Thursday, May 17, 2007

1997-2007: Dez anos de sexo, drogas e roquenrol

A memória é uma faca de quatro gumes afiados. Lembra-nos certas coisas úteis, mas mantém um acervo de preciosidades inúteis. Esquece alguns detalhes incômodos, medos, perdas e fracassos, mas em sua roleta do esquecimento acaba jogando fora também pérolas passadas que, tivéssemos controle absoluto sobre os demônios de nossas mentes, preferiríamos manter.

Há dez anos eu começava a beber e aprendia a fumar, embora não tenha deixado o cabelo crescer. Muito. Há dez anos eu conheci o primeiro amor, que por capricho do destino não deu certo. Tivesse dado, e o que teriam sido esses dez anos? Andei, como andei. Sem rumo, propriamente dito, apenas uma impressão sobre o vento, que sempre admirei seguir. E se... eu não tivesse bebido, ou fumado, ou me perdido e me achado em tantas reentrâncias do mundo, onde estaria agora? E como? Tenho um amigo que se casou com a menina que já namorava muito antes daquela época. Não bebiam nem fumavam. Creio que se conheceram por volta de 1992. Quinze anos com a primeira namorada, e recebo, tanto tempo depois, um convite para o casamento na outra metade do país. Sim, era um grande amigo, e talvez seja o melhor esboço do que eu seria caso minha história tivesse sido essa outra. Monogamia, estabilidade, tradição, todos valores que eu vinha desprezando, dos quais me afastei como o andarilho que caminha sem rumo atrás de um ideal de que já não se lembra mais. Ideal? Um céu estrelado, uma praia de rio, nada demais. Ou talvez seja só o caminhar, como nesse poema supostamente escrito por um marginal de sangue índio, com o qual me identifico:


"Existe uma raça de homens que não se adapta,
Uma raça incapaz de sossegar;
Por isso partem os corações de amigos e parentes;
E andam pelo mundo afora ao deus-dará.

Atravessam os campos e as enchentes,
E sobem à crista das montanhas;
Neles atua a maldição do sangue cigano,
E não sabem como descansar.

Se andassem em linha reta podiam chegar longe;
São fortes e destemidos e sinceros;
Mas estão sempre cansados do que existe,
E desejam o estranho e o novo."



Assim, acho que um número redondo como 10 é uma boa marca para uma nova mudança, uma tentativa de buscar algo ainda mais novo.

Quando comecei esse blog, tinha claro que sexo é muito bom, e drogas também. Drogas são todas essas coisas que assimilamos para tentar encher o vazio da vida. Não o enchemos, evidentemente, mas as drogas nos ajudam a seguir em frente, embora tudo isso tenha seu preço. Drogas, é bom explicar mais uma vez, não são apenas as drogas ilícitas, maconha, ecstasy, LSD, Psilocybe, Ketamina, cocaína, heroína, paricá, etc. (das quais não cheguei a experimentar todas, mas não direi quais). Também são drogas o cigarro, a cerveja, a televisão, a música, a leitura, o trabalho, a fé, os remédios, tudo que supre certas deficiências nossas e nos ajuda a viver, mas que, por outro lado, nos obriga a deixar para trás as alternativas - tudo que faríamos, e que poderia ser bom ou ruim, caso não nos preocupássemos em preencher nosso vazio daquela maneira.

Já o rock and roll, bem, rock and roll will never die! É um estilo de vida e pensamento, liberdade, independência, dizer não às hipocrisias da sociedade e à alienação. Já é alguma coisa.

