Monday, August 01, 2016

Onde andei


Thursday, June 16, 2016

Esquerda e Diversidade, Direita e Monomania

Quando discuto política, duas perguntas geralmente são necessárias. A primeira:

"Quais são os seus conceitos de direita e esquerda?"

SEUS conceitos, pois admito que não existe apenas uma definição para cada palavra. Um automóvel pode ser um meio de transporte, um objeto de ostentação e uma arma.

A resposta à pergunta me dá uma ideia das posições políticas da pessoa. Por isso, antes de prosseguir convém explicar a minha definição dos termos direita e esquerda.

Geralmente ouvimos que essa distinção surge na Revolução Francesa, onde o representante da nobreza se sentava à direita do rei, e o representante do povo à esquerda. Pouco mais de 200 anos de história, pois.


MILÊNIOS DE DIREITA/ESQUERDA

O que raramente ouvimos é que o Dao De Jing, o antigo clássico taoísta de Lao Zi (também escrito Tao Te Ching de Lao Tzu ou Tao Te King de Lao Tse), já trazia os mesmos conceitos há cerca de 2500 anos.

Vejamos:

Exércitos são instrumentos sinistros
que os seres desprezam
por isso quem segue a Natureza (o Dao/Tao) não os usa.
Alguém nobre, em casa, valoriza a esquerda
dirigindo um exército, valoriza a direita.
Exércitos são instrumentos sinistros
não são instrumentos de pessoas nobres.
Quando seu uso é inevitável
a calma e a suavidade devem prevalecer.
A vitória não é bela.
Quem vê beleza na vitória
se satisfaz com assassinatos.
Quem se satisfaz com assassinatos
não pode alcançar sua vontade no mundo.
Ocasiões propícias favorecem a esquerda
ocasiões nefastas favorecem a direita.
O segundo general fica à esquerda
o primeiro general fica à direita
pode ser dito que estão em um funeral.
Quando morrem multidões só podemos lamentar.
A vitória na guerra é como um funeral.

Dao De Jing 31

Em casa, valoriza-se a esquerda: os valores da família, da comunidade, do povo. Dirigindo um exército, um comandante deve seguir as ordens do rei: os valores do poder, do topo da pirâmide. Ocasiões nefastas (como uma grande guerra) podem favorecer o rei e encher os seus bolsos, mas matam multidões e empobrecem os sobreviventes. Ocasiões propícias são aquelas que melhoram as condições de vida da maioria.

Podemos ver aqui exatamente a mesma definição de direita e esquerda utilizadas na Revolução Francesa e repetidas até hoje.

Ora, mas enquanto numa monarquia era possível -- e até desejável -- tomar o lado do rei, numa "democracia" tal ideia é indefensável: teoricamente todos buscam o "bem comum", e nenhum candidato poderia anunciar publicamente que está ali para defender os interesses dos poderosos, sob pena de uma derrota fulminante nas urnas. Assim, enquanto a esquerda continua anunciando a distinção entre direita e esquerda, bem como o seu inerente conflito de interesses (chamado "guerra de classes"), a direita insiste que tal distinção "está ultrapassada" (como se reconhecer uma distinção fosse causá-la!). Ou, num esquema marqueteiro típico, associam a esquerda ao totalitarismo comunista (como se as ditaduras capitalistas não fossem também totalitárias), enquanto associam a direita à "liberdade individual" associada ao "American Way of Life" e à "terra da liberdade e das oportunidades" representada pelos EUA (paradoxalmente ou não, hoje o país com a maior população encarcerada do planeta).

Assim, no discurso da direita, ora direita e esquerda não existem, ora direita representa liberdade e esquerda representa escravidão e ditadura.

Assim, a resposta do interlocutor à minha primeira pergunta me permite saber se suas ideias estão mais afinadas com o discurso da direita ou da esquerda.

Caso sua posição seja típica da direita, isso me leva à segunda pergunta:

"Quais são as suas fontes de informação da esquerda? Porque as da direita eu já sei."


A MÍDIA E A DIREITA

Se for preciso explicar, digo que a grande mídia é dominada pela direita. Num espectro eletromagnético onde cabem centenas de canais de TV aberta, conchavos antigos e anti-democráticos mantêm até hoje pouco mais de 10 canais -- todos muito parecidos -- disponíveis ao grande público. Todos com a mesma versão dos fatos: a versão do "rei", sem direito ao contraditório. Ou, quando o contraditório tem espaço, é apenas um simulacro, como os poucos negros colocados numa publicação de brancos e para brancos, para dizerem que não são racistas. Ou um debate sobre "a diversidade de religiões", onde chamam um católico, um protestante da Universal, outro protestante da Deus é Amor, um batista, um jesuíta e um ateu, ou seja, cinco cristãos e um que se define a partir da negação dos outros. Chamar xamãs indígenas, hinduístas, confucionistas, jainistas? Não, obrigado.

Dificilmente uma pessoa criada pelas ideias da direita saberá responder a essas perguntas, ou se mostrará satisfeita ao ter exposta sua ignorância. Mas num país com 75% de analfabetos funcionais, a grande maioria é criada pelas ideias da direita via televisão.

Mas essas questões visam expor algo ainda mais profundo: a origem e o crescimento da concentração de renda e poder, favorecida pela direita (e por isso mesmo ocultada pela grande mídia brasileira). Por exemplo, uma reportagem que saiu na Forbes (http://www.forbes.com/sites/laurashin/2014/01/23/the-85-richest-people-in-the-world-have-as-much-wealth-as-the-3-5-billion-poorest) afirma:

  • Quase metade da riqueza mundial está agora nas mãos de apenas 1% da população.
  • A riqueza do 1% de pessoas mais ricas do mundo soma 110 trilhões de dólares. Isso é 65 vezes a riqueza total da metade mais pobre da população mundial.
  • A metade mais pobre da população mundial possui o mesmo que as 85 pessoas mais ricas do mundo.
  • Sete em cada dez pessoas vivem em países onde a desigualdade econômica tem aumentado nos últimos 30 anos.
  • O 1% mais rico aumentou sua parcela da renda em 24 dos 26 países para os quais temos dados entre 1980 e 2012.
  • Nos EUA ["terra da oportunidade"?], o 1% mais rico capturou 95% do crescimento pós-crise financeira desde 2009, enquanto os 90% mais pobres ficaram ainda mais pobres.

A pesquisa original, publicada pela Oxfam International, pode ser obtida em http://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/bp-working-for-few-political-capture-economic-inequality-200114-summ-en.pdf

Parte desse aumento na concentração se deve a estratégias adotadas por economistas e outros manipuladores do sistema financeiro, que lucraram muito com crises como a da Bolha Imobiliária (EUA, 2007-2009), além de suas manipulações com títulos podres, derivativos e outros esquemas que lhes permitem a manipulação de "recursos" muito maiores que a riqueza real produzida em todo o planeta. E as agências que deveriam regular apenas abrem mão disso, todos fingem que tudo é muito complicado para que o cidadão comum possa compreendê-lo, e por isso a TV dá notícias apenas superficiais, sem explicar exatamente o que ocorre e o pouco necessário para que fosse evitado.

Veículos especializados comparam a crise pós-2008, que aflite continentes inteiros, com a famosa crise de 1929 (ex: http://money.cnn.com/2014/08/27/news/economy/ben-bernanke-great-depression/ e http://www.forbes.com/sites/robertlenzner/2014/06/22/the-2008-financial-collapse-was-worse-than-1929).

Mas alguém que só tenha "fontes de informação da direita", ou seja, alguém que só vê TV e não busca segundas e terceiras opiniões em outras fontes -- necessariamente escritas -- acreditará que só o Brasil está em crise. Afinal, é objetivo evidente da grande mídia manter no poder apenas os partidos que satisfaçam os interesses dos poderosos, não importa quanta mentira e omissão sejam necessárias (como teria dito Deus a José, após engravidar Maria: "o pessoal acredita em qualquer coisa").


O PROGRESSO DA ESQUERDA

O governo de esquerda que se instalou no Brasil e em boa parte da América Latina desde 2002 representou um imenso alívio à miséria vivida pela maioria (embora conhecida só de "ouvir falar" pelos formadores de opinião criados em berço de ouro). Indicadores como o Índice de Gini e a participação no PIB mundial atestam tal mudança.




Mas esses índices não são mostrados pela grande mídia, números favoráveis são camuflados em gráficos desfavoráveis, comparações históricas de 20 ou 30 anos nunca são mostradas (apenas comparações com "o mesmo período do ano passado", quando convém). Afirmam que a Petrobras está "falida" (mesmo com as reservas trilionárias do pré-sal) porque assim fica mais fácil vendê-la para os poderosos que, de longe, controlam o sistema. Exemplos da grande mídia distorcendo números não faltam:



Há mais de um século, o presidente dos EUA, Woodrow Wilson, denunciou os homens por trás de tudo isso, numa das raras ocasiões onde um político diz a verdade:

"Uma grande nação industrial é controlada por seu sistema de crédito. Nosso sistema de crédito é privadamente concentrado. O crescimento da nação, portanto, e todas as nossas atividades estão nas mãos de uns poucos homens que, ainda que suas ações sejam honestas e voltadas para o interesse público, estão necessariamente concentrados nas grandes empresas onde seu dinheiro está aplicado e que necessariamente, pela razão mesma de suas próprias limitações, esfriam e controlam e destróem a verdadeira liberdade econômica."

"Nós restringimos crédito, restringimos oportunidades, controlamos o desenvolvimento e nos tornamos um dos mais mal guiados, um dos mais completamente controlados e dominados, governos no mundo civilizado – não mais um governo pela livre opinião, não mais um governo por convicção e o voto da maioria, mas um governo pela opinião e coação de pequenos grupos de homens dominantes."

Woodrow Wilson, 1913 - http://www.gutenberg.org/files/14811/14811-h/14811-h.htm

Mas quem são esses "pequenos grupos de homens dominantes"? Os donos do capital. Os donos dos bancos. De forma figurada, aquelas "85 pessoas mais ricas do mundo" que detêm tanta riqueza quanto a metade mais pobre da população. Quem são, afinal? E como conseguiram ficar tão ricos?


OS DONOS DO CAPITAL

Precisamos voltar no tempo. Quando europeus invadiram e saquearam continentes inteiros, como África e América, levaram quantidades incalculáveis de ouro e prata, além de produtos valiosos como café, tabaco e açúcar (três drogas, segundo a farmacologia, mas não segundo o jornal policialesco da TV). Ora, só a Espanha dominou perto de metade do território do Novo Mundo, porém hoje é um país que também sofre com a crise na região do Euro. Onde está todo o ouro que levaram? Devem tê-lo usado para pagar juros de contratos mal-feitos (ou feitos sob medida para o lucro dos poderosos, assim como as privatizações denunciadas no Brasil, e abafadas -- como sempre -- pela grande mídia).

Durante a Idade Média na Europa, os católicos não podiam emprestar dinheiro a juros, pois estariam cometendo o "pecado da usura". Assim, apenas algumas famílias, principalmente judaicas, puderam enriquecer com esta prática. Enriqueceram tanto, de fato, que ameaçaram dominar completamente a economia, razão que contribuiu com sua expulsão de vários países. Ainda hoje, contemplando as listas de pessoas mais ricas do mundo, vemos uma grande quantidade de judeus. O papel de Israel na política mundial e no noticiário televisivo seria desproporcional, caso fosse sua área e recursos naturais que estivessem em jogo, e não sua posição financeira.

Ainda assim, precisamos voltar ainda mais no tempo para entender como diversas nações cristãs permitiram tamanho acúmulo de capital por "uns poucos homens dominantes".


MONOTEÍSMO E MONOPÓLIO

A Cabala judaica afirma que os judeus já foram um povo politeísta, como a grande maioria dos povos de então. Em algum momento de sua história, contudo, tornaram-se monoteístas. Passaram da afirmação e adoração de vários deuses para a afirmação da existência de um único deus, e sua exclusiva adoração.

Então chegam Jesus e seus doze apóstolos, todos aparentemente judeus. E surge a separação entre Antigo e Novo Testamento, todos escritos por judeus. É dizer: a história do mundo dos cristãos é apenas a história do mundo dos judeus, tal qual contada na mitologia do Antigo Testamento. É como dizer: os cristãos são apenas crianças, quando comparados aos judeus; e assim como um pai conta ao seu filho uma estória sobre seus grandes feitos de outrora -- estória que a criança considerará verídica -- assim os judeus contaram aos cristãos a estória -- ou mito -- da criação e desenvolvimento do mundo e das raças, estória que os cristãos são "forçados a acreditar" por medo, tanto da punição social como da eterna.

Mas o que talvez mais esclareça o domínio que os judeus têm sobre os cristãos -- e que lhes permitiu um domínio financeiro hoje quase absoluto -- é a mais popular oração cristã, o Pai Nosso:

"Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido."

Uma simples fórmula, uma passagem aparentemente inofensiva, mas cujo sentido vai muito além da aparência suave. Cabe ao cristão perdoar seus ofensores, não importa o tipo ou grau de ofensa. O "oferecer a outra face" de Cristo. Aquele que não perdoa seus ofensores não terá suas ofensas perdoadas no "fim dos tempos". E, posto que "somos todos pecadores", então todos precisamos de perdão, logo devemos TODOS perdoar "a quem nos tem ofendido". Se os judeus são donos do sistema financeiro e cobram hoje juros exorbitantes de todas as nações, ainda assim devemos perdoá-los. Não seria uma coincidência incrível que justamente eles tenham nos ensinado tal oração, e ainda mais, tenham-na classificado como "oração maior"? (As bolas maiores do terço se referem ao Pai-Nosso. Nas terras indígenas onde se ensina a escrita em língua nativa, podemos ver o Pai-Nosso afixado em letras garrafais nas paredes das escolas, como o Pë Mãi Hape em Yanomami.)



O que acontece nas nações não-cristãs quando um alto funcionário, ou mesmo o rei, é acusado de corrupção ou qualquer outra grande traição contra o seu povo? Sabendo que o povo não o perdoará, põe fim à própria vida. Isso sem dúvida deve inibir a corrupção! E o que acontece nas nações cristãs? Absolutamente nada! Alguns poucos são presos, mas na maioria dos casos continuam ricos e poderosos, às vezes em "prisão domiciliar", quando não permanecem como presidentes do Senado ou da Câmara dos Deputados (no Brasil, o caso de Sarney é apenas um entre muitos. Paulo Maluf não pode sair do país uma vez que é procurado pela Interpol, mas isso não o impediu de ser eleito Deputado Federal em 2010 e novamente em 2014, além de ser considerado pela Forbes um dos 5 políticos mais ricos do país).

Mas além do Pai-Nosso e da economia, há outros fatores que relacionam religião com política no geral, e o monoteísmo com a direita, em particular.

Pensemos na Grécia antiga ou qualquer outra nação politeísta. Aqui temos um templo dedicado a Apolo, deus da luz, da verdade e da beleza, ali um templo dedicado a Deméter (Ceres para os romanos), deusa da fertilidade e da boa colheita, acolá um templo dedicado a Atena (para os romanos, Minerva), deusa da sabedoria e das lutas justas.

Há quem diga que a diferença entre o politeísmo e o monoteísmo é "mínima", invocando a ideia da Santíssima Trindade para negar um monoteísmo estrito, e comparando os deuses inferiores a Zeus/Júpiter com os anjos e santos do cristianismo. Mas tal visão nega o fato de Júpiter não ser nem o primeiro deus cronologicamente, nem tampouco onipotente. Sua figura se assemelha mais à de um cacique que, embora tenha a palavra final, deve levar em consideração a opinião dos tuxauas e demais membros da comunidade. Numa civilização mais complexa, o politeísmo equivale a uma descentralização do poder, onde diferentes pontos de vista são apreciados por diferentes sacerdotes, e onde interesses conflitantes podem estar certos ao mesmo tempo (como na tragédia grega clássica, em oposição ao melodrama ocidental moderno, onde o bem DEVE vencer o mal, onde há sempre um mocinho 100% bom que DEVE vencer o bandido 100% mau).

