mesmo tempo em que podemos ampliar indefinidamente nossos conhecimentos sobre o universo, nossa ciência e nossas técnicas, sempre haverá verdades que jamais conheceremos, não apenas por uma incapacidade tecnológica ou por falta de tempo para descobrir tudo, mas por uma limitação da própria lógica.


Mas voltemos à razão. De uma forma ou de outra, ela é um sistema fechado, lingüístico, de associações, valores e verdades relativas. O próximo problema é - há alguma verdade absoluta na linguagem humana?

Ou há apenas verdades relativas, verdadeiras apenas a partir das premissas que a originaram?

Em outras palavras, existe alguma premissa absoluta?

Descartes foi uma das pessoas que pensou sobre este problema, e concluiu que havia, sim, uma única premissa (ou pelo menos a que ficou famosa e caracterizou tudo o que começamos então a chamar de pensamento cartesiano):
- Penso, logo existo - teria dito o filósofo.

Mas o que dizer da sociedade humana, onde todos percebem que a morte é o fato derradeiro, que apenas um grande Sol faz companhia à Terra desde o primórdio dos tempos, e que o próprio tempo só anda para a frente (ao menos assim sempre o percebemos)?

Da observação da natureza vem a impressão de que existe apenas uma realidade, comum a todos nós. Ou, no mínimo, uma realidade principal, que une e justifica palavras como humanidade, Terra, realidade, mundo, estar acordado, etc. Então por que algumas pessoas insistem em que não existem premissas, ou verdades, absolutas? Por que mesmo Descartes teria aceito tão pouco?

Como diria Paul McCartney: I don't know!

E como diria Jimi Hendrix: Who knows?

Será que a existência de verdades improváveis, mas nem por isso menos verdadeiras, abre um espaço para a fé no interior do reino da razão?

Talvez não, pois um crente não tem como discernir entre a verdade oculta e a falsidade oculta. Além do mais, suponho que existam bem mais falsidades do que verdades ocultas, como parece óbvio. Entretanto, a mente humana parece querer acreditar. Mas isso já é outra conversa...

Educação de menos, por favor...

Tenho a impressão de que o mundo moderno tem uma grande dificuldade em lidar com os instintos humanos.

Acredito que nosso sistema educacional, em sua grande maioria, seja um completo equívoco. Em primeiro lugar, por considerar que o único conhecimento relevante vem da cultura, devendo ser copiado da memória do professor para as dos alunos. Segundo, por presumir que todas as pessoas de uma nação devam receber os mesmos conhecimentos, o que fere não só a (falta de) disposição de cada um para absorver tanta cultura, mas principalmente a diversidade de aptidões individuais. Terceiro, por defender que um indivíduo só tem cidadania quando acumula uma cultura específica, de conhecimentos adquiridos de uma fonte central.

Nega-se por completo o papel da sabedoria inata, do comportamento instintivo, que muitas vezes se sai melhor para resolver problemas inusitados que uma sabedoria confundida por pensamentos antagônicos, por um excesso de conhecimento livresco que ultrapassa a capacidade de processamento da maioria dos indivíduos.

Os inúmeros exemplos de profissionais graduados, formados em boas faculdades, e que não conseguem emprego, ilustram parte da história. Quantas pessoas gastaram mais de quinze (15!) anos estudando para conseguir sobreviver apenas com conhecimentos elementares de aritmética, mais aquele traquejo que só se aprende na prática - por exemplo, no caso de um bacharel que se torna lojista para sobreviver. Toda a decoreba de história, geografia, ciências, português, etc. não contribuíram em nada para que essa pessoa alimente seus filhos.

Argumentarão que conhecimento geral sempre é útil, mas não parece ser o que acontece na prática, a não ser quando um ex-bom-aluno tenta a sorte em algum desses programas de perguntas estapafúrdias da televisão. A maioria dos adultos que conheço, que gastaram seus melhores anos presos na escola, acreditam em fenômenos sem nenhuma comprovação, como o espiritismo e a homeopatia, ao mesmo tempo em que NÃO acreditam em fenômenos há muito demonstrados, como a evolução biológica e a origem dos corpos celestes.