Agora, o que percebo é que nem todo rock and roll é rock and roll propriamente dito. Tem muito rock por aí que vive apenas de usar drogas para afirmar uma identidade que não saberia se afirmar de outra maneira. E é difícil abandonar um hábito arraigado, ainda que se afirme que não vicia, que não faz mal, etc. Tem muito rock aí que acha lindo, da boca pra fora, ser contra o sistema, ser revolucionário, "meus heróis morreram de overdose" - foi o hino de uma geração, e ainda é de muitos de nós. Aqui em Manaus ouvi uma banda, certa vez, que cantava algo como "seus heróis morreram de overdose, seus heróis já eram, olhe em volta, o mundo gira, o mundo é novo, e falta tanto por fazer".

Meus heróis agora são outros. Como Thoreau, que já nutria o espírito rock and roll muito antes do rock nascer. Ou como Jesus, que muito antes já era revolucionário, e é mesmo uma pena que os ditos cristãos de hoje não tenham aprendido sua mensagem. Confúcio, ainda antes, já disse o básico: viva e deixe viver.

Nos últimos anos me embrenhei nas selvas burocráticas da conservação da natureza. Que infame! Trata-se de permitir que o governo compre, a cada contracheque, nossa alma e esperança; de servir ao sistema que desmata e corrompe, multando um e outro miserável em troca da paz de consciência, deixando o trem desgovernado seguir em frente, em silêncio respeitoso pela tradição, entre jogos de interesse, sede de poder, ganância, intrigas, troca de favores e de posições, e nada mais.

Estou convicto de que não há conservação possível sem uma mudança global de consciência. Unidades de conservação, uma aqui, a outra ali, pode ter funcionado na Mata Atlântica e no Cerrado, mas não acho que funcionará na Amazônia, essa deusa verde que me alimentou por alguns anos, apenas o suficiente para me tornar seu súdito e admirador. Pelo simples fato que o desmatamento diminuirá a umidade que vem da própria floresta - ao contrário das matas litorâneas que recebem a chuva do mar. E nessa sede de progresso e modernidade, de eletrônicos e descartáveis, apenas posso dar o exemplo que Thoreau deu 150 anos atrás, quando se mudou para uma cabana no meio do mato, para mostrar o que realmente importa. Leia Walden, se puder (Walden ou A vida nos bosques, de Henry David Thoreau), e me diga se a mensagem jamais foi tão atual. Isto é, se você não estiver ocupado demais servindo ao sistema.

A lógica do ódio e da competição já está escrita no sistema natural dos animais, embora a cooperação também esteja. O que torna nosso mundo injusto, e que acende algum ideal pelo qual vale a pena lutar, é que o animal, hoje, é dono do mundo, e não apenas de seu território de caça. Dizer não ao grande, às megacorporações, aos governos, legisladores, juízes e policiais corruptos, à propriedade da informação, ao espetáculo da mídia, ao egoísmo capitalista, é dizer sim aos pequenos, à diversidade e àqueles que não tinham voz para contar sua história. Há uma longa fila de histórias por serem ouvidas, e a Internet torna isso possível pela primeira vez na história humana. Ouçamos, então.

Mas não aqui. Que este blog recebe seu último ponto final.

4 Comments:

At 11:54 PM , Anonymous Anonymous said...

Ponto final?
Que pena!
Adoro você, Rodrigo!
Reapareça em outras bandas, então, e mande aviso!
Grande abraço, e já com saudades!
Marco

 
At 11:48 PM , Blogger Rafa Pros said...

clap clap clap.
Fazer essa longa fila e suas histórias ressonar na pequeneza das mesmas histórias mediocres que repassam nas varias sessões da tarde e vale a pena ver de novo da vida.
e só isso.

 
At 3:51 PM , Anonymous Anonymous said...

Não entendi Rafa, o que você quis dizer. Só isso no sentido de quê? De que eu poderia fazer mais? Num blog como esse? Explica aí!

Pode deixar Marco, quando começar outro blog eu te aviso, aqui mesmo.

 
At 12:43 AM , Anonymous Anonymous said...

Encontrei esse blog hoje...
me perdi um pouco aqui, ainda bem q esse não foi o ponto final. O que aconteceu com os posts de 1997?

 

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