É inegável o poder propiciado por essa concentração de deuses em um só. Se antes vários templos e escolas debatiam entre si, e qualquer cidadão podia buscar auxílio em um ou outro ponto de vista, após o monoteísmo a diversidade de escolas passa a ser combatida, e a "verdade" passa a emanar de uma única fonte, de uma única instituição, de um único ponto de vista. Assim, o cidadão deve apenas seguir a autoridade central cegamente, não há a quem recorrer. Nas guerras, os inimigos não são mais "outros como nós" que merecem ser tratados com o devido respeito, mas tornam-se "representantes do Mal", sem outro direito senão a violência e a morte. Não é à toa que o deus monoteísta é referido na Bíblia como o "Senhor dos Exércitos". Nenhuma nação faz ou fez tantas guerras quanto as nações monoteístas. O motivo pode ser terra, petróleo ou direitos comerciais, não importa. O importante é que é muito mais fácil convencer fieis cegos a matar aqueles que são retratados como seguidores do próprio "demônio".

Por sinal, não é acaso que "demônio" e "democracia" tenham o mesmo radical -- "demo" -- que significa povo, multidão. Na dicotomia típica do pensamento monoteísta, o que é 1 é bom, 1 deus, 1 crença, 1 fé, 1 verdade, 1 líder, 1 Papa. O que é plural é mau, seja "demônio", "politeísmo" ou mesmo a própria diversidade de formas da Natureza (inferior às "formas ideais" platônicas, que tanto influenciaram o pensamento cristão). Até mesmo a monocultura, que destrói a biodiversidade e polui terras e águas, é vista como algo positivo. É uma espécie de mono-mania, ou preferência injustificada pela ausência de diversidade. Algo como viajar o mundo almoçando sempre no McDonalds.

Assim, se Jesus ofereceu o vinho em sua memória, apenas o vinho é a droga aceita. Todas as outras devem ser banidas. Se o Gênesis descreve a criação de Adão e Eva (e não de multidões inteiras como em outras mitologias), então existe apenas 1 tipo de Homem e 1 tipo de Mulher, nada de homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais ou hermafroditas. Se as formas da mente platônica de "Deus" foram criadas perfeitas, então toda diversidade é erro, doença, e uma teoria evolutiva é impensável (ao contrário das demais mitologias, que não costumam ter problemas em compreender as ideias de Darwin).

A guerra às drogas parece ter origem na mentalidade monoteísta. Se outras culturas usavam drogas entorpecentes e/ou alucinógenas como "ponte para o sagrado", então eram concorrentes diretas à ponte EXCLUSIVA que devia ser Jesus (João 14:6 "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai SENÃO por mim.")

"Lá pelo século IV, grupos de monges estavam invadindo propriedades onde era sabido que habitantes usavam drogas em cerimônias religiosas, e esses monges acabaram destruindo templos e matando pessoas. O ataque ao uso de drogas por não cristãos era o ponto central na plataforma política que os bispos usavam para obter poder e legitimidade."
Dr. David Hillman, autor de The Chemical Muse
https://youtu.be/pgcF06mw4q4?t=37m17s

Algo diferente da propaganda "anti-drogas" atual?

"Os cristãos eram bem antagônicos a qualquer concorrente de sua religião que estava crescendo e portanto os perseguiam, destruíam seus santuários e profanavam as suas esculturas."
Dr. Carl Ruck, Boston University
https://youtu.be/pgcF06mw4q4?t=37m4s

Mas os cristãos não eram antagônicos porque sua religião "estava crescendo". Os diferentes cultos às divindades dos panteões politeístas competiam entre si, mas de outra forma. Afinal, nenhuma divindade, nem mesmo Zeus ou Júpiter, clamou ser a "única existente". Foi a sua porção monoteísta, exclusivista, anti-diversidade, que tornou o cristianismo "mais antagônico" (ou melhor dizendo: mais assassino) que a média das religiões/cultos.

Alguns afirmarão que Cristo pregava a paz, portanto o cristianismo "não poderia" ter sido mais assassino. Ora, o ideal de homem propagado por Cristo é elevado demais para o homem comum. Não é um ideal que possa ser cumprido, como os ideais simples do taoísmo, digamos. Assim, aceitamos que somos pecadores. Basta que nos arrependamos dos nossos pecados no momento certo. Tirando isso, o cristão médio tem autorização (do Papa inclusive) para saquear, estuprar e matar quantas vítimas pagãs conseguir (verdade que isso faz alguns séculos. Hoje o cristão médio apenas aceita as vítimas da chamada "guerra às drogas", as vítimas de uma medicina mercenária, da miséria, dos agrotóxicos...).

Dizem ainda que a escravidão só foi permitida pela Igreja porque não sabiam ao certo se os povos escravizados eram realmente HUMANOS. Nem mesmo depois de séculos de mestiços nascendo por toda parte. Vamos fingir que acreditamos? Ou vamos reconhecer que a direita é isso? "Mentira e negação, enquanto o poder puder ser concentrado em nossos bolsos."

Essa concentração de renda e poder não reconhece fronteiras. Não reconhecia antes, hoje na era da Internet reconhece ainda menos. Não importa se sugam o sangue de um país distante ou do próprio país onde trabalham. Vejamos o rombo causado por esses "pequenos grupos de homens dominantes" em seus países de origem.

Durante décadas, G7 se referia às sete nações mais ricas do planeta, todas representantes do monoteísmo e imperialismo ocidental: Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido. (O Japão pode ser considerado "Oriental" por alguns, mas não acho que muitos orientais concordariam. O Japão se ocidentalizou demais. Mesmo sua religião absorveu mais elementos monoteístas do que a fonte maior de sua cultura antiga, a China.)

O que acontece quando outras nações ultrapassam o antigo bloco "dono do mundo"? Temos um novo G7: Brasil, China, Índia, Indonésia, México, Rússia e Turquia somaram um PIB maior (em paridade do poder de compra) do que os antigos líderes. O que a mídia fez diante de feliz novidade? Certamente o mínimo de barulho possível. O que a indústria fez? Batizou logo um novo modelo de automóvel de "G7", de forma que qualquer busca por "novo G7" na Internet te dará inúmeras fotografias do novo VW Gol G7, e quase nada sobre a política internacional. Camuflagem, maquiagem, mentiras e omissões: a eterna arma da direita "democrática". (Descobri agora que batizaram o novo G7 de "E7", sendo E de Emergentes. Dessa vez, foi a Samsung a responsável por lançar um fetiche comercial com o mesmo nome: Samsung Galaxy E7.)

Mas o que pode explicar tal mudança? Como nações outrora poderosas estão perdendo seu poder? As eleições da esquerda na América Latina em pouco mais de uma década não podem ser a única (nem a principal) explicação. (Ou porque esses "iluminados" líderes chamariam nossa região de "lata de lixo geopolítica"?)

Uma resposta parece estar nos bancos. Nações onde a maior parte dos bancos é pública estão crescendo mais que países que privatizaram a maior parte de seus bancos. É a velha mensagem de Woodrow Wilson: os "pequenos grupos de homens dominantes", quando tomam para si os bancos, investem naquilo que os fará ainda mais ricos, e não nas necessidades das crianças pobres de vizinhanças onde eles jamais botarão os pés.

Mas como tanta coisa errada pode acontecer sem que ninguém faça nada?

Simples: Primeiro, os cristãos são coniventes demais, estão preocupados apenas com a própria salvação; e acham que a Terra é descartável, de qualquer maneira (como diz o livro do Apocalipse). Segundo, os ocidentais são mal informados demais, pois buscam notícias principalmente numa TV concentrada nas mãos dos mesmos barões que controlam quase tudo.