Tanta (des)educação é o melhor que podemos fazer com nosso sistema educacional?

Lembro-me de Roger Waters: Hey, teacher, leave those kids alone!

Nosso sistema educacional tem o horrível mérito de vangloriar o único aluno da turma que se sai bem no sistema. Provavelmente este sistema deveria existir apenas para ele. Os demais transformam a experiência escolar num trauma que quase nunca é revertido: perdem a coragem de fazer perguntas originais - já que costumam ser melhor recompensados ao fazerem indagações retóricas, o que indica que "estudaram" a matéria; adquirem o hábito de apenas buscar o conhecimento em troca de uma compensação bem definida; associam a aquisição de conhecimento com a privação de outros prazeres, o confinamento em uma sala fechada, a dissimulação dos hormônios, principalmente na adolescência.

O que restou desse sistema falido é uma população que não gosta de ler, salvo uma e outra revista semanal - de qualidade mais que discutível - e livros da moda - igualmente rasos.

A curiosidade, a vontade de adquirir conhecimento, é um dos traços mais característicos do instinto humano. Até, é claro, que a educação substitua este instinto por uma cultura de competição e conhecimentos pré-formatados e inúteis. Deixada por si só, a sociedade forma sozinha boa parte de seus profissionais, seja pelo conhecimento passado de pai/mãe para filho/a, seja no caso de adultos que decidem aprender profissões que nunca haviam pensado em seguir.

Afirmar com satisfação que a evasão escolar caiu bruscamente talvez seja visto como uma monstruosidade pelas próximas gerações. Hoje, porém, em nossa sociedade voltada para a economia de consumo, ser analfabeto é motivo de vergonha, mesmo quando os ditos letrados não têm sequer um olhar crítico, individual, sobre as manchetes que lêem na mídia.

Quanto mais nos esforçamos por este modelo de educação, mais nos afastamos da sabedoria inata que a natureza levou milhões de anos para desenvolver em nós. E que ninguém se engane: a natureza continua sendo a mais sábia.

Thursday, November 16, 2006

Abacab 1

Na floresta mais isolada
dias depois do ponto mais distante
em que o mais intrépido homem perdeu-se
erguem-se serras em forma de anel
guardando ao centro o vale mais profundo
de atmosfera mais densa e úmida
cujo ar não era provado por pulmões humanos
há milhares de anos.

Ao pé do pico mais alto
onde a sombra é mais profunda
e o frio mais imóvel
ergue-se uma porta de quarenta metros
testemunha da raça de gigantes
que aqui viveu.
Ao seu lado inscrições parecem dizer:

"Se és grande o bastante para entrar
esquece o teu sangue, os teus membros
e teu pescoço
São mera carne, e nossa dieta
não vale a tua aflição."

Dentro da porta, um imenso corredor
fere a montanha
com portas laterais
tão grandes quanto a primeira
e novos corredores, alguns subindo
em escadas, outros descendo
Nas paredes, entalhes monumentais
retratam guerras e festas,
jantares e coroações.

Há gigantes e outros menores
guerreiros em várias escalas
mas os menores são sempre alimento
se não podem se defender.
Os pequenos pareciam obrigados
a servirem os maiores
até virarem eles próprios a janta.

Mas não sobrou nada além de poeira
e desses passos estrondosos
que parecem fechar a porta
de mil toneladas -
e acender a luz:
os convivas estão sentados e bem vestidos
em trajes monumentais
parece que eramos esperados
para que a festa começasse.

Éramos dez e corremos em bando
apesar de estarmos armados -
nossas espingardas os fariam cócegas!
Cinco foram logo apanhados
e levados em pranto
outros alcançamos uma escada
que - ai de nós! - apenas descia.

