Thursday, May 10, 2007

Ciência e Política

"Corremos despreocupados para o precipício depois de haver colocado alguma coisa diante de nós para impedir que o vejamos."
- Pascal, Pensamentos, 166 (183)

Hoje é mais fácil convencer um crente da iminência do colapso ambiental - ou melhor, da nossa caminhada lenta e progressiva para um futuro apocalíptico - do que tentar convencer disso um não-crente.

Nunca houve tantos não-crentes. Ateus, agnósticos, livres-pensadores. Nem nunca houve tantos especialistas, gente formada, explicada, entendida dos assuntos do mundo - pelo menos da sua área.

Nunca o meio ambiente esteve tão prejudicado. Faça o teste com sua família, seus amigos: qual é o maior problema atual? Violência, dirão uns; desemprego, dirão outros. Uma coisa causa a outra, mas qual é a causa primeira? Dirão uns. Qual a principal, maior, etc?

O problema hoje é o problema moderno.
A sociedade veste uma roupa moderna e passa a pensar que é uma novidade no mundo. Sim, a violência é uma questão premente, mas o que a causa? Desemprego, injustiça, políticas inadequadas, corrupção. Acho que a corrupção é o maior empecilho ao nosso país. Educação é a palavra certa, mas qual? Que tipo de educação? Educarmo-nos para sermos modernos?
A ciência progride,
a cultura anda em círculos.
A própria educação vai e vem, conforme a ciência e a cultura de seu tempo. Portanto, tudo o que não se acumula é reversível; o que se acumula, como o conhecimento e a biodiversidade, é irrecuperável.

Parte do conhecimento é cultura, logo parte dele pode ser reconstruído. A biodiversidade não.
A diversidade genética, morfológica, bioquímica, ecológica, filogenética, comportamental... tudo isso, uma vez perdido, não tem volta.
O mundo pode ter um fim como o da Babilônia. Mas se sobrarem pessoas, elas terão tempo para reerguer suas letras e confortos; no entanto, ninguém será tão rico quanto éramos antes, quando ainda havia (um dia escreverão haveria) nomes para coisas que existiam.

Edward Wilson, que já foi chamado de "papa da biodiversidade", ou talvez tenha sido Stephen Jay Gould, o grande paleontólogo e divulgador da ciência, quem disse que atravessamos a sexta extinção. Não interessa o número exato.
Há 65 milhões de anos, aproximadamente, parece que um meteorito descomunal caiu, depositando uma camada única de metais raros nos extratos geológicos dessa idade, em vários locais do planeta, separando a fauna fóssil entre animais grandes e pequenos: fósseis de répteis gigantescos dominam as rochas mais antigas, no lado da faixa conhecido como Mesozóico. O lado mais recente da faixa, chamado de Terciário, permanece ocupado por fósseis de pequenos animais (entre eles os mamíferos e aves que deram origem à grande diversidade de espécies que esses grupos apresentam hoje).

Muito antes disso, por volta de 250 MA atrás, desapareciam do registro geológico os fósseis de cerca de 90%¨das famílias de animais conhecidas da época. Tratava-se da maior extinção de animais conhecida até então.

As eras e os períodos geológicos são marcados por esse tipo de catástrofe; palavra que, colocada no contexto adequado, quer dizer apenas... mudança.

Como disse, somos responsáveis pela sexta mudança, a sexta grande extinção de animais desde sua - nossa - origem como tais, há +/- 650 MA. Que fosse a décima ou centésima - não só pelo fato de sermos animais, mas também por comê-los, por comer as plantas que eles polinizam e dispersam, e por aproveitar deles todos, animais, plantas e microrganismos, cada vez mais remédios, fibras, combutíveis e todo tipo de substâncias químicas usadas para os mais diversos fins - é uma ignorância terrível darmos fim a tudo isso ao cabo de uma guerra injusta, cega e desprevenida pelos que engolem a cada dia outra dose, outro gole do mesmo veneno seco.