Vejamos outro exemplo. Substâncias que são proibidas em alguns países por serem tóxicas. Essas mesmas substâncias ainda serão usadas em outros países por décadas, até que alguém descubra a proibição original e se dê ao trabalho de lutar pela saúde do povo do seu país. Onde estão a Organização Mundial da Saúde e a Organização Mundial do Comércio nessas horas? Certamente fazendo gráficos de como a medicina melhorou "porque os gastos com remédios aumentaram". Não são instituições para defender as pessoas, são instituições para defender o lucro.

A mesma busca pelo lucro e pelo crescimento arruinou o Império Romano, poucos séculos depois de se tornarem cristãos. Antes seus intelectuais eram versados em várias línguas, conheciam a cultura de diversas nações e épocas. Depois da conversão ao cristianismo, liam apenas a Bíblia, conheciam apenas a história judaica. E queriam dominar o mundo! Tentaram, mas é claro que a fertilidade do solo não foi suficiente para tamanha empreitada. Chineses e indianos, ao contrário, estão aí há muito mais tempo, com uma população muito maior, sem ter arruinado a fertilidade do solo nem exterminado sua megadiversidade.

Agora nós, o Ocidente judaico-cristão, continuamos acreditando que temos a missão de "salvar o mundo da sua brutalidade e barbárie", sem perceber que os brutais bárbaros somos nós. Estamos destruindo a fertilidade do solo, a diversidade alimentar e toda a biodiversidade, fonte de saúde física e mental, apenas porque somos ignorantes demais para saber o que estamos fazendo, e porque somos arrogantes demais para parar de fazê-lo, ou de convencer o próximo de que estamos errados.

Se o destino da nossa civilização é a ruína, que venha então logo, antes que arruinemos ainda mais aquilo que não conhecemos, e por isso não sabemos amar.

Tuesday, March 08, 2016

os animais, as plantas

Certas dicotomias de gênero podem não fazer sentido algum, ou talvez façam.

Além do português, outros idiomas também têm as suas estranhezas sobre o que é masculino e o que é feminino.

O alemão, por exemplo, tem suas bizarrices, com certos substantivos -- sempre com letra maiúscula -- recebendo gêneros (artigo masculino ou feminino) de forma que o ansioso estrangeiro em vão se esforça para entender.


Que sentido pode haver por trás deste caos?


o automóvel, a estante

o enfoque, a peste

o som, o ar, a tez

o pé, a fé

o hoje, a verve

o embate, a fome

o dente

a estepe

o esmalte

a cal

o sol

o sal

a lebre

o esporte

o táxi

o ímã

a estirpe

o furor

o ranger

o abrir

e fechar

as portas dos céus


podes fazê-lo como ave fêmea?







os animais, as plantas



uma semente não precisa saber para chegar, umas perecem, outras chegam

animais sabem melhor, e ainda assim nem todos chegam aonde poderiam

a ave no ninho calcula a direção do vôo

pelas lembranças e aromas, visão e música da Natureza


os opostos se completam, alto e baixo, claro e calor

e no escuro da nossa mente uma luz brilha

associando cada paisagem, cada nome e cada caminho

aos lados que definem, contrários, as nossas vidas


tudo se soma, tudo se divide

tudo foi feito pra se compartilhar

mas nem tudo é dado

muito é escondido

ainda é cedo pra nos admirar

Monday, March 07, 2016

pra quem gosta de um som sujo, primevo como a terra molhada de chuva

Muddy Waters


Onde termina o blues e começa o rock?

Ninguém soube explicar.

https://www.youtube.com/watch?v=mYpwQsHb2_o

Mas os rastros estão aí, este deve ser um dos grandes.

Friday, February 26, 2016

O Legião Urbana virou à direita?

Amanhã é o show do Legião Urbana em Manaus. 30 anos de carreira.

Escolheram fazer no Studio 5, onde Gilberto Gil tocou para uma plateia relativamente influente, porém reduzida.

Iron Maiden tocou no Sambódromo.

Scorpions, provavelmente a banda internacional favorita dos amazonenses, tocou no "Vivaldinho" (Arena Amadeu Teixeira).

Dois espaços muito maiores que a casa de shows do Studio 5.

**

O que aconteceu com o Legião Urbana, não conhece mais o seu país? Ou nunca conheceu? O autor de "Índios" parecia conhecê-lo. Dado e Marcelo não conhecem? Ou entregaram a logística para terceiros "mauricinhos"?

Por que isso me incomoda?

Porque em muitas viagens pelos interiores desse Brasilzão, sempre que possível acompanhando os eventos culturais ao lado do "povão", aprendi que há dois artistas consagrados no Brasil (talvez no rock, talvez na música em geral), pelo menos para a "juventude".

Esqueçam Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Esqueçam Cartola, Milton Nascimento e Gonzagão.

Estou falando de Raul Seixas e Renato Russo.



E a Legião Urbana tinha que me sair com essa? Cobrar R$60 para dar um show onde não cabe quase ninguém? Por que não cobraram R$30 para lotar um espaço muito maior com o "povão" que realmente os aprecia?

Não, preferiram os riquinhos que "não gostam de pegar chuva" (já que o Sambódromo não tem teto). E que, aparentemente, também não gostam de povão.

Que decepção!




PS: Uma vez eu debatia com um cara que insitiu que conhecia o Brasil melhor do que eu. Pedi pra ele fazer um mapa com as cidades onde havia andado a pé pelas ruas, pelo menos por uma hora, e conversado com alguns habitantes locais. (Escala de avião via de regra estava descartada.)

O mapa dele até que tinha várias cidades, mas formavam um triângulo entre Brasília, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul (aliás, nunca entendi isso, já que o Rio Grande mesmo é o Amazonas).

Conhece o Brasil?

Mostrei pra ele o meu mapa. Ele nem respondeu mais. Típico.

Nossa democracia não melhoraria se aprendêssemos a admitir quando estamos errados?

(E não é por isso mesmo que os posmodernos nos ensinam enfiam goela abaixo que "não existe verdade", logo "não existe erro"?)

Lugares onde andei.

Thursday, February 04, 2016

Pão


Wednesday, February 03, 2016

Mandingo, Sófocles e Jimi Hendrix


se os ocidentais são bons...

os Chineses foram até a África fazer comércio.

os Europeus foram até lá arrancar escravos para levar a terras roubadas de outras civilizações.

E os Europeus, cristãos, é que são os bons? Os mocinhos?

"Os Europeus não sabiam que os negros tinham alma" - realmente, alguém acredita nisso? Não estou falando dos primeiros europeus que chegaram na África ainda no século 15 ou 16, estou falando do século 19 -- 300 anos, e MUITOS filhos e filhas mestiças, depois! Não estou perguntando se alguém vai dizer que acredita só porque está acostumado a ser hipócrita e repetir o que outros querem que se diga. Estou perguntando se ALGUÉM ACREDITA NISSO?

Mandingo (1975) apresenta a questão da escravidão com realismo - exagerado, dirão as puritanas - e, como é necessário, como uma tragédia, na moda grega de um Édipo Rei e sua irmã Antígona.

Quando um negro caça outro a pedido do dono branco, o que é pior, o medo de morrer ou a vontade de matar?

**

Quando comparamos diferentes culturas ao redor do globo, vemos uma liberdade sexual muito maior que a ensinada pelas puritanas doutoras da igreja (usando aqui o jargão gay de chamar pelo feminino algumas "amigas").

A homossexualidade não era proibida no continente que depois seria batizado América. Pelo contrário, muitos relatos mostram não apenas uma grande consideração pelo "terceiro e quarto sexos", mas uma permissividade sexual generalizada, como na célebre "não existe pecado 'abaixo' do Equador". Também nos cânones orientais vemos a experiência e até erudição sexual de indianos, a espontaneidade dos daoístas: vão ambas em direções muito opostas ao moralismo anti-prazer que o cristianismo desenvolveu desde cedo (ver por exemplo a esplêndida obra de Uta Ranke-Heinemann, Eunucos Pelo Reino de Deus. "Misteriosamente", não encontramos a obra na página da editora, mas damos de cara com um alien nada amistoso -- vontade inconsciente de espantar leitores incautos?).

