Tuesday, June 20, 2006

Aristóteles e os 27 (um ensaio pessimista)

Janis Joplin e Jimi Hendrix morreram na cabalística idade de 27 anos. O que trouxeram ao mundo? Arte. Aristóteles morreu bem mais tarde, e o que trouxe ele ao mundo? Ciência.

Arte e ciência são igualmente importantes ao desenvolvimento humano (na mesma medida em que a religião institucionalizada é nociva). Mas como se sentiam, psicologicamente, Aristóteles, Janis Joplin e Jimi Hendrix a essa mesma fatídica idade?

Fato 1: JJ e JH estavam no auge da fama. Não li a biografia de Aristóteles, mas aos 27 este devia ser apenas um cara inteligente. Talvez folgado, talvez arrogante, talvez sensível, talvez delicado, talvez irritadiço e brigão, talvez inconseqüente, talvez um chato.

Fato 2: A Senhorita Blues e o Senhor Guitarra certamente não possuíam a mesma carga cultural do famigerado Senhor Filósofo, o que inclusive, provavelmente, não se deveria esperar de nenhuma estrela do rock. Por quê? você pergunta; apenas porque a inteligência, digo: a cultura em demasia refrea as paixões, tão necessárias à boa arte. O acúmulo de conhecimento filosófico parece indissociável de um acúmulo semelhante de conhecimento psicológico; e todo psicólogo não sente apenas. Sente e analisa. Para analisar, precisa raciocinar; e o raciocínio, enquanto esporte inicial, viciosamente se transforma num hábito corriqueiro, acompanha as emoções mesmo contra a vontade, reluta em abondonar seu mestre (ou escravo?), infiltra os instantes sublimes, que apenas a emoção deveria ter acesso, de uma forma que a maioria dos cidadãos conscientes, não psicólogos, medianamente racionais, dificilmente poderia compreender. Em outras palavras, o psicólogo dificilmente compartilha da "aura" de alegria comunal, de êxtase coletivo de um grupo de amigos, que é o ápice da vida mental de uma multidão, porque está ocupado pensando, analisando.

O que o psicólogo faz? Busca entendar as razões do comportamento. Acima da razão, seus deuses orientam-no a buscar sempre o cerne do indivíduo, do ato, do desejo, do ser; algo que os deuses não sem motivo ocultaram ao homem. (O chamado auto-engano, título de um livro onde o belo-horizontino Eduardo Gianneti trata do assunto com maestria).

Então, como seria Aristóteles aos 27 anos de idade? Imagino um indivíduo inteligente, competente, trabalhador, curioso e investigador. Resta saber como eram seus contemporâneos e amigos. Digo isso porque uma pessoa inteligente precisa de amigos inteligentes; talvez não haja miséria maior que uma inteligência isolada em meio à ignorância. A inteligência busca compreender o mundo. Compreender para mudá-lo. A ignorância apenas teme. Um ditado chinês diz que o cão não late por valentia, mas por medo. Assim age o ignorante. A burrice, a falta de cultura, a falta de interesse e de instrução condenam o indivíduo a temer o mundo. Condenam-no a, no máximo de sua coragem, apenas pretender assistir ao que se passa, ao que fazem as raposas em seu quintal, protestando não contra a raiz dos problemas (quando muito), mas contra o que é diferente, apenas.

É preciso inteligência para mudar o mundo, como foi necessária coragem e sabedoria para dominar a natureza, vencer os climas e os inimigos, dominar os continentes, e, finalmente, hoje ter registrada a história (e os costumes, religiões, etc) nas mãos dos povos que melhor se saíram nesse esporte.

Hoje, infelizmente, assisto ao contrário. Nos meios "intelectuais", nas universidades, apenas vejo jovens trêmulos, que preferem aproveitar a data, a brisa da semana, que encarar de frente uma mudança, o futuro em branco, ideais, qualquer coisa que valha um sonho, uma esperança. Penso se a mídia, a sociedade do consumo, o pesadelo urbano, poluído e violento, terão solução ou alternativas, mas em meu país os jovens que poderiam nos salvar do pesadelo só têm atenção para seus namoros, semanais ou não. A nova geração de cientistas, estudiosos, pessoas dotadas (e cultivadas) a apresentar um espírito crítico, inquisidor, revolucionário - no bom ou mau sentido da palavra - apenas reclamam seus cotidianos, choram sonhos mesquinhos acumulados, proferem críticas vazias e esperanças medíocres; sem nem ao menos comparar seus sonhos e dores com os da grande massa da população, tão mais maltratada. Talvez eu esteja errado, mas tenho a impressão de que o mundo globalizado é uma armadilha da qual talvez a humanidade jamais escape, e mesmo sendo todos capazes de assistir a esse curioso e doloroso fenômeno, ficaremos sentados de mãos vazias, com o estômago embrulhado, duvidosos entre a descrença e o arrependimento; mas aí já terá sido tarde demais...

5 Comments:

At 6:30 AM , Blogger Prós said...

