Friday, March 28, 2008

A escolha (da Sofia que há em você)

"Ao passo que a aquisição da menor verdade científica exige enorme labor, a posse de uma certeza baseada unicamente na fé não pede nenhum trabalho. Todos os homens possuem crenças; muito poucos se elevam até ao conhecimento." - Gustave Le Bon, As Opiniões e as Crenças.


O vândalo é um retrato de sua época, assim como o artista o foi da sua. A distância artística entre os dois, que os contemporâneos do vândalo querem apreciar apenas pela obra do artista, seja ele contemporâneo ou não, deve pagar o preço pelas contrariedades vividas por outros, os que consideram a obra do "artista" um luxo desprezível.

Mas existe a grande arte apreciada pelo grande público, e tudo que não alcança um grande público não pode ser grande arte. O vandalismo é a diminuição do público vísivel ou apreciador de uma arte qualquer? Ou da grande arte? Mas e se a arte é apenas a apreciação por uma sensibilidade treinada sob uma cultura com valores próprios? Sendo os valores das outras culturas muito diferentes dos nossos, a sensibilidade à arte assim varia, e assim a apreciação pela arte e seus artistas. Tanto que o público que lê não é o mesmo que gosta de cinema, novelas, futebol ou qualquer entretenimento que possa ser chamado arte.

Mas hoje a sociedade é a própria vândala. As novelas não têm mais os personagens fantásticos que já tiveram, o futebol não tem os belos lances, o cinema ainda produz ótimos trabalhos (embora haja controvérsias), mas certamente as grandes salas nas grandes avenidas das grandes cidades viraram bingo ou igreja universal.

Vêm me falar de pixadores, ou seria pichadores, enfim, qual é o sentido da correção lingüística da escrita numa língua falada por analfabetos funcionais, que despreza a equivalência entre grafia e fala? Para manter a perduração histórica dos grandes nomes da língua, preferem manter uma linguagem onde pajem não se escreve como garagem, taxa é diferente de acha; e sogra, baço e passo não parecem seguir normas muito seguras. Mudemos a ortografia para confirmar regras nítidas, e provavelmente não teremos mais leitores por causa disso.

Por que as pessoas não lêem? Temos provavelmente mais tempo livre que qualquer outra população da história, excetuados, talvez, naturalmente, as populações da pré-história e da história oral, que mantêm hábitos semelhantes de não gastar o seu tempo na construção de um sistema que os forçariam a trabalhar mais de seis horas por dia. Nos grandes centros urbanos o transporte já seria um atraso monumental na vida de qualquer ser vivo, e as capitais brasileiras não devem estar entre as mais caóticas do mundo.

O tempo livre aumentou desde o início da industrialização, mas antes era muito maior, ao menos nos solos produtivos dos trópicos. A industrialização levou aquecimento para os habitantes do frio, e talvez os tenha feito trabalhar menos, mas nos trópicos teve o efeito de expremer a qualidade de vida entre poucos. Nem todas as regiões da terra são férteis como uma floresta tropical, mas pessoas que cuidam da sua própria comida e sabem quase todas as técnicas de seu dia-a-dia parecem viver uma vida mais equilibrada e saudável. A industrialização foi a primeira substância de uma teia inovadora, que está demonstrando hoje ser um material tóxico, permanente e indestrutível. Trouxe coisas boas, e hoje a questão é o que manter e o que apagar do sistema? Chegamos ao "espaço indisponível no disco" terrestre.

Num mundo de indigentes, o espaço para a arte será mais levar a grande arte ao grande público, ou produzir artes pequenas e variadas pelos diferentes povos? Diversidade ou qualidade? Pode-se produzir mais do mesmo, mas nem mesmo a mais poderosa arte poderia jamais salvar um mundo sem diversidade.