Será que o "chifre" vale mesmo uma vida? Não parece uma regra criada apenas para as famílias donas de imensas fortunas, que inventaram até a matemática e a geometria (o nome já diz, medida da terra) para salvar suas posses e prazeres? Regra que mais tarde vazaria para o "populacho", inevitavelmente, como uma tinta que aplicada à cabeça de uma estátua há de escorrer e colorir também as suas vestes e o pedestal?

Quando Jimi Hendrix cantava Hey Joe, quem ele encarnava, o amigo que inicia a letra, ou o próprio Joe, que mata a mulher por ciúmes? Talvez um pouco de cada? Qual o real papel de Joe? Esperava ser aceito pelos brancos? Tentava imitar o ideal de honra deles? Ou teriam seus ancestrais trazido da África este comportamento? Quando fugia para o México, é porque os mexicanos sabiam que a Natureza não pode ser domada? Ou porque onde estava, ao lado da lei de defesa da honra, havia também uma lei contra a defesa da honra -- nessas dicotomias do típicas do falso moralismo (se permitirem o pleonasmo)?

Qual mulher mereceria a morte: a adúltera ou a ciumenta? (Reparem se a versão do Blues Etílicos traz mais influência da capoeira ou de Roma. Além disso, ao contrário do "justiceiro" de Hendrix, aqui se prefere entregar o castigo à Executora natural, como também recomenda o Dao De Jing no capítulo 74. Já o direito romano há muito dá ao homem o direito de agredir e, muitas vezes, matar a mulher infiel.) O que pode ser considerado ofensa aqui? O que é pior, aceitar um chifre ou matar por ele? Quem são os selvagens, afinal?

Aliás, sendo a Selva um templo da Vida, o que queremos dizer quando acusamos alguém de ser "selvagem"? Viver na selva é viver longe dos seres humanos? Ou fugiram da selva os humanos que hoje a destroem, impiedosa e impunemente?

**

O sentido da tragédia grega é o mesmo da Vida, às vezes ganhamos, às vezes perdemos. Não existe "felizes para sempre". A cultura europeia é baseada em milenares mentiras. A tragédia grega foi substituída pelo melodrama da Bíblia e de Hollywood (aliás, dizem que os judeus escreveram a primeira e hoje dominam a segunda). Se antes cada lado tinha os seus motivos, agora um é "bom" e o outro "mal". Para o cristianismo, para o islã, para o judaísmo -- "nós" somos "bons". O outro lado não está com o "deus único", só pode ter "inclinação para o mal"? Eis o melodrama, o maniqueísmo, a dicotomia que tenta separar o bem do mal, o branco do preto, o sim do não -- quando todos se alternam, como já sabiam os daoístas do yin-yang.




E assim, na tentativa de fazer a Vida parecer um roteiro mal escrito, muitas vidas são humilhadas, pisoteadas, destruídas. A posse de poucos somada a uma má filosofia gera a aparência para muitos, e milhões de escravos perdem suas vidas para erguer a tumba de um faraó que se acredita o único deus (ou mesmo sabendo da existência de outros, fechou-lhes os ouvidos). O resultado é a morte, a destruição das Florestas, a destruição do prazer, a destruição da Vida, da biodiversidade, do sentido. Para os descendentes do romanos, as pirâmides do Egito não passam de uma "grande maravilha do mundo"! Para os economistas da TV, a Natureza é um "recurso infinito"!

Mas quem sabe tenhamos alguns séculos pela frente? Se pudermos aprender com os distantes (ao invés de nos contentarmos em "amar o próximo"), talvez saiamos do lugar, talvez aprendamos a viver melhor. E a tragédia voltará a representar nossos problemas inevitáveis, e não mais os problemas desnecessários que criamos para manter uma única tradição em detrimento de outras.

Friday, January 29, 2016

Alguns fatos por trás da "crise brasileira" (entre eles a crise mundial)


Para entender por que a mídia brasileira tenta afastar o PT do poder desde muito antes de 2002, é preciso entender que ela serve aos interesses dos verdadeiros donos do país, que nunca foram eleitos e certamente nem moram aqui.

Por que criticariam tanto o PT, se dados do Banco Mundial apontam que o nosso PIB aumentou 59,9% (de 2,107% para 3,369% do PIB mundial) entre o seu ápice anterior (cerca de 1980) e o mais recente (cerca de 2010)?

Crescimento ainda mais espetacular se medido apenas durante os 8 anos do governo Lula (de 1,480% para 3,369% do PIB mundial, um crescimento de 127,6%).

Por que favoreceriam tanto o PSDB, mesmo quando os mesmos gráficos mostram uma queda significativa do mesmo indicador desde os anos 1990 até 2002, último ano de FHC?

(Clique em um gráfico para ampliar.)



E o que teria causado a redução, ainda que pequena, entre 2010 e 2014? O governo Dilma (como anuncia a mídia em tom que beira a histeria), a crise em outros países com quem o Brasil tem mantido relações econômicas, o sensacionalismo da mídia afetando o humor dos mercados, uma combinação de todos esses fatores? Sabemos que o governo Dilma manteve o mesmo projeto político que garantiu o sucesso do governo Lula, principalmente na área social. Também sabemos que as crises globais intermitentes se transformaram numa constante após 2008, graças à ação (ou omissão) dos órgãos reguladores estadunidenses e internacionais, que deveriam monitorar a saúde do sistema financeiro e punir agentes irresponsáveis, mas que, ao contrário, mudaram as regras do sistema para favorecer esses mesmos agentes (leia aqui e aqui). Sabemos que essa crise, que completará agora 8 anos, foi tão ruim que está sendo comparada com a famosa crise de 1929 (exemplos aqui e aqui). Também sabemos que muitas das denúncias de corrupção que agora estão sendo investigadas a fundo já haviam sido denunciadas há muito tempo, mas que durante os anos de FHC e seu "engavetador-geral da República" foram devidamente abafadas, com ajuda da grande mídia.

Todas essas questões deveriam ser trazidas ao debate público, muito antes dos gritos alucinados de "impeachment", cujas razões já conhecemos bem.

Se acrescentarmos outros países, podemos fazer uma comparação melhor:




Alemanha e França, tidas pela elite tupiniquim como alguns dos maiores gênios sobre a Terra, já perderam quase metade de seu poder econômico desde os anos 1980. A Inglaterra segue ritmo parecido, ainda que um pouco mais suave.

Se acrescentarmos China e Japão, temos o próximo gráfico:



O crescimento da China já não é mais novidade, o que poucos sabem é a queda quase equivalente do Japão, o "amiguinho do Império Americano na Ásia".

Finalmente, se acrescentarmos os donos do Império, o gráfico chega em sua forma final:




onde o declínio do Império Estadunidense se torna palpável, ainda que aconteça em diferentes fases:

1) de 1960 a 1980: a revolução cultural dos anos 1960 parece abrir duas décadas de democratização mundial. A contracultura, com seu auge entre a maconha que Bob Dylan teria oferecido aos Beatles em 1966 e o Woodstock de 1969, mais o desgaste da imagem dos EUA no Vietnã dentro do próprio país, no mínimo coincidem com uma era de crescimento de outras economias, num cenário onde antes os EUA abocanhavam 40% do PIB mundial. 20 anos depois, este número havia caído para 25%, talvez num efeito deliberado pelos estadunidenses (precisavam de compradores para seus produtos?) ou talvez em boa parte por um efeito demográfico? Ou, quem sabe, por uma real redução de poder?