Entramos na armadilha
que escolha haveria?
Descemos uma curva larga e exposta
presas fáceis, armas em punho,
até um grande salão escuro
onde se podia ouvir um suave ronronar
de cinco mil gatos gigantes.
Correntes pendiam do teto
foram nossa salvação,
menos do quinto de nós
que não foi ágil o bastante -
antes comida de onça que de gigante!

Os outros quatro subimos
e alcançamos um corredor
como o primeiro, porém menor
cujas esculturas mostravam gigantes
presos e torturados por homens
que, para nós, ainda haveriam
de ser extraordinariamente descomunais!

Mas não precisamos imaginar seu tamanho
eles entraram correndo - eram três;
fizemos mira e atiramos
mas eles continuaram correndo
nova mira, novos tiros,
mas nada impedia os bastardos;
por fim corremos, eu e um outro
para ouvir ossos estalando
O corredor acabava em duas portas
a da direita levava a outro corredor igual
a da esquerda, a uma escada que subia em espiral
subimos e percebemos que,
a intervalos, pequenos túneis
se afastavam da escada,
cada um numa direção
investigamos alguns deles
e vimos que levam
a respiradouros que rodeiam
o salão inicial
em diferentes alturas.

Vimos dois de nossos amigos
presos como canários
e, pelas suas faces,
vimos que seriam logo comida
voltamos até a escada
para subi-la até o fim
mas num ponto era interrompida
por um corredor estreito
imaginamos que tipo de seres
ali exigiriam respeito,
deviam ter nosso tamanho
mas tinham bem mais envergadura
vimos quando chegou
um bando de meia dúzia
portando roupas e enfeites;
tentamos ser amigáveis
e lutar ao lado deles
fizemos qualquer agrado
mas deixaram isso de lado:
um deles atravessou meu amigo
com uma lança
e ergueu-o no ar, moribundo
apontei minha espingarda
e apaguei o imundo
aproveitei o susto dos outros
e subi o resto da escada a galope
passei outros corredores
de diferentes tamanhos
mas só me interessava subir.

Subi milhares de degraus
até achar uma saída
do lado de fora,
outra vez o verde da vida
a floresta pulsava
como quem dá boas vindas.

Do lado de fora da porta,
que devia ter três metros de altura,
uma inscrição parecia dizer:

"Se és profundo o bastante para descer
esquece tuas crenças, teus valores,
tuas medidas - são relativos,
meros devaneios, e nosso jogo
não vale tua agonia."

Abacab 2

Dentro da grota mais funda
no fundo do mato escuro
denso, distante e úmido
na mais distante província
da mais isolada nação
rodeada de montanhas íngremes
altíssimas protetoras
esconde-se a porta
com quarenta metros de altura
no seio da rocha
cavados em milênios sem fim
túneis e paredes, escadas e salões.

Perdeu-se ali o mais bravo desbravador
entre uma raça que hoje se acha perdida,
extinta ou esquecida.
Ao lado da porta uma inscrição parece dizer:

"Aquele que tiver tamanho
e tamanha coragem, entre.
A morte vos espera,
como banquete na mesa de comensais
alheios aos seus uivos lancinantes
de animal que padece.
Esquece tua cabeça e teus braços e membros,
esquece tua fortuna tua virtude e tua maldade.
Aqui dentro perderás a cabeça e o resto,
perderás a virtude a saudade e a tristeza
e perceberás que, para nossa fortuna,
serás nossa refeição,
e perderás tua aflição."

Éramos dez entrando com
lanternas mochilas e cordas
Pela longa galeria, novas imagens
contavam novas antigas guerras.
Canibais gigantes, semi-canibais
comedores de gentes de todos os tamanhos
impossíveis de acreditar
esculpidos na rocha
contavam a história da criatura
que de repente fechava a porta
de quase mil toneladas.

Éramos o banquete
eles, reis ao trono
pareciam edifícios
mas corriam rápido.

Fugimos estardalhados,
como ratos enfiamo-nos
nos buracos como pudemos
às escuras entre pedras e lajes imensas
cinco fizemos e cinco ficaram.
Corremos juntos e alcançamos uma escada
que - oh! vida - apenas descia.