Nossas sensibilidades seguem regras fisiológicas, como demonstra com maestria Gustave Le Bon em As Opiniões e As Crenças. Quando a diversidade deixar de existir, também a beleza terá morrido. Quando a história do planeta tiver morrido sob uma camada espessa de teias plásticas, tubos, conectores, fios, asfalto e plástico, nossa espécie terá perdido para sempre a beleza das pequenas coisas, das coisas infinitas, espontâneas, autênticas e maravilhosas da Natureza. A via é de mão única, e o mal já foi identificado. Cabe a nós ter a esperança de saber mudar as coisas na direção certa.

E por essa porta entramos na política.

O vandalismo é o quê na visão política? A perda da história causada pela inadimplência, incapacidadedeparar, de um cidadão, que deveria ser sinônimo de humano mas não é. O que é um cidadão? Uma pessoa que vive na cidade. E a floresta? A floresta também é habitada por humanos, logo faz parte da política.

Uma espécie não consegue enxergar o seu passado porque a história foi destruída pelo vândalo que danificou a obra de arte. Mas os maiores vândalos destróem a natureza, destróem as espécies - extinção, processo sem retorno - o que acontece em função das áreas naturais destruídas (Wilson & MacArthur 1969 - teoria de biografia de ilhas, uma das coisas mais bonitas da ecologia, que lamentavelmente não é ensinada no ensino médio). Destruir a natureza, destruir assim a zoologia e a botânica - a própria criação daquele Deus que o povo aqui assim o chama - é então um pecado maior que qualquer conduta individual, por diversa, inesperada, atípica, vergonhosa ou incompreensível que esta possa parecer, e que não passa no fundo de uma mudança em nossos costumes. Mas quando nossos costumes valem mais que a própria Natureza, e com ela a diversidade, a própria diversidade associada ao pecado, o que fazer? O que escolher? Será essa a divisão política primordial?

Tuesday, March 11, 2008

Toma, Aurora


Aurora, você me sugeriu pra ler Nietzsche (e ficou devendo uma "leitura de apoio"). Então, vou sugerir pra você estudar a evolução do homem, depois você volta.

Wednesday, March 05, 2008

Carta a Aurora e outros "iluminados"

Semana passada eu recebi um comentário que me deixou incomodado. Uma suposta Aurora escreveu o seguinte:

Olá Rodrigo

Estava procurando alguns artigos para uma pesquisa e li alguns dos seus textos. Considerando seu entusiasmo e seu pensamento estrutural, acredito que vc deva ter uns 20 anos... É sempre muito importante buscarmos conhecer bem e ter muita consciência do que falamos, admiro sua iniciativa de pesquisar as religiões que orientaram sua moral e seus valores, vc deveria ler Nietzsche... com alguma orientação claro... precaução pra que vc n pire de vez. Bem, já fui bem parecido com vc, nunca acredite nos outros, busque sempre a verdade, mas tome muito cuidado... vc me parece muito confuso, sem uma linha de raciocínio compreensível, vc tem muita sede de tudo, cuidado para n se afogar com um copo d'água... a vida é bem mais do que algumas críticas e muita falação. Se vc tiver o cuidado certo com o que escreve e com o que pensa, vc tem futuro garoto.

Apesar... bem... me entediou. Se vc deixar seus pensamentos amadurecerem mais pode ser que fique interessante ler o que vc escreve.

Bye

Aurora

Em primeiro lugar, Aurora concluiu, baseado no meu "pensamento estrutural" que eu devia ter uns 20 anos... O que quer dizer esse pensamento estrutural? E outra, em que lugar do país deverá morar Aurora, uma vez que eu não conheço ninguém com 20 anos que escreva sobre os assuntos que coloco aqui?