Discordo veementemente do argumento: "a cultura em demasia refrea as paixões". Acho que mesmo Freud tinha seus momentos de relaxamento em meio aos amigos onde esquecia-se que era psicólogo e analista das relações humanas. E mesmo o pinguço do bar da esquina, por outro lado, também por vezes analisa o comportamento humano.
Discordo que os tempos também não sejam propícios para o pensamento crítico. Sempre houveram os que reclamavam, mas estes não deixaram marcas na história.

 
At 7:35 PM , Blogger Rodrigo said...

Acho, aliás, sinto que o riso e a descontração inocente com os amigos é bem mais comum e fácil entre os "ignorantes". Ou seja, Freud se divertia, mas nem tanto (como Einstein não tinha uma "turma de chegados" - leia a biografia dele -, ou Nietzsche, que enlouqueceu depois da solidão, e provavelmente Aristóteles também). E o bêbado analisa por hobby, não se viciou nisso.

Ainda, imagino os poucos graduados de antigamente bem mais interessados em política do que hoje, mas realmente pode ser só efeito da perspectiva. De qualquer forma, acho uma pena que justo os biólogos - os mais aptos a conhecer a extensão dos males ambientais; justo os males mais irreversíveis e de que mais nos arrependeremos no futuro - são os biólogos os que menos se preocupam em mudar qualquer coisa que seja. E isso definitivamente me entristece.

 
At 9:00 PM , Blogger Rafa Pros said...

Antes de tudo muito foda, esse texto me pegou aqui em plena Morada Nova de Minas, vislumbrando meu futuro sombrio de "sentar com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar"...
Então essa sua reflexão valeu o dia!
Antes de tudo sei lá se a cultura refreias as paixões, acho que sim, porque, com a reflexão, o raciocinio, cria-se mecanismos de avaliação das ações, que passam por esferas muitas vezes sem sentido. Uma boa ação? Uma ação verdadeira? Uma ação só minha? Algo para mudar a face do mundo?

Mas a própria reflexão pode chegar a conclusão, de que só presta o ato desmedido, insano, apaixonado (teria aí vez o palhaço, ou o mal ator, mas não importa..)
Acho que pensar o grande artista é algo tão complicado, porque cria-se uma "aurea comunitária, coletiva" em torno do sujeito que as vezes tá só ali, brincando com sua guitarra. Há todo um circuito capitalistico, marketeiro ao redor...
E com todo o pessimismo nietzcheano, as vezes sinto que logo lançarão um livro de auto ajuda.."Nietzsche o maior psicólogo de todos os tempos", com frases do tipo: "O que não mata fortalece". Tipo vai se fuder, Nietzsche tá lá na lama, e tem que ficar la mesmo!

ADOREI ESSA PASSAGEM:
"e todo psicólogo não sente apenas. Sente e analisa. Para analisar, precisa raciocinar; e o raciocínio, enquanto esporte inicial, viciosamente se transforma num hábito corriqueiro, acompanha as emoções mesmo contra a vontade, reluta em abondonar seu mestre (ou escravo?), infiltra os instantes sublimes, que apenas a emoção deveria ter acesso, de uma forma que a maioria dos cidadãos conscientes, não psicólogos, medianamente racionais, dificilmente poderia compreender. Em outras palavras, o psicólogo dificilmente compartilha da "aura" de alegria comunal, de êxtase coletivo de um grupo de amigos, que é o ápice da vida mental de uma multidão, porque está ocupado pensando, analisando."

Acho que é isso aí mesmo, mas que não se precisa ser psicólogo (pelo não se precisa ter carteirinha do CRP..tenho certeza que os dois cavalheiros acima também procedem dessa forma). Acho que o principal é a questão da ação reflexiva..de jogar toda ação humana num continuum de ações catalogadas dentro do dicionário da nossa cabeça. Portanto, muito mais filosofo do que psicólogo.
Bom, sei lá também!
rafael

 
At 4:01 AM , Anonymous Anonymous said...

Valeu, Rafa.
A diferença de quem não analisa é que este já comete o ato desmedido, insano e apaixonado logo de cara.

Mas por que Nietzsche tá na lama? Como ousam?!! hehehe. Já não tem aquele livro "O dia em que Nietzsche chorou" - me parece que é auto-ajuda...

Pra terminar, não acho que um psicólogo precise de CRP como um jornalista não precisa ser formado em jornalismo e etc etc. O mesmo para o filósofo, e pra mim todo filósofo de verdade é entre várias outras coisas um psicólogo (mas não necessariamente o contrário).

Falou!

 
At 10:05 PM , Blogger Rafa Pros said...

Bom Nietzsche tá na lama, porque ele inventou a lama... é o próprio fracassado (no bom sentido, do que fracassa porque olha pra frente) escrevendo "porque sou tão foda".."porque sou tão perspicaz".."porque sou mais inteligente que todo mundo" e bla bla bla...
É o próprio ressentido falando contra o ressentimento...o maior palhaço de todos...Mas não to criticando não...muito pelo contrário...é preciso ler Nietzsche, discutir nietzsche, criticar e tal, e não só se deleitar com as frases fodas, cataclismáticas, retumbantes...

 

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