Éramos ratos num labirinto
Esculpidos em desgraça e medo
nossas carnes eram tudo o que sobrara.
A inteligência deu lugar ao desespero,
enquanto descíamos os enormes degraus
na escada que se abria para o que,
apesar da pouca luz,
parecia um imenso galpão.

Chegamos ao final da escada
para sentir o cheiro
e ouvir o ronronar
de cinco mil gatos gigantes.
Havia correntes pelas paredes,
que fizeram-nos separar
dois a dois
e o quinto ficou preso
nas presas de sua algoz.

Pelo limo e águas internas
subimos o que devia ser
o caminho cotidiano de outros homens,
ou super-homens
menores que os primeiros,
mas que talvez ordenhassem ali
seus felinos domesticados.

Do alto das paredes vimos grandes passagens
que conduziam a outras salas,
entre elas a sala de nossos primeiros carrascos,
onde dois dos nossos esperavam a morte
em imensas gaiolas de ouro e prata
muito fora do nosso alcance.

Os dois do outro lado perderam-se na sombra,
do outro lado do abismo que formava
o que só agora começávamos a entender,
as paredes de duas pirâmides gêmeas.

Acima de nós,
uma abertura no infinito,
abaixo a morte,
ao redor o desconhecido.

Tateamos por uma entrada
que finalmente conduziu
a um corredor transitável
por criaturas menores que as outras,
mas deformadas e em tal medida
monstruosas, por qual
ó natureza!
fenômeno natural?

Nas paredes novas imagens
contam a história de outras linhagens
gigantes enforcando gigantes
ainda maiores,
festas com comida infinita,
reis e escravos
inimigos e uma vida em guerra,
mas precisamos correr
para salvarmos a nossa.

Meu companheiro foi pego
e não pude ajudá-lo
consegui alcançar uma porta
que finalmente levou a uma escada
que em milhares de degraus
conduzia à saída.
Abençoei a visão da mata
profunda, verde iluminada.
À esquerda da porta imensa uma inscrição anuncia:

"Aquele que se julga profundo
e com tamanha audácia adentra
o templo dos homens-deuses,
aprofunda-te em ti mesmo
e abandona a justiça e o sentimento
de que o tamanho é uma virtude.
Entre pequenos e grandes,
entre defuntos e vivos,
não passamos de carne uns pros outros,
e aqui dentro, infalivelmente,
nos dará tua mais desejada e profunda carne."

Abençoei a floresta,
abençoei minha carne,
e segui meu caminho.

Manaus

08/11/2006, 06:59h - 27,6ºC / 83% u.r.
10/11/2006, 07:13h - 27,0ºC / 86%
16/11/2006, 11:28h - 28,4ºC / 81%

Muito legal ter um termohigrômetro.

Monday, November 13, 2006

Sonho #1, 4 de outubro de 2006

Que saudades da minha girafa! Em seu dorso cavalgava, digo, giralfava por ruas limpas e arborizadas; ela, que respeitava os sinais e me beijava afetuosamente com seus beiços de ungulada! Como resistir à lembrança? Seu pêlo amarelo e suas dóceis manchas alaranjadas! A seu pescoço amigo me aferrava, presa de exaltação e alegria, para galoparmos velozes rumo ao desconhecido... e como nos aventurávamos então! Penteava-lhe a crina e a cauda, perfumava-lhe o abrigo e exterminava seus parasitas; e ela, em troca, me sublimava com o contentamento e a compreensão que só uma girafa poderia saber exprimir. Ó, meu animal, minha companhia, minha alegria, perdoa-me a vigília. Sonharia contigo outra vez, e desbravaríamos novas madrugadas...

