Thursday, October 04, 2012

O que é o Brasil, afinal?

O Brasil não é UM Brasil, são vários. Mesmo uma pessoa não é UMA, mas uma pessoa diferente à medida que os anos vão passando. As células são todas trocadas em pouco tempo, nenhum átomo permanece no nosso corpo a vida inteira. Por que então as ideias?

O Brasil não é um ponto, uma linha, nem mesmo um plano, a menos que seja um plano cheio de reentrâncias e curvas em todos os níveis fractais possíveis e inimagináveis.

São inúmeros eixos: norte-sul, leste-oeste, rural-urbano, rico-pobre, denso-vazio (de gente, e de cada outra espécie), floresta-deserto, rio-mar, litoral-montanha, limpo-sujo, calmo-apressado, feliz-triste, ambicioso-tranquilo, sábio-tolo, velho-novo, generoso-egoísta...

Alguns desses eixos costumam acompanhar outros, mas quanto? Onde? Como? Por quê?

Precisamos começar a entender a partir de um desses eixos, escolhi o do tempo. O Brasil de 1500 diferia do Brasil de hoje em quê? Para começar, densidade humana. 10 milhões de habitantes, talvez, naquela época, uns 190 milhões hoje. O crescimento não foi uniforme ao longo do tempo, houve séculos de crescimento lento, e uma aceleração abruta recente. Basta dizer que tínhamos uma população de 55 milhões em 1951:

1500 a 1950: 55-10 = 45 milhões/450 anos = 100.000/ano
1950 a 2010: 190-55 = 135 milhões/60 anos = 2.250.000/ano

Quais os efeitos diretos desse crescimento? Os mesmos observados no crescimento explosivo de qualquer outra espécie: consumo excessivo de recursos, extinção de outras espécies, redução da biodiversidade, mudança da paisagem, proliferação de pragas, aumento da competição e da violência intraespecíficas. E os efeitos indiretos?

A mudança da paisagem que observamos foram o desmatamento completo de mais de 90% da Mata Atlântica, mantendo o restante em pequenas ilhas que já não podem manter a diversidade original; destruição de cerca de 70% do Cerrado, que também abriga uma biodiversidade rapidamente erodida. A Caatinga também se encontra em processo similar de perda de valor (não apenas valor financeiro, mas qualquer tipo de valor que qualquer pessoa possa aplicar à Natureza: ético, estético, emocional, espiritual, etc). A Amazônia é o maior de todos os ambientes naturais remanescentes no planeta, se não pelo espaço que ocupa, certamente pelas diferentes formas de vida que abriga. Sua taxa de destruição é da ordem de 0,5% ao ano (Amazônia Brasileira). Os outros países que abrigam a Floresta Amazônica aparentemente não a estão destruindo tão rápido quanto nós, mas apenas no nosso território a destruição significa 10% a menos de floresta a cada 20 anos! Se metade desta floresta for desmatada, a perda de umidade resultante implicará, muito provavelmente, na savanização da floresta restante, ou seja, novas vegetações de cerrado em terrenos pobres, com alta probabilidade de desertificação. O restante do país e do continente receberá bem menos chuvas - e como o Brasil é atualmente celeiro do mundo, este cenário certamente implicará na fome de multidões!

Logo, dada a TAXA de destruição e sua aceleração RECENTE, vemos que não temos mecanismos institucionais, sociais, históricos, religiosos, para enfrentar a destruição do ambiente, da fauna, da flora, e o resultado previsível é catastrófico. Isso significa que, no eixo tempo, é muito questionável se avançamos de um passado RUIM para um futuro MELHOR, crença profundamente arraigada em todo o sistema atual de reprodução de ideias, seja na igreja, na mídia, nos discursos dos candidatos a prefeito e vereador, nas propagandas, nas falas dos personagens "bons" das novelas e filmes, nas aulas dos professores, nos livros de história, nos dicionários, nas conversas...

O próximo eixo mais importante, depois do tempo, talvez seja o eixo que separa o sábio do tolo. Uma população de tolos pode ser governada por um governante sábio. Mas quando os governantes são escolhidos em um processo dirigido pela "arte" da propaganda, temos tolos seguindo tolos. E não estou falando de PT, e sim do próprio processo democrático aliado a uma educação ineficaz. Nem mesmo os famosos lemingues, roedores "suicidas", cometeriam tantas tolices!

O eixo temporal tem de um lado o passado limpo e abundante de recursos, de outro o futuro superpopuloso, poluído e com fauna e flora empobrecidas. A maioria reconhece que não há valor em consumir, que o tempo vale mais que o dinheiro, que a amizade vale mais que bens materiais, mas as cidades já são grandes demais, moramos longe demais dos nossos amigos, temos mais conforto na prisão de nossos lares do que caminhando em ruas cheias de automóveis e pessoas que não conhecemos - e quem aguenta conhecer tanta gente?

Outro eixo é o vida-além, que separa os que vivem a vida e os que aguardam outra chance em uma improvável além-vida. Com o excesso de gente e a falta de recursos, parece natural que as populações venham aguardando outra chance mesmo sem muita certeza. O pior é que, enquanto aguardam, relaxam o que poderia se tornar indignação, o que poderia acelerar a correção da direção errada que temos tomado.

Outro eixo é o da realidade-fantasia, que separa os que vivem a vida de carne e osso e os que vivem as vidas de personagens da ficção, geralmente de novelas, filmes e comerciais de tv. Quantas pessoas não repetem "slogans" de personagens, até mesmo de propagandas comerciais, como forma de humor? Quantas vezes a conversa gira em torno da vida de personagens que sequer existem? Quantos sonhos são com produtos de consumo exibidos nos comerciais, em oposição aos sonhos com experiências que tivemos? Nesse mesmo eixo, de um lado os que querem modificar a realidade, de outro os que se contentam com a ilusão. Esse eixo não é totalmente separado do anterior, vida-além, uma vez que o além até hoje não passou de uma ilusão muito bem defendida.

Outro eixo é o de quem enxerga esses eixos como pilhas com apenas duas polaridades, bem/mal, tudo/nada, 8/80, em oposição aos que o enxergam como uma transição contínua de um extremo até o outro, passando por vários níveis intermediários também presentes nas populações de coisas vivas (e até mesmo onde não há vida!). Este eixo é próximo daquele que separa os tolos dos sábios. Os que veem tudo em preto e branco não enxergam solução para os dilemas sociais, já que todo extremo (só enxergam extremos!) é incômodo. Assim costumam tornar-se niilistas, deixando para a "sorte" a solução ou não dos problemas comuns (claro que com os próprios problemas a sua abordagem é bem diferente, e mais natural e instintiva, ou seja, funciona melhor).

Somando alguns desses eixos, temos uma maioria que espera soluções do "além" ou da "sorte", entidades cuja única diferença é que a segunda acontece às vezes, ao passo que da primeira não há sinal confiável. Assim nosso país continua presa fácil, ou melhor, continua confiante nas boas intenções daqueles que vêm acumulando capital e praticando diferentes planos de colonização em todo o mundo há séculos.

A solução que vislumbro é um entendimento correto do eixo temporal: que não saímos do sofrimento para a era do prazer: muito pelo contrário! Para isso o povo precisa conhecer de perto seus povos que ainda vivem perto do passado, ou seja, do ambiente limpo, da biodiversidade livre, da abundância de recursos e baixa densidade demográfica. Nós, das cidades, precisamos aprender com os índios como e por que erramos. Mas quanto mais nossa população avança e as áreas naturais são destruídas, mais remota vai se tornando essa possibilidade. E você, já VIVEU isso que está sendo destruído?