Monday, April 17, 2006

A lista ideal de músicas para atravessar uma madrugada.

Dogs - Pink Floyd. Guitarras agudas, uivos, a noite e seus cachorros. Em 2004, eu ia pela rua de terra ao lado da minha casa até a praia em duzentos passos. No caminho, a ininterrupta floresta, cortada apenas por uma estrada, a estender-se dias e dias até a Venezuela. No caminho, as palmeiras e cipós, passarinhos. No caminho terra, floresta, umidade e sombra. Na praia água, ondas e a música da noite, o resplendor do dia. Na noite cansada as pessoas se retiravam e se escondiam, mas ninguém ia ainda dormir, não quando a lua pulsava seu brilho sobre as águas do rio Negro, esquecida em mistério, encantadora dos jovens de espírito; ou mesmo quando estava escuro, e apenas a luz das estrelas e a grande mancha branca da via láctea contrastava com os corpos escuros e perfumados, com a solidão do escuro. Ali não. Uivos. Pigs. Os porcos do Pink Floyd tingem a noite gabrielense de cores infernais. A tempestade de guitarras uivantes, entremeadas à voz por instrumentos sintéticos (que porra é aquela?) é pra mim um dos pontos altos do Animals. A lua em seu brilho, ou na sua ausência o mapa completo das estrelas, alumeia o corpo formoso e moreno que chega desavisado em uma janela. As outras estão fechadas, mas aquela não. Ali uma alma tranquila espera que sobre si chovam favores. Um rapaz se aproxima e chama, primeiro com cuidado, depois mais alto. Logo abaixo uma cama e um corpo inconsciente. Tenta acordá-lo, mas em vão. O som ligado toca uma música boa. Para não chamar os vizinhos, decidi ir embora, mas quando vira e dá três passos ouve um chamado na janela. Psst! Sorrisos. Suores. As pernas tremem. Ele volta e pula na cama. Ao som de guitarras furiosas dois homens se abraçam, duas vidas se cruzam (e depois naturalmente se separam). Mas aquele choque, aquela brisa, a temperatura exata do ponto em que seus corpos se tocavam, tudo ficará impresso em algum lugar, guardado no tecido dos eventos que acontecem no universo desconhecido.

Mozart - Requiem (ao amanhecer)

Depois da noite mais louca, regada à maior quantidade de álcoois e perfumes, logo antes do sol começar a queimar e ofuscar o horizonte, nós queríamos mais. As primeiras notas do Requiem de Mozart eram a manhã chegando no horizonte, cada estrela se apagando era uma nova nota da sublime sinfonia. Os coros dos tenores e barítonos formavam com as revoadas dos primeiros pássaros a mais bela alvorada. Na piscina, molhados e radiantes, nossos ânimos retornavam à infância. Somos puro instinto no clarear, crianças divinas abençoadas pelas mortes dos ancestrais e pelos violinos de Mozart. Continuamos bebendo e comendo e falando e rindo, até o amanhecer, quando finalmente dormimos, depois de mais uma epopéia de suor e gozo.

Summer '68 - Allan's Psychedelic Breakfast

Noutra noite eram as tábuas da minha casa, o quintal do lado, um lote vago. No escuro das horas minha rede balançava em silêncio, eu via as estrelas pela janela alta, entre os tijolos a menos de uma parede incompleta no que viria a ser a casa ao lado. Alguns ruídos, sapos, pererecas, grilos, gatos e outras criaturas da noite. No meu colo um caderno e um lápis, meus companheiros de quarto, junto com a rede e o pequeno aparelho de som que consegui emprestado. Na cozinha, duas portas adiante tanto pela direita como pela esquerda (e acabou-se a casa, fora o banheiro), eu tenho um garrafão de água pela metade, uma garrafa de cinco litros com tampa e um copo, mais bucha e sabão. É a segunda noite na casa, meu primeiro lar como um adulto emancipado.

1 Comments:

At 11:09 PM , Blogger PAF said...

Rodrigo,
Escreví sobre Dogs. Dá uma olhadinha lá.
Grande abraço.

 

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