Friday, December 01, 2006

Como e para que escrevo

Gosto de começar de olhos fechados, digitando idéias desconexas, tentando não pensar, seguindo imagens que se mostram para mim, procurando antes um ritmo, um clima, do que um argumento ou idéia específicos. Nem sempre encontro o que procuro, então abro um novo parágrafo e tento de novo, descrevendo imagens que me agradam, como:

Abrasaram-me as horas sem piedade, o céu viu as estrelas partirem e o vermelho chegar, o claro e leve vermelho da manhã que precedeu o dia mais fantástico que o mundo já viu.


Não sei que dia foi esse, ou o que o teria tornado fantástico. O que tento é despertar em mim esse sentimento, de uma alvorada qualquer passada em claro, quando um único pássaro no céu podia descortinar a maior felicidade que um homem pode experimentar. O que será o nascimento de um filho? Ou o casamento com um ser ideal? Um sentimento diferente de tudo que se tentou antes, mas não acredito em felicidade maior que aquela que se permite. A felicidade em ter um filho não é de uma magnitude diferente, maior; pertence a outro plano, e por isso não se pode comparar à imagem do pássaro numa manhã úmida, com uma luz clara e difusa no céu e no espírito. A felicidade, ó injustiça das palavras!, é uma quimera, um espectro impreciso e surreal, como uma substância gasosa que se alastra pelo espaço e se concentra inexplicável e caoticamente pelo universo, podendo estar presente nos momentos mais sutis, num sorriso, num silêncio, numa luz oblíqua a atravessar as palmeiras de uma praça numa tarde de terça-feira. Os grandes momentos, aqueles unanimemente grandes, trazem consigo uma formalidade, um rigor que, por acompanhar a grande felicidade, desconfiguram-lhe por completo, tornando-a incomparável às outras ocasiões de grande felicidade, estas, desprovidas de solenidade e por isso mesmo menos evidentes, mais puras, mais sensíveis à exploração literária, à arte, essa tentativa de comunicação.

Escrevo para retratar os locais onde costuma se esconder a grande felicidade.

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