Thursday, January 13, 2011

A repartição que falta

Sonho que faço parte do departamento de medida da felicidade humana. A metodologia está no olhar, na audição, no olfato. Dizem que é possível saber pelo cheiro do suor se uma pessoa sentiu medo ou achou graça. Cães são peritos nisso. A melhor maneira de enganar um cão desconfiado é fingir-se parte da família. Aja como se o animal fosse seu subordinado, ainda que não se conheçam. Ele poderá parar ao seu lado e ficar latindo, mas não passará disso. Mas eu falava da felicidade humana. Podemos enganar um cachorro, mas não um perito do departamento de felicidade. A contração dos músculos faciais que mostram felicidade ou tristeza é involuntária. No meu sonho eu analiso a expressão de faces captadas em câmeras escondidas nas ruas, nos supermercados, nos bancos. Aquele senhor passa com a testa enrugada, está preocupado. Aquela menina passa olhando para cima, mas sem focar o olhar, está otimista. Aquele outro não encara os outros nos olhos, não se sente confiante. Quando eu estudava macacos eu anotava o tempo que cada membro do bando passava em cada atividade: comer, brincar, lutar, descansar, catar piolhos e assim por diante. Nós, humanos, gastamos nosso tempo nos arrumando, transportando, trabalhando, comendo, conversando, brincando ou brigando, insistindo, sonhando ou desistindo, bebendo, lendo, escrevendo, imitando alguém, etc. Há momentos de concentração, quando algo precisa sair bem feito, e há os momentos de descontração, que é o que vale a pena viver. Na era das máquinas, meu departamento está chegando à conclusão que passamos mais tempo concentrados, incomodados, apressados, desconfiados ou amedrontados do que antes. Isso é visível na expressão das pessoas. Caminho por uma hora em João Pessoa e vejo poucas faces sorridentes, caminho por uma hora em Manaus e vejo multidões descontraídas. Se o instinto social for a expressão máxima de felicidade (e o departamento tende a acreditar que sim), então Manaus tem a maior felicidade per capita do Brasil. Lá as pessoas são abertas, expansivas. Nas festas todos interagem fácil, puxam conversa, misturam-se. Em João Pessoa os grupos são fechados, não se misturam, não se permitem. Os homossexuais em Manaus fazem o que querem, se travestem, se pintam, falam alto, reclamam da vida, brigam e amam. Em João Pessoa, casam-se com pessoas do sexo oposto para manter as aparências. Meu departamento ainda tem muito trabalho pela frente. Não basta medir a felicidade alheia, precisamos agora entender por que em alguns lugares a felicidade é uma iguaria tão rara.

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