2) Nas duas décadas seguintes, temos Reagan e Thatcher e suas políticas neoliberais; temos a inflação descontrolada nos países "emergentes" (como Brasil e Argentina, que viriam a se curar curiosamente na mesma época, 1990-1994). Tínhamos ainda o domínio da economia estadunidense, aliada a uma política externa entreguista nos países dominados pela direita, que permitiram aos EUA crescer novamente, de cerca de 26% para cerca de 32% do PIB global. Como já sabiam os antigos, toda ação causa uma reação, e a degradação do nível de vida causada pelas políticas neoliberais do fim do século XX reforçou no povo a necessidade de mudança. Com a chegada da Internet, a hegemonia da grande mídia foi furada, primeiro lentamente, depois de forma avassaladora, fazendo a esquerda vitoriosa em regiões crescentes do planeta. Esse fenômeno culminou, no Brasil, com a eleição de Lula em 2002, quando começa a fase seguinte.

3) A partir de 2002, a participação dos EUA no PIB mundial cai de quase 35% para quase 25% em 2012. Uma queda de 10 pontos percentuais, ou uma redução de quase 30% em 10 anos! Que se deve em parte ao crescimento da China, que foi de 4% para quase 12% no mesmo período, ou seja, triplicou! E não sozinha, já que a esquerda recém-empossada fez com que muitas nações deixassem de ser o capacho dos EUA que eram nas mãos da direita, passando a negociar mais com o gigante asiático, e também umas com as outras, pobres com pobres, pois a solidariedade é mais comum entre os que têm pouco.

Agora resta saber se a podridão financeira antes dominada por FMI, Banco Mundial, Wall Street, Washington, FED, etc. será substituída por uma política mais plural ou se são, no fundo, todos farinha do mesmo saco. O futuro dirá, embora a propaganda tenda a dizer o contrário (a não ser que vc tenha metade dos canais orientais, e metade ocidentais, nos próximos anos, quão provável é isso? E mesmo que tenha, é preciso ter ouvidos para ouvir...)


Os dados são do Banco Mundial (http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD). Após a divisão dos dados de cada país pelos dados mundiais, a tabela final é exibida abaixo.



O arquivo com os cálculos pode ser obtido aqui.

Um gráfico mais detalhado, feito no software R (os anteriores foram feitos no LibreOffice), para alguns países e um período mais extenso, pode ser visto abaixo. Os países são BRA=Brasil, CHN=China, DEU=Alemanha, FRA=França, GBR=Grã-Bretanha (Inglaterra+Escócia+Wales), JPN=Japão, USA=Estados Unidos. As linhas verticais indicam intervalos de 5 anos. As linhas horizontais indicam intervalos de 1% do PIB mundial (o eixo Y está numa escala logarítmica para facilitar a comparação entre os países).


O arquivo csv com os dados também pode ser obtido aqui. O script do R que criou o gráfico acima, aqui.


Adendo

Caso alguém pense que o governo do PT "foi como outro qualquer" e que "apenas aproveitou o bom momento econômico deixado por FHC", talvez os gráficos abaixo mostrem a implausibilidade dessa ideia. Talvez não. Como se diz, "o pior cego é o que não quer ver" (alguns não querem ver nem mesmo as manipulações da mídia).



Índice de Gini brasileiro, segundo o Banco Mundial. Quanto menor o valor, menor a desigualdade econômica. Muitos têm apontado evidências mais diretas, como o fato de os pobres agora poderem ter equipamentos de TV, máquina de lavar, fazerem viagens e comerem em restaurantes. Os ricos contudo, talvez ilhados em suas torres de marfim, não vivem perto o suficiente do "povinho" para enxergarem isso.




Índice de Gini mostrado de forma diferente. É visível a abundância de miseráveis em 1999, bem como sua substancial redução em 2009.

Mas a luta continua.


Wednesday, January 20, 2016

A criação de regras resolveu o problema do mal?

A questão do bem e do mal, e como cada povo a tem explicado.

Quem veio antes, a ideia de um Deus ou de vários deuses?

A resposta a essa questão depende do povo que a responde: muitos monoteístas dizem que o monoteísmo veio antes. Mas não é o que a geografia parece mostrar. O mapa-múndi está repleto de povos com mitologias tão diferentes quanto suas próprias linguagens.

Na maioria delas, o panteão mítico era ou é habitado por seres ultra-humanos, mais especificamente uma COMUNIDADE de tais seres. E assim como acontece com os animais e plantas, cuja distribuição geográfica é raramente a mesma entre duas espécies, também os habitantes desse panteão variam segundo a nossa posição no globo terrestre. Este é um ponto importante, porque espécies animais e vegetais diferentes ocupam hábitats diferentes, assim como os diferentes deuses e deusas servem a diferentes propósitos. E assim como é o povo o guardião de uma língua, é o mesmo povo o guardião dos seus mitos e divindades.

Este cenário foi predominante na maior parte da superfície terrestre por milênios de ocupação humana, onde cada região apresenta, ainda hoje, uma raça diferente, reconhecível nas portas dos restaurantes caros, onde geralmente só podem pagar aqueles mesmos que trouxeram o "deus único", chamado por eles "Deus", como que aniquilando num simples passar de borracha a diversidade de todo um planeta. A mesma estratégia foi usada mais tarde pelos ingleses, esse povo antipático, justamente porque anti-empático. Não vê o outro em si. Não vê a si no outro. Darwin, o típico inglês, laborioso, incansável, grande herói da ciência, não via nos aborígenes senão aberrações de um "ideal platônico": o Adão loiro das frias latitudes. Foi preciso um Wallace -- não por acaso relegado a segundo plano -- para ver as semelhanças antes das diferenças. Mas poupemos Darwin, sua ideia de uma Árvore da Vida, é digna de substituir a Cruz da morte pregada pelos brancos que dominam -- e demonizam -- Continentes.

Qual a estratégia que seria usada mais tarde pelos ingleses? Batizar dois de "seus" maiores países com o mesmo nome de um Continente (ou parte) que contém vários Estados-Nação. Assim os Estados Unidos da América -- que não são, como o nome faria supor, uma ALCA estendida -- costumam abreviar-se como "América", num dos mais gritantes caso de falta de modéstia deste Hemisfério. O outro caso inglês é a África do Sul, que não é nem metade da África, nem um quarto, e nem mesmo uma oitava parte (para ser preciso, ocupa apenas 4% do Continente Africano). Contudo, usa um nome como se representasse, quem sabe, a quarta parte do Continente Africano, berço da humanidade desde muito antes daqueles ancestrais já tão longínquos que muitos sequer toleram sonhar. E ainda assim, preferem se separar como podem da população local, dona de riquíssimos conhecimentos, porque é assim que se mantém uma raça reconhecível o bastante para ainda se acreditar herdeira de seus heróis e mártires, por covardes e violentos que tenham sido.

Assim também estes homens e mulheres, seguidores deste ou daquele livro, versão ou tradução, costumam posar de donos do único livro relevante da história do Mundo. Reparem que uso Mundo com M maiúsculo, e livro com L minúsculo, uma vez que o Mundo é maior do que qualquer livro. E os donos do livro, que preferem escrever Livro, acabam escrevendo mundo assim, com M minúsculo, colocando a mitologia de um povo -- de um único povo, entre tantos outros -- como única mitologia válida em todo o Mundo. Pior, em todo o Universo! De tal forma que, numa postura ainda mais drástica que a dos EUA e da África do Sul, o seu deus deve ser o único, nem mais nem menos. O deus de um povo do deserto fará parar de chover na Amazônia, antes ou depois de matar a sua última divindade?



Voltando à questão das regras. É evidente que cada povo tem suas próprias regras. O que menos gente sabe é que algumas dessas regras parecem ser observadas em todas as culturas conhecidas. Um antropólogo chamado Donald Brown as nomeou 'Universais Humanos' (Human Universals): rir, chorar, contar piadas, registrar o parentesco, ter tabus contra o incesto e contra o assassinato de membros do bando, entre outros. O número de traços registrados chega perto de duzentos. Talvez tantos traços em comum tenham uma origem biológica, inata, mais antiga até que nossos parentes primatas mais próximos. Vários deles são observados não apenas em chimpanzés, mas em outros primatas e até outras ordens de mamíferos (filhotes brincam nos mamíferos em geral, chimpanzés fazem brincadeiras e riem delas, e também foram observados isolando uma fêmea estéril após ter matado o filhote de outra, como relatou Jane Godall em 'Uma Janela para a Vida').