Saturday, November 11, 2006

Grande Sol Equatorial

esquenta as águas escuras desse rio e orna de palmeiras sua orla
traze à cachaça os homens que se querem perder
e mais ainda os que quero encontrar
aquece os corações permissivos e retribui os generosos
motiva o povo ao esporte e à saúde
para que mantenham a beleza e a vitalidade
queima e molha suas peles morenas e mantém-nas elásticas, tenras,
agradáveis ao toque e ao paladar
alimenta os animais, para que povoem e embelezem a terra
e a alegrem com seus cantos
queima profundamente minha retina com a imagem dessa beleza
para que os anos não apaguem a lembrança da harmonia
provada sob seu reino
e ao seu nome hei de ser sempre leal.

Para Lennon e McCartney II

Porque vocês não verão meu lado equatorial, não precisa medo não, mas me sinto mal. Porque vocês só sabem da sua pobreza-riqueza urbana, o "cosmopolitan way of life" que relevam em mais alto grau; dificilmente sonharão com sons inumanos que não sejam artificiais. Mesmo assim há flores aqui; a floresta não distingue ninguém, mas é dura. Corpos urbanos nem lembram que trazem sangue, pensam num corte com um medo infantil, sem saber que a parede mais limpa de suas ruas é dez vezes mais suja que o chão de barro do mato. Porque você não verá meu buriti, meu seringal, não saberá o que é subir em árvore, pular da ponte, bicho-de-pé e atiradeira, que saúde é ver passarinho no ninho e banho frio de rio, que felicidade é beber água enquanto nada - e que isso tudo, todos os dias, existe cada vez menos, graças ao seu consumismo burro.

Thursday, November 09, 2006

...

Questionar é uma atitude ingrata, mas necessária.

Meus pensamentos ainda fervem, eis a questão.

O mundo anda aos trancos e barrancos, e eu quero mais é sacudir mesmo.

O homem, as palavras, os rótulos

Vivemos cercados de coisas e pessoas. Ao redor do mundo as coisas são bem mais diferentes do que as pessoas, e acabam moldando assim as pessoas, fazendo-nos achar que são as pessoas quem são diferentes. O simples fato de sermos todos Homo sapiens já nos torna iguais, ainda que sobre um único aspecto. Mas o tamanho deste aspecto, se comparado ao tamanho das coisas, já ilumina meu argumento.

Há diferentes personalidades, como há diferentes topologias e formas tridimensionais. Talvez infinitas, talvez todas únicas. No caso, o estudo da personalidade reconhece que é preciso bem mais que três dimensões para descrever a mente humana. Um tal Grigory Perelman, o russo que parece ter resolvido a famosa (entre os nerds) conjectura de Poincaré, chegou à base de oito formas básicas que seriam os "números primos" da topologia 3D, a partir dos quais qualquer forma tridimensional pode ser construída. Existirá algo análogo a isso no estudo da personalidade?

Arriscaria a busca a partir dos adjetivos pessoais, que falam algo da personalidade de alguém: preguiçoso, violento, ciumento, gentil, educado, mal-educado, etc. Cada um deles tem um oposto - agilizado, pacífico, libertino, grosso, etc. Talvez algumas palavras sejam tão pouco usadas que um antônimo exato tenha caído em desuso, mas acredito que todos os antônimos já existam.

Mas o que existe, de fato, não são as palavras, esses adjetivos, mas os eixos definidos pelos antônimos, e é evidente que cada pessoa está em um ponto ao longo de cada eixo, podendo mudar devido às circunstâncias - o que chamamos de mudanca de humor, ou de opinião - mas tendendo a permanecer em faixas restritas no interior de cada eixo, mesmo nas circunstâncias mais extremas - a isso chamamos personalidade.

É possível agrupar alguns eixos que costumam estar correlacionados? Quem é violento tende a ser ciumento? Quantos impulsivos para comida sáo impulsivos também para consumir álcool e outras drogas?

Os rótulos que a sociedade usa - mauricinho, nerd, galinha, viado,... - reúnem alguns eixos que identificam o sujeito de quem se fala, mas apenas para reforçar o significado daquela palavra. A palavra pode ser usada como explicação para um ato da pessoa, alguma atitude que não faria sentido a não ser que o contexto seja explicado - no caso, o rótulo.