Quanto ao pensamento estrutural (?), eu tenho visto o seguinte: aos 20 anos, a pessoa está preocupada em saber o que acontece no mundo, muitos (ou talvez nem tantos quanto eu gostaria) discutem com os amigos questões metafísicas e transcedentais, filósofico-políticas, sociais e pessoais, participam de discussões em DAs e grêmios estudantis, enfim... dialogam para entender o mundo. As pessoas de 30 anos que conheci geralmente não tinham tempo nem interesse para nada disso. A maioria está preocupada em ganhar dinheiro, trabalham duro para poder dar aos filhos esses mimos consumistas que acreditam torná-los pessoas mais equilibradas (mas me parece que é bem o contrário). A maioria das pessoas acima de 40 anos que conheci já tinham um pensamento definido sobre como é o mundo. Quase sempre têm uma religião e não aceitam os argumentos mais racionais que apontam os pontos falhos dessas religiões, ou a maneira como a interpretam. Suas mentes estão blindadas. Pior, esse tipo de raciocínio só se agrava à medida que as décadas passam e se chega aos 50, 60, 70... É claro que a biologia é a ciência das exceções e aqui não seria diferente.

Por outro lado, também da biologia apreendemos que o ápice da vida física e mental de um ser humano acontece justamente por volta dos 20 anos. O conhecimento e a experiência aumentam com o tempo, mas o raciocínio geralmente parece diminuir. Com muito exercício pode-se manter o vigor intelectual, como o físico, por mais tempo, mas nada se iguala à juventude.

Assim, acho um elogio ser "confundido" com alguém de "uns vinte anos". Posso até dizer que quando tinha 20 anos meus textos eram bem mais claros, e imagino que a descoberta de tantas coisas boas e ruins sobre o mundo tenha mesmo me deixado bem mais confuso. Como reza um dos hinos do King Crimson: "Confusion will be my epitaph" ("Confusão será meu epitáfio", da música Epitaph, do disco In the Court of the Crimson King, 1969). Mas para quem nunca leu um pensamento diferente do seu (como quando lemos um filósofo pela primeira vez), é muitas vezes necessário parar e repetir cada frase, sob o risco de não entender absolutamente nada. É o que parece ter acontecido com Aurora. Meu namorado mesmo não tem 1/10 da sua correção gramatical, mas entende o que escrevo. Outras pessoas que jamais conheci me parabenizam pelo meu blog (várias perto dos 20 anos). Não devo ser tão confuso assim... Meu ponto de vista é que deve atordoar a maioria unida em torno de valores como pátria, religião e família? Vai saber...

Minha confusão só cresce a partir do momento em que pouquíssimas pessoas têm tempo, disposição e interesse para debater alguns dos pontos de vista aqui expostos, que podem ser qualquer coisa, menos ortodoxos. Como diz Aurora, a vida é bem mais do que algumas críticas e muita falação. Realmente, para a maioria das pessoas que conheço, a vida é tão-somente seguir seus ideais ou crenças cegamente, sem jamais colocá-los em xeque. Não filosofam, e afirmam categoricamente que acreditar e não acreditar são "apenas" visões diferentes do mundo, igualmente dignas, válidas e produtivas. Não preciso dizer o quanto discordo. Só digo que quem "acredita" costuma seguir dogmas dos quais nem desconfia.

O que me incomodou mais profundamente é que a mensagem que eu pensei ser honesta mostrou-se em seguida, sob um olhar mais atento, desonesta. A pessoa assina com o nome Aurora, mas diz "já fui bem parecido com vc". Das duas uma, ou Aurora era seu nome de guerra quando tinha uns 20 anos (e por que não, até hoje?), ou está me sugerindo, subliminarmente, para ler a obra homônima de Nietzsche.

Só posso dizer a Aurora o seguinte: quando você voltar para ver se eu já amadureci, certamente eu não serei o mesmo, e certamente o que eu serei dependerá muito das IDÉIAS que eu tiver compartilhado ou debatido com os outros. Se a sua única sugestão é para que eu leia Nietzsche com o cuidado de não enlouquecer, muito obrigado. Crescer em uma família católica já foi mais do que eu precisava para estar vacinado contra a loucura.

Um forte abraço,

Rodrigo.

PS: Um post antigo sobre essa questão da legibilidade: Da qualidade de um texto enquanto legibilidade.