Thursday, November 16, 2006

Abacab 2

Dentro da grota mais funda
no fundo do mato escuro
denso, distante e úmido
na mais distante província
da mais isolada nação
rodeada de montanhas íngremes
altíssimas protetoras
esconde-se a porta
com quarenta metros de altura
no seio da rocha
cavados em milênios sem fim
túneis e paredes, escadas e salões.

Perdeu-se ali o mais bravo desbravador
entre uma raça que hoje se acha perdida,
extinta ou esquecida.
Ao lado da porta uma inscrição parece dizer:

"Aquele que tiver tamanho
e tamanha coragem, entre.
A morte vos espera,
como banquete na mesa de comensais
alheios aos seus uivos lancinantes
de animal que padece.
Esquece tua cabeça e teus braços e membros,
esquece tua fortuna tua virtude e tua maldade.
Aqui dentro perderás a cabeça e o resto,
perderás a virtude a saudade e a tristeza
e perceberás que, para nossa fortuna,
serás nossa refeição,
e perderás tua aflição."

Éramos dez entrando com
lanternas mochilas e cordas
Pela longa galeria, novas imagens
contavam novas antigas guerras.
Canibais gigantes, semi-canibais
comedores de gentes de todos os tamanhos
impossíveis de acreditar
esculpidos na rocha
contavam a história da criatura
que de repente fechava a porta
de quase mil toneladas.

Éramos o banquete
eles, reis ao trono
pareciam edifícios
mas corriam rápido.

Fugimos estardalhados,
como ratos enfiamo-nos
nos buracos como pudemos
às escuras entre pedras e lajes imensas
cinco fizemos e cinco ficaram.
Corremos juntos e alcançamos uma escada
que - oh! vida - apenas descia.

Éramos ratos num labirinto
Esculpidos em desgraça e medo
nossas carnes eram tudo o que sobrara.
A inteligência deu lugar ao desespero,
enquanto descíamos os enormes degraus
na escada que se abria para o que,
apesar da pouca luz,
parecia um imenso galpão.

Chegamos ao final da escada
para sentir o cheiro
e ouvir o ronronar
de cinco mil gatos gigantes.
Havia correntes pelas paredes,
que fizeram-nos separar
dois a dois
e o quinto ficou preso
nas presas de sua algoz.

Pelo limo e águas internas
subimos o que devia ser
o caminho cotidiano de outros homens,
ou super-homens
menores que os primeiros,
mas que talvez ordenhassem ali
seus felinos domesticados.

Do alto das paredes vimos grandes passagens
que conduziam a outras salas,
entre elas a sala de nossos primeiros carrascos,
onde dois dos nossos esperavam a morte
em imensas gaiolas de ouro e prata
muito fora do nosso alcance.

Os dois do outro lado perderam-se na sombra,
do outro lado do abismo que formava
o que só agora começávamos a entender,
as paredes de duas pirâmides gêmeas.

Acima de nós,
uma abertura no infinito,
abaixo a morte,
ao redor o desconhecido.

Tateamos por uma entrada
que finalmente conduziu
a um corredor transitável
por criaturas menores que as outras,
mas deformadas e em tal medida
monstruosas, por qual
ó natureza!
fenômeno natural?

Nas paredes novas imagens
contam a história de outras linhagens
gigantes enforcando gigantes
ainda maiores,
festas com comida infinita,
reis e escravos
inimigos e uma vida em guerra,
mas precisamos correr
para salvarmos a nossa.

Meu companheiro foi pego
e não pude ajudá-lo
consegui alcançar uma porta
que finalmente levou a uma escada
que em milhares de degraus
conduzia à saída.
Abençoei a visão da mata
profunda, verde iluminada.
À esquerda da porta imensa uma inscrição anuncia:

"Aquele que se julga profundo
e com tamanha audácia adentra
o templo dos homens-deuses,
aprofunda-te em ti mesmo
e abandona a justiça e o sentimento
de que o tamanho é uma virtude.
Entre pequenos e grandes,
entre defuntos e vivos,
não passamos de carne uns pros outros,
e aqui dentro, infalivelmente,
nos dará tua mais desejada e profunda carne."

Abençoei a floresta,
abençoei minha carne,
e segui meu caminho.

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