Mas nem sempre se usa palavras para o bem. O mauricinho é aquele que se veste como quem tem algum dinheiro, mesmo sem tê-lo. Tem, assim, uma visáo de que o fator vestuário contribui com a sua auto-imagem, com a idéia que vende de si; portanto, o gasto com roupas náo é visto como gasto, mas como investimento. Claro que há pessoas que valorizam mais o conteúdo, e desprezam os mauricinhos. Como há pessoas que têm mais dinheiro que eles, desprezando-os por esse outro motivo. Há ainda quem ache bonitas suas roupas, extremamente bonitas, e se interessam também pelo conteúdo, casando-se com eles. Como podemos ver, a sociedade se resolve pela diversidade, mantendo-se em ordem apesar dos palavrões e estereótipos.

Já o viado é um tipo bastante característico por outras razões, mas tem uma diversidade escondida pelos próprios gays quando se fingem heterossexuais e se escondem nos guetos. Mais uma vez, homos e héteros, extremos de uma régua. O número de pessoas que "tateiam" pelo desconhecido é considerável, mas seu número é tabu. O que o gay/viado reúne de características que justifiquem o estereótipo, a palavra? Primeiro, são femininos, ou afeminados. Nem todos são, mas todos são "algo" diferentes, mais próximos em diversos aspectos das mulheres. Os menos afeminados acabam passando por heterossexuais. A explicação-tabu diz que os gays sao diferentes, enquanto a explicação-gay diz que os "homens" forçam uma postura de macho, evitando certos assuntos, posições, evitando divulgar em público uma ou outra preferência (coisas tão tolas como gostar de lingüiça ou pepino, por exemplo, dependendo do contexto). O "humor" de quem é simples (no mau sentido) adora ridicularizar minorias, o que talvez explique tamanha vigilância pelos homens, desde pequenos.

Alguns gays têm traços femininos, como fraqueza física ou romantismo exacerbado, enquanto outros exageram posturas para afirmar-se perante a sociedade (vestem roupas extravagantes, preocupam-se com a moda, gritam e desmunhecam, por exemplo). Claro, há gays fortes, putos, desleixados e grosseiros, mas parecem mesmo ser minoria. Claro 2, gays fazem sexo não só com outros gays como com "homens", ditos heterossexuais; alguém que recrimina os gays por "disseminarem" um comportamento libertino e "anti-natural", deveria se perguntar se não são os homens, sejam homo ou hétero, que gostam demais de sexo, demais mesmo, com direito a variações de um mesmo tema, e até de outros temas. Ou se não são eles próprios que, talvez, gostem de menos. Ou quem sabe também gostem muito, mas se vigiaram demais desde crianças, e agora já não saberiam por onde começar a experimentar outras coisas. Ou, claro, nunca tenham pensado em variar tanto - mas quem conheceu o norte do Brasil e seus jovens permissivos sabe que essa nem sempre é toda a verdade.

Grosso modo, curiosidade é uma medida de inteligência - é o que se aprende ao observar os animais. Não há porque ser diferente em relação à nossa espécie, como um todo: os animais mais inteligentes são também os mais curiosos (NÃO estou dizendo que pessoas inteligentes são bissexuais!).

Já o que acontece com o galinha e a galinha - não os bípedes penados, mas os bípedes implumes de Platão - é interessante: o homem recebe um prêmio quando pega muitas mulheres, mas a mulher recebe o risco de ficar solteira, e ainda ser chamada de puta, vagabunda e outros baixos calões, digo, rótulos.