E, depois, chamam quem quer mudar de "radical".

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Como convencer as pessoas da necessidade de mudarmos?
Como disse, estamos já na sexta mudança. Talvez sobrevivamos.
A política é a única religião que não requer fé.
No entanto, a verdadeira política requer vontade, atitude e direção.
A vontade sozinha transforma-se em idealismo débil e sonhador;
a atitude apenas é rebeldia sem intuito,
e a direção é a única conseqüência possível para a inteligência;
é, certamente, a mais digna.

***

A questão ambiental não é nada além da velha luta de classes, marxismo.
Quem tem e aproveita não aprendeu a pensar no futuro.
Quem não tem aprende, com pesar, a pensar nos outros.
Ambientalismo é pensar nos outros.
Quem tem, hoje, lazer e distração não quer perder isso.
Não passa de um chiste dizer que ninguém quer perder o que tem; justo quem mais tem é quem mais se importa em perder.
Quem não tem, por outro lado, temerá o quê? Salvo os que ainda têm um pouco.

A diversão é a única coisa que torna a vida tolerável. Sim, diversão é solução pra mim. Futebol, carnaval. Mas os ricos têm ainda praia, piscina, clube; têm parques, camping, trekking e esportes radicais.
Sejamos francos: nosso passado rural era mais democrático ao menos no quesito lazer. Um lago, uma pescaria. Hoje o lazer é pros poucos que podem pagar; as balas, para os que sobram.

O que é conservar a natureza? É manter a qualidade de vida dos que não podem pagar pra viajar, pra comprar e manter cota de clube, ir pra praia, cachoeira...

Vivemos num ciclo vicioso de pobreza, urbanização e perda do acesso à natureza. O meio urbano é um ser vivo - possui a rara capacidade de se replicar e se perpetuar. Dentre aqueles que se mudam do campo para a cidade, ou das cidades menores para as maiores, poucos querem voltar.
O cidadão urbano quer geralmente cimentar o quintal, pois odeia terra; derruba árvores.
E as crianças que crescem aí têm nojo de tudo que se mexe, ou voa, e não pode ser identificado - qualquer besouro ou mariposa - criaturas inofensivas e belas.
Essas crianças vão pouco ao campo, à natureza, e não têm a perspicácia de se virarem ali; por conseguinte, não gostam. A maioria deles viverá o resto de suas vidas dependendo da tecnologia e do meio urbano, e passarão esse traço adquirido, ironicamente lamarckiano, para os seus descendentes. É a cultura lamarckiana vencendo a luta contra a natureza darwiniana.

Não que a cultura não seja também darwiniana; é. Afinal, é mais forte e está vencendo. Darwiniana, lamarckiana e marxiana; o que fazer contra tanto ímpeto, tanta razão? O que a natureza sempre fez: guerra.

Pode ser uma guerra perdida, mas quanto a isso sou espartano.

Felizmente, não se trata de uma guerra onde ou se ganha ou se perde.

A política é uma guerra mais sutil; não é categórica, mas contínua.
O que é ruim pode melhorar,
o que é bom, piorar.

A guerra convencional se dá por genocídio e estupros: cópia e eliminação de genes.
A política, seja boa ou ruim, é cópia e eliminação de idéias, de signos; para usar um termo caro a Richard Dawkins, de memes (e também de genes!).

Uma idéia pode mudar vidas. Isso para mim basta.

Só Deus pode salvar o mundo: - não há aqui contradição, visto que não existem nem Deus nem salvação - são apenas outros memes a nos confundir. Há várias coisas que poderiam receber esses nomes, mas prefiro acreditar mais em coisas palpáveis, das quais é impossível duvidar: pessoas, trabalho, exemplo, motivação, atitude e caráter são bons exemplos.

Acima disso resta a metafísica, e talvez tenhamos tempo para ela depois que fizermos nossa parte na defesa do único lar que temos como espécie.

Por quanto tempo?

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