Monday, March 13, 2006

Brokeback Mountain

Acabei de ver Brockeback Mountain, e não podia deixar de escrever sobre esse filme. Há dez anos eu saía do serviço depois de furtivamente olhar se havia algum filme gay em cartaz. É claro que existe uma categoria de filme diferente dos filmes comuns, destinada especialmente ao público gay, que fala sobre a vida gay, os problemas que só os gays enfrentam, e que poucos não-gays sabem que existem ou chegam a pensar com mais atenção. A diferença é que naquela época esse "tipo" de filme não passava no grande circuito, apenas nas salas mais cults da cidade grande e cosmopolita que é Belo Horizonte. Ainda assim a vida gay lá não era tão aberta como é hoje. Voltando ao filme, é de longe o melhor filme gay que já assisti. Talvez o melhor que assisti naquela época tenha sido um sobre dois garotos que se apaixonam, moram na mesma vizinhança pobre de periferia, e descobrem que existe um mundo paralelo, um gueto, onde é possível não se envergonhar pela preferência sexual diferente. Brokeback Mountain lida com o mesmo assunto, a aceitação - a auto-aceitação do cowboy tímido, no caso.

É estranho assistir à reação das pessoas, principalmente mulheres, ao filme. Há cenas que podem ser consideradas quase explícitas, mas têm menos conteúdo erótico que a novela das oito, é a diferença o que espanta. Uma amiga chegou a achar o filme bobinho, porque afinal uma história de amor é uma história de amor, e de fato são todas iguais ou muito parecidas, se alguém consegue abstrair a masculinidade de ambos os envolvidos.

BM é um filme gay, é uma história de amor, e muito mais. Fala sobre a vida desperdiçada, sobre duas décadas de café com leite sem açúcar quando havia um mundo à disposição, mas fora do alcance para quem vive numa sociedade dominada pelo medo, pela proibição explícita de comportamentos "desviantes". E o pior é que a história ainda se repete, e continuará se repetindo muito ainda.

O filme fala de escolher o que somos, de aceitarmos nossas vontades mais profundas, por piores que sejam. O cowboy que se casa e tem duas filhas vive uma vida de merda porque não pôde escolher ter a sorte de um amor tranquilo. O mais idílico da história, tirando o cenário Marlboro, é a própria existência de apenas dois gays, a diferença das metrópoles de hoje, onde preferimos fugir do mundo natural para encontrar mais pessoas, para fugir da solidão, para poder ter a chance de encontrar alguém que nos satisfaça, mas onde no final sofremos da mesma megapopulação e da incapacidade da maioria em manter um relacionamento.

Se 10% das pessoas são homossexuais (e alguns acham esse número alto), haveria numa festa, por exemplo, nove vezes menos opções de parceiros para mim do que pra você, se você for heterossexual. Uma história de amor onde dois rapazes livres dos vícios dos guetos gays, livre dos preconceitos modernos das grandes metrópoles - sejam eles a vida noturna das baladas, a cultura massificada do mundo gay pop, os trejeitos e afetações das bichinhas de todos os lugares - uma tal história apenas me remete ao tempo em que eu era ingênuo, quando minha necessidade de viver não era ainda revestida de uma certa cara-de-pau que desenvolvi para aumentar minhas chances na roleta da felicidade.

Talvez seja como a história do príncipe encantado, mas aqui ninguém foi feliz para sempre. Ainda assim , o apelo sensual do filme é esse encontrar alguém como você, uma alma gêmea, e deixar existir nisso um romantismo que abunda, mas não chega, na minha opinião, a ser exagerado. Falem o que quiserem, se o romantismo hetero vai de mal a pior, só por estar batido, o que não dizer dos gays e suas baladas metropolitanas com tanta gente e tão poucos corações limpos?

Nada vi de pior que pessoas que não se aceitam como são, por medo. E quando isso significa perder a mais bela proposta de uma vida a dois, como poderia ter sido no filme, preciso admitir que as lágrimas rolaram, embora com gosto.

Todo homem no fundo é uma criança. Dá pra ver isso na cara do cowboy tímido, sua vontade de viver quando os dois se descobrem pela primeira vez numa barraca no meio do mato. Dá vontade de consolar aquele sorriso desejoso, aquele furacão indefeso ante o poder do amor. É tudo o que o outro queria, mas a vida, a sociedade daquele lugar e época, como tantos outros, reduziram a pó os seus sonhos nada mesquinhos. Sonhos como os de todo mundo, mas que os héteros só entendem e não ridicularizam nem consideram leviano quando se trata de seus iguais. Que assim seja, e o mundo permaneça dividido, mas que ao menos tenhamos o mesmo direito de viver o que acreditamos, cada um na sua.

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