Sendo assim, nossas similaridades significam que a espécie humana muito provavelmente pode conviver em paz. Os povos de uma região não são tão diferentes dos povos de outra região. Todos contam piadas. Todos têm indivíduos que se embriagam de vez em quando, que brigam por ciúmes e que pulam a cerca. Então será mesmo tão difícil conviver?

Claro que, se cada povo ficasse em sua terra (respondendo àquela máxima de Lao Zi de "amar a própria roupa e o próprio lar") os conflitos seriam reduzidos. Ainda assim, os seres se multiplicam, sejam bactérias, insetos, cereais ou pessoas. E onde antes comiam 10 agora comem 20, 30, 100... cedo ou tarde o conflito se torna inevitável.

Então, qual a origem do mal? Seria como perguntar: qual a origem do bem?

Talvez um precise do outro para existir. O alto não existe sem o baixo. O claro não existe sem o escuro. Tudo são contrastes, opostos, variações entre os extremos de diferentes réguas que formam a nossa interpretação do mundo. Tudo faz parte da existência. E, ainda assim, cada povo criou regras adicionais às que já parecem ter sido dadas pela Natureza no nosso longo processo evolutivo. Mas essas regras combatem efetivamente o mal? Ou, quanto mais tabus, maior a miséria (outro ponto de Lao Zi)?

Um equipamento para manter o conforto térmico de um edifício tem uma peça chamada Termostato. Quando está quente demais, ele manda esfriar; quando está frio demais, ele manda esquentar. Se essa peça quebra, a máquina deixará de funcionar, e seus usuários sofrerão, seja de frio ou de calor.

O mal se parece com esse afastamento do estado ótimo de um sistema. Mas como podemos conhecer o estado ótimo do sistema humano? Conhecendo o ser humano. E como se conhece o ser humano? Aprendendo línguas, conhecendo culturas. Quanto mais diferente a cultura, maior o ângulo de visão do cenário ao redor. Como uma ilha, um lado pode ter montanhas, e o outro planícies e desertos, e ainda assim todos terão vida. Enzimas têm uma temperatura ótima, por isso nós também temos uma temperatura ótima. Como poderíamos pensar o que é bem e mal do ponto de vista da enzima, sem conhecer o seu ponto ótimo? Assim, como podemos pensar o que é bem e mal do ponto de vista humano, sem conhecer os ciclos e fluxos em que a Natureza humana tomou forma? Lao Zi também disse: conheça o mundo sem sair de casa. A Natureza humana é a mesma, e as nossas maiores alegrias e maiores preocupações são basicamente as mesmas de quando nos escondíamos em cavernas de pedra, sem ar-condicionado, eletricidade ou escrita. Podemos ter hoje um doutor com muitos prêmios e honrarias, mas que não conhece a fundo a Natureza humana como uma pessoa dita "ignorante", sem estudos mas com os olhos abertos para tudo o que a Vida lhe ensinou, e com uma raiz próxima dos conhecimentos dos antigos, ainda ligados à Natureza e sua imensa sabedoria.

O referido "doutor", justamente por não ter virtude, precisa passar a aparência de possui-la. Enquanto o "ignorante", justamente por ter virtude, não está preocupado em demonstrá-la. Isso também ensina Lao Zi, quando fala sobre a Espontaneidade. Assim, o "ignorante" pode passar a vida em meio à Natureza, seja de árvores, pessoas ou pedras, e ainda manter a serenidade sem precisar fingir que sabe. O "doutor" por sua vez, para esconder a falta de conteúdo, passa a afirmar mais do que sabe, como já notaram Schopenhauer (A Arte de Escrever) e Renato Russo ("falam demais por não ter nada a dizer"). Assim tais "doutores" preferem adotar um sistema cheio de regras, de difícil assimilação -- um sistema que eleva alguns a "líderes", rebaixando outros a "servos". Os que dominam o elaborado sistema de regras conduzem o restante. Existe portanto uma oposição entre sistemas simples, de um lado, e sistemas complexos, de outro. Os sistemas simples têm o potencial de ser dominados por todos, são uma extensão mínima, um traje leve de verão, sobre os instintos sociais acumulados no tempo evolutivo. Os sistemas elaborados são propositalmente elaborados, de forma que diferentes e extensos sistemas de escravidão possam ser construídos e mantidos por bastante tempo (séculos, milênios).

Exemplos de sistemas simples: o Taoísmo, na China, e as culturas de povos de tradição oral, em vários Continentes. Exemplos de sistemas complexos: os sistemas com grandes livros, como o Confucionismo (em comparação com o Taoísmo) na China, e os grandes monoteísmos, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, que avançaram sobre a maior parte do planeta, como já vimos.

Os sistemas complexos constituem emaranhados de regras, muitas vezes contraditórias, que exigem o intermédio de um desconhecido -- padre, pastor, advogado ou juiz -- entre a pessoa comum e a realidade do Universo. Os sistemas simples, aplicados principalmente em pequenos agrupamentos humanos -- mas cujos ensinamentos já foram usados com sucesso em diversas ocasiões em agrupamentos maiores -- também são por vezes contraditórios, e parecem complexos à primeira vista (principalmente para quem foi educado sob um regime dominado por um sistema complexo). Mas, justamente por serem simples, tendem a ser uma explicação da Natureza humana, e não um combate da mesma. Suas contrariedades refletem contradições naturais, não são brechas para aproveitadores togados. "Um pássaro na mão vale mais do que dois voando", mas "Quem não arrisca não petisca" -- os dois ditados são válidos, mesmo sendo opostos, pois as circunstâncias variam.

Confúcio e Cristo têm em comum a suposta missão de "salvar o homem". Os taoístas dizem que não há do que salvá-lo, a não ser de sua própria procura por respostas. Quando uma pessoa reconhece que não tem as respostas -- e que elas talvez nem existam -- volta imediatamente a se ver livre das perguntas. Nas palavras de Lao Zi, "volta a ser criança". Pode assim conhecer os diferentes povos e ver neles as semelhanças antes das diferenças. Pode assim conviver em paz com o diferente dentro e fora de si, ainda que não precise, pois ama e é amado no próprio lar. É possível aprendermos a amar o distante, e não apenas o próximo. Basta lembrarmos que todos os animais já nascem com o instinto do amor, e que entre as espécies sociais, a violência tende a ser ritualizada e reduzida sem que ninguém precise enunciar regra alguma. Nas palavras do Dao De Jing: "O respeito à Natureza e o valor à Espontaneidade não vêm de uma ordem, mas se expressam naturalmente."

"Parem de pregar o amor, e o povo encontrará de novo o amor natural", ensinou Lao Zi, sem ser ouvido pelos pregadores do amor, esses destruidores do diferente, esses semeadores de desertos (já repararam como as bancadas religiosas do Congresso são muito parecidas com a bancada do agronegócio?).


"Encha o mundo de tabus e a pobreza se espalhará" - Dao De Jing 57

Minha conclusão é de que as regras servem para manter grandes desigualdades, não para reduzi-las.

Tuesday, January 19, 2016

Retrospectiva 2015

2015 chega ao fim, o que não quer dizer nada além de uma marca arbitrária no espaço-tempo. Mas se é hora de relembrar e fazer planos, que seja.

Aqui ainda é tarde alta, mas na casa dos meus pais será fim da tarde, a última tarde do ano. Horário meio melancólico, talvez eu devesse ter ligado mais cedo, em horário mais alegre. Será melhor ligar agora ou mais tarde, no ponto alto da noite? Tanto faz, provavelmente. Por que penso tanto? Porque me ensinaram que isso é bom? Mas nem tudo que é bom em certas doses será melhor em doses maiores. Parece que nada funciona assim. Bondade em excesso deixa os santos desconfiados. Paz em excesso é alienação. Amor em excesso é desespero. Então, pensar demais anestesia, adormece, nos afasta até de nós mesmos. Por isso talvez escolhemos outras formas de narcose, o vinho, os sonhos, a religião.

