Wednesday, May 23, 2007

Utopia

Pressuposto - a religião é o ópio do povo, um mal necessário que pode ser melhorado.


Como construir uma Nova Esperança, uma Utopia que não seja apenas mais uma religião? É mister que seja verdadeira, para tanto deve ser alicerçada na ciência. Mas o povo, a massa, não é formada por cientistas, que entenderão o problema das origens. Eles precisam de figuras, metáforas, parábolas, mas que tenham fundamento. Talvez os criadores das antigas religiões tenham pensado exatamente o mesmo, mas não puderam impedir a desatualização de suas doutrinas, que por isso se aferraram a dogmas como um peixe tentando respirar fora d'água...

Como uma religião permite mudanças futuras, que se adaptem à evolução do conhecimento científico? Ela precisa ser mais que verdadeira, deve ser honesta. Deve ir além de explicar o problema das origens, deve explicar também a fraqueza do fraco; a Nova Esperança consiste em cada pessoa entender o seu lugar no mundo, mandar quando puder, e obedecer se achar mais fácil.

O Instinto é a figura central da Utopia, como algo que está dentro do homem, em todos os homens, mas não igual em todos eles. A igualdade é o primeiro mito a ser derrubado. Igualdade de direitos, sim, mas por outra razão; NÃO por sermos iguais.

A Utopia ensina o amor à Terra, ao ser humano e à natureza. Templos, imagens e rituais são não apenas desnecessários e caros, mas principalmente desviam a atenção da mensagem central. Além disso, a manutenção do templo requer trabalho e dinheiro. O trabalho seria melhor empregado de outra forma, e o dinheiro é uma dificuldade e também uma oportunidade infeliz. Deixemos que a verdade fale por si. Sem dízimos, sem ofertas, sem rituais nem cerimônias.

Vida após a morte - 2º mito a ser derrubado, o maior parasita ideológico já criado pela humanidade. A vida por si só já é um grande mistério; aceitemos a morte, pois, como um fato natural. Cada expectativa numa duvidosa sobrevida é uma desistência na vida real e certa.

O orgulho deve ser cultivado; orgulho de ser quem se é, de estar vivo, de poder fazer uma diferença no mundo, ou de não querer fazer diferença. Ao faminto, ao injustiçado, ao abandonado, a esses falta orgulho, por isso nos causam pena. E o que tem sido até hoje a compaixão e a piedade? Dar de comer ao faminto. Retirar-lhe o pouco orgulho que restava, roubar-lhe a certeza de que conseguirá comida sozinho amanhã. Ajudar um necessitado, como hoje se pratica, é fazer com que tome gