Friday, July 28, 2006

Por uma ciência da compreensão

Pode ser vazio o desejo mais sincero e mais profundo de um indivíduo? Pode ser falsa a verdade mais íntima de uma consciência questionadora? Mas, se cada verdade íntima por vezes cai em contradição com as demais, daí não resultaria um relativismo no Universo? Não seria então tudo parcial e arbitrário? Não se tornaria todo o edifício científico um tolo consenso de opiniões, desvinculado de qualquer coisa que se pudesse chamar Realidade ou Verdade Objetiva dos Fatos? Existiu alguma vez tal Realidade única, ainda que encoberta por mil véus da nossa ignorância?

Penso que se não houvesse uma Realidade objetiva, única, não teria sido iniciado, em primeiro lugar, esse projeto mundial chamado Ciência. Mas como se entende mal o que é a ciência. Mesmo entre cientistas é comum encontrar quem desconheça as raízes e o significado do pensamento científico, e ainda assim o aplique cotidianamente em seu trabalho, como faria um cozinheiro que jamais criou uma receita, mas apenas repete os passos de um protocolo descrito em detalhes em livros antigos.

A ciência busca padrões inteligíveis no que parece desordem. Padrões que qualquer pessoa pode perceber, independente de sexo, etnia, preferências políticas ou ideológicas, língua, religião ou qualquer outra idiossincrasia imaginável. A ciência busca purificar a Realidade, retirar dela as realidades particulares dos que observam os fatos, transformando o que sobra em leis naturais - leis descritas por uma linguagem humana imperfeita, mas que estariam aqui mesmo que nós não estivéssemos e que permanecerão eras e eras após estarmos extintos.

O que a ciência tem de mais maravilhoso - e de mais temível, para alguns - é a sua capacidade de nos impressionar com as evidências de nossa pequenez, de nossa insignificância perante o Cosmos. Vistas por essa perspectiva, nossas verdades íntimas, tão caras aos nossos egocêntricos Eus, não passam de um detalhe irrelevante ao universo, tão casual e indiferente como o formato específico do bico de cada pato, ou a forma exata de cada folha de cada árvore numa grande floresta. Nossas verdades pessoais que consideramos tão dignas, tão nobres, e pelas quais muitos matam e morrem, são tão (in)úteis ao todo como, digamos, a velocidade com que crescem nossas unhas.

Mas não quero roubar de ninguém o amor próprio, e menos ainda afirmar que não há espaço para cultivar sonhos e ideais elevados. Se em cada um de nós há uma verdade que brilha com a força de dez sóis, trata-se de um brilho que só pode ser visto pelo indivíduo que o gerou. Talvez a maior arte seja justamente a de acreditar que verdades igualmente importantes residem no coração e na mente de cada pessoa, e que a linguagem, por difícil e imperfeita que seja, é a única ferramenta capaz de aproximar tantas e tão variadas verdades. Se quisermos então nos amar ou odiar, é uma escolha ética e justa apenas quando feita sobre a ponte da linguagem e do entendimento. Fora dela, não há ritos, não há fé e não há Salvador que nos livre do mal maior - a Ignorância.

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