Por mais que tentemos falar de nós mesmos, acabamos falando dos outros. E quando tentamos falar dos outros, invariavelmente falamos de nós mesmos.

Mas o que aconteceu, então, de notável no ano que passou? Uma imagem ficou na minha mente: a Rede Globo, em jornal de grande audiência, comparando dois movimentos em favor do impeachment -- um no início, outro no final do ano. O primeiro, lotado, centenas de milhares de pessoas ocupando uma grande e famosa avenida no coração da direita nacional. O segundo, meses depois, mostrava apenas duas aglomerações, cada uma com uns poucos milhares, se tanto. Quando uma rede, que há muito se pauta pela parcialidade e por diversas formas de manipulação, de repente se mostra imparcial, ajudando a desmontar a própria rede de intrigas que ajudaram a construir, é claro que o santo desconfia. Os ratos também abandonam o navio que afunda. Por isso mesmo, num ano marcado pelo desconforto político, me pareceu um bom desfecho. Mas devemos já ficar otimistas?

As pessoas -- principalmente a mídia -- ainda falam no clima. Falam demais no clima. Parece que nunca falaram tanto. Mas não falam muito das causas maiores das mudanças, não só climáticas: desmatamento, espécies exóticas, superpopulação humana, cultivos insustentáveis e poluidores... está tudo errado, mas só falam em abstratas negociações entre homens engravatados, que sequer parecem viver dentro do clima das regiões que visitam... será que realmente se preocupam?

Este ano um acidente no coração da engrenagem brasileira teve os seus "15 minutos de fama": Mariana, Minas Gerais. O Golfo do México de 2015. Fukushima. Chernobyl. Só que pior. Os outros desastres tinham todos os aspectos da inevitabilidade. Este também? Ou, de fato, nenhum deles? Quem fiscalizava a empresa, afinal? A própria empresa? Provavelmente sim, a legislação ambiental vem sendo desmontada há anos. "É preciso", quando a galinha de ovos de ouro está pra morrer: matá-la logo. Por que nem o sistema de alarme funcionou? E por que a mídia brasileira fala de resíduos não tóxicos, enquanto a mídia estrangeira fala em resíduos tóxicos? Alguém falou que em 5 meses tudo estaria limpo novamente. Algumas fontes citaram 5 anos, o que parece mais realista (e ainda assim pouco). Mas a maior parte da mídia fez ctrl+c, ctrl+v no 5 meses. Acalmar os ânimos é a maior prioridade. Lao Zi diz que as armas da nação não devem ser mostradas ao povo, como o peixe não deve ser retirado do fundo. Aqui poluímos o fundo, matamos os peixes, e não deixamos de mostrar as armas da nação e toda a sua destruição, até mesmo na hora do almoço.

Alguns anos atrás a criação de rádios comunitárias era assunto de polícia (federal!), com acusações de formação de quadrilha, muita truculência e uma morosidade histórica na concessão de licenças, mesmo longe de aeroportos. Então foi feita uma legislação sobre o assunto, que legalizava as rádios comunitárias, desde que fora do dial. Isso mesmo, a faixa autorizada estava alguns MHz à esquerda da posição onde o ponteiro (analógico ou digital) alcança. Por que uma mão tão pesada sobre a comunicação? Hoje a rádio comunitária é um alto-falante de feira. Para quem esperava carros voadores e internet para o século XXI, o primeiro ainda é um sonho (ou pesadelo?), o segundo por enquanto resiste em liberdade.

Na TV, um cenário parecido (ou pior?). Quando a TV foi criada, era como o telefone: o emissor e o receptor custavam o mesmo. A diferença estava numa antena poderosa o bastante (e não cabos), para que um pastor pudesse ordenhar imageticamente um rebanho de milhares, de milhões de ovelhas-primatas, cujo cérebro sensitivo parece depositar suas maiores energias na visão, como nos outros primatas. Assim, a TV desbancou a fogueira como centro de atenções da família que se reúne no aconchego da noite. E, como nas rádios comunitárias, uma mão pesada também decide os níveis aceitáveis de democracia comunicativa: níveis muito baixos. A TV aberta é dividida entre VHF e UHF, tendo a primeira cerca de 15 canais, e a segunda mais de 100, dentro da faixa especificada na legislação. Ora, se temos cerca de 150 canais disponíveis, por que a maioria das cidades tem apenas cerca de 15 canais em funcionamento? Onde está a diversidade de pontos de vista? Ora, diversidade de pontos de vista nunca foi o forte de nenhuma civilização monolítica como as civilizações monoteístas. A pluralidade defendida pelos teóricos do posmodernismo não passa de uma bravata: ao recusar a maior veracidade de certos pontos de vista sobre terceiros, a consequência lógica é um imenso "tanto faz", onde vencem os antigos detentores do poder, que sem a devida regulação, aumentam cada ano mais a extensão de sua rede de influência. Basta lembrar como mesmo a TV a cabo era bem mais diversificada do que hoje (em termos de país de origem dos canais disponíveis).

As perspectivas de curto prazo, os "gráficos históricos" de curta duração, todos fazem parecer que tudo vai como sempre foi, ou até melhor, ou talvez um pouco pior. O que não permitem é uma perspectiva realista do ritmo com que estamos destruindo vários tipos de diversidade de forma catastrófica. Como já dito, o importante é não despertar a comoção popular. Sabem que pisam em ovos.

No cenário internacional, a China se tornou líder econômico mundial, segundo o PIB e talvez o comércio internacional, abriu bancos internacionais de desenvolvimento para competir com Banco Mundial e FMIs da vida, e modificou a cotação da sua moeda de forma a inclui-la entre as grandes moedas de negociação global. Tudo isso nos últimos anos. O Ocidente está um pouco assustado. Por outro lado, o chamado "Estado Islâmico" tem tirado o sono de outros tantos. Sem saber bem com o que estamos lidando, as antigas opiniões sobre muçulmanos radicais e homens bomba agora se somam a um fluxo ininterrupto de imagens de barbárie, assassinatos crueis e decapitações. Multidões oprimidas em suas áreas de origem fogem para a decadente Europa, apenas para serem rejeitadas por um povo cada vez mais assustado. Mortes no mar se somam à torrente de imagens que marcarão gerações. A reação das forças imperialistas é previsível: aumentar a austeridade, aumentar a violência policial, conduzir políticos carismáticos e genocidas à chave das bombas.

Ou talvez nada disso seja mais necessário: a força foi necessária para conter revolucionários até meados do século XX. Então a própria razão da sua fé começou a ser atacada: a lógica que contrapõe revolucionários e reacionários, a lógica que conta a história como um movimento biológico de organismos reais. Essa lógica "materialista" não foi necessariamente atacada, mas submersa num oceano de pseudo-diversidade de pontos de vista, onde qualquer ponto de vista é válido, onde "não existe verdade", onde o ruído é maior que o sinal. Em meio à balbúrdia e à desinformação, os impérios continuam mudando de forma e se aglomerando, se reconstruindo e se fortalecendo. A pseudo-diversa internet é dominada por poucas empresas. Quem quer desenvolver neste ambiente está preso a umas poucas linguagens, html, php, javascript, css... Tem muita gente achando que o Facebook É A Internet. E a maioria dos jornais continua não colocando links para aquilo que citam. Apesar de terrivelmente subutilizada, toda a rede é ainda observada pelos novos profetas, pelos novos oráculos, pelos novos sacerdotes: os ocultos mestres da tecnologia da informação, os líderes mundiais da segurança de redes, alguém sabe quem são?

Em 2016, muito provavelmente nada disso melhorará. Pelo contrário. Então, olhemos para dentro e perguntemos: o que podemos fazer para NOS melhorar?