O nerd, coitado, é sempre incompreendido. Geralmente não vai bem nos esportes, usa óculos, interessa-se por infames "coisas de nerd", não é compreendido pelos do fundão, que apesar de algumas vezes ignorantes, preconceituosos, preguiçosos, acomodados e outros baixezas, quero dizer, ah, enfim... quase sempre passam por caras maneiros. Ora, a maneirice do nerd não é compreendida porque seria preciso, no mínimo, ser inteligente para entender seus gostos e suas piadas. Mas, pensando bem, há dois tipos de nerd: aquele que estuda e estuda e estuda só para passar com mais de 90% da nota, e o que já vem sabendo algo, que consegue com um pouco de atenção aprender, e o resto da atenção fazer o mesmo que a galera do fundão. Este costuma se sentar em vários lugares da sala, tem vários amigos, ao contrário dos primeiros nerds que só ficam na frente, sempre com a mesma panela. O segundo nerd passa de ano quase sempre, embora com notas apenas suficientes nas matérias que não lhe interessam.

Isso me remete a uma questão educacional, talvez a escola meio-plural. (Tem algum termo entre o singular e o plural?) O aluno deveria passar em apenas algumas matérias do seu interesse, talvez metade delas, ficando livre para sequer assistir as aulas do que não lhe apraz. É melhor do que ficar atrapalhando os outros, é melhor do que ficar esperando a aula acabar, é melhor para ter mais paciência com o que pode ser mais útil, é melhor para se dedicar a outras atividades - leitura livre, pintura, música, esportes, comunicação, atividades sociais, política; enfim, tudo o que deveria fazer parte da educação, mas não faz.

Mas voltando à vaca fria...

Muitas pessoas pensam que a criação de rótulos permite que elas se comuniquem. Na verdade, há vários tipos de comunicação. Há, por exemplo, comunicação que visa apenas manter um vínculo social, sem que qualquer das partes tenha interesse em transmitir informação útil à outra - é o que se chama de conversa fútil. Claro que o jovem curioso que experimentou de tudo e acabou virando mauricinho ou viado pode ser descrito com algumas palavras, entre elas o rótulo.

Uma vez posicionada a figura de quem se fala dentro da constelação de rótulos=adjetivos, pode-se rapidamente assumir um humor, uma postura, um índice de empatia ou reprovação que identifica o ouvinte com o falante, aproximando-os dentro do grupo social que pretendem compartilhar, ou separando-os em relacáo a um e outro grupo. Esta química social é o que interessa às pessoas em suas "conversas fúteis". Querem falar dos outros para terem uma opiniáo sobre si próprias, e para entrar e sair deste ou daquele grupo. Afinal, não se faz nada sozinho, e a equipe que nos quer bem é aquela cujos valores imitamos.

Conclusão:

No fundo, as pessoas são mais defensivas do que ofensivas. Basta um ofensivo para tornar um bando defensivo. Isso talvez seja a causa da criação não apenas dos rótulos pejorativos, como também dos clubes, partidos, torcidas; rótulos a que as pessoas voluntariamente se vinculam, passando a repudiar automaticamente o rótulo (time de futebol, religião, partido político, etc) adversário. O "minuto do ódio" orwelliano. Instinto. O ódio parece estar mais associado à defesa que ao ataque. Quem ataca age num alvo localizado, bem-definido, tanto no tempo como no espaco. Quem se defende não, sua única chance é manter um estado contínuo de defesa. Não sabe quando ou de onde virá o ataque, precisa estar sempre alerta, precisa se mostrar forte, precisa andar em grupo. O ódio é um instrumento de defesa, é o latido do cão. Quem ataca já tem o prazer da ação - cachorro que morde não late - desprezando o ódio comunal como repulsivo, medroso, decadente, desesperado; numa palavra, desprezível.

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Friday, November 03, 2006

Sonho #2, 3 de outubro de 2006.txt

O diabo tem olhos dóceis
e braços de ferro;
quebra as espinhas dos fortes
sem perturbar o estudo dos sábios;
alegra as multidões
no quintal de um casebre
e vence todas as honras
com sangue alheio e ruídos secos,
depositando os corpos disformes
como fardos de farinha.

Entre explosões e comerciais,
quem ousará desafiá-lo?

Lógica e utopia

Toda a lógica irradiada no mundo e palpável na matéria das coisas não chega a aquecer, não chega a nos permitir enunciar o problema central da existência, a questão que passamos a vida tentando formular, a equação que, se escrita, desanuviaria por completo todo o caos da realidade, deixando um nada absurdo, maligno, uma natureza anti-natural, por sua própria definição contrária à Vida - essa busca inquietante, trágica, cômica, teatral, sempre pergunta, nunca, jamais, em hipótese alguma, resposta.

A lógica só pode ser encarada, assim, como parte da vida, não o contrário, por mais que a ciência e seus sacerdotes busquem na matemática a tessitura do universo, por mais que se pense em causas e efeitos como produtos da lógica: ainda assim, quantos microefeitos não se ocultarão infinitamente em microcausas mínimas, fractais, eternamente alheias a nós, imunes à investigação, à lógica. Se cada nível segue uma lógica própria, derivada do nível imediatamente inferior, que lógicas estranhas e alienígenas não se ocultarão nos confins do zero, da distância nula, da sub-partícula primeira, se é que a divisibilidade tem um fim.

A lógica nem é, tampouco, uma invenção, uma "ferramenta" humana, uma vez que podemos vê-la atuando na comunicação de outras espécies, em seu comportamento, em sua percepção do meio, sua cognição. Se a lógica percebida está, nesse caso, no sujeito ou no objeto (ou em ambos), é uma grande questão. Seria melhor definir lógica primeiro.

Lógica = Razão?
Lógica é uma regra que não permite exceção.
Lógica é a propriedade do universo de ser redutível a leis.

Mas cada nível da realidade, com suas próprias leis, tem também sua própria lógica, pois a própria lógica é uma derivação dessas leis. Se os níveis são infinitos, a própria lógica é infinita.

Há ainda uma outra lógica, menos restrita, que é aquela pela qual apreendemos o mundo, damos-lhe pesos e valores, atribuímos efeitos a causas, selecionamos prioridades de ação e julgamento, compreendemos ou julgamos compreender os outros. Aqui, novamente, cada cabeça é um microcosmo, um universo com suas próprias leis, cada um apresenta uma "lógica" peculiar, algumas mesmo mais lógicas, coerentes, que outras. Alguns pontos comuns acabam sendo costurados pela sociedade, de forma a otrnar as pessoas ao menos inteligíveis umas às outras, de modo que se tolerem mutuamente.

O filósofo busca fissuras nessa lógica socialmente aceita. Ele sabe que há outras possibilidades, outras formas de se relacionar os fatos e extrair deles uma lógica mais sensata, mais enxuta, mais parcimoniosa, talvez, com certeza mais justa aos seus olhos, mais verdadeira. Sabe que a lógica consensual não passa de um sistema forjado pelos que estão no poder para se manterem assim. O filósofo não quer, necessariamente, o poder. Sua musa é a verdade; só ela importa, acima de tudo. Interessa-lhe mais que os demais alcancem sua verdade assim descoberta, não para lisonjeá-lo, mas para que se libertem, para que se embriaguem na luz dessa beleza que ele procurou e descobriu, para que se compreendam mais e melhor, para que diminuam seus vícios e aumentem suas alegrias, suas aspirações, suas responsabilidades.

O sonho do filósofo é que as pessoas finalmente se aceitem, se tolerem, se permitam, ainda que não se compreendam. Que sejam diferentes, e que vejam na diferença o sentido da vida, na multiplicidade de lógicas a mãe de todas elas; finalmente, algo que merece ser louvado e cultivado, acima - logicamente - de todas as crenças, religiões, ideologias, nacionalidades e etnias. Apenas quando este ponto for alcançado começaremos a discutir a verdadeira filosofia - aquela que transcende as diferenças e retorna à essência do Homo sapiens, respeitando seus instintos e seu meio, suas capacidades e deficiências, e estabelecendo pela primeira vez e definitivamente suas verdadeiras necessidades.

Essa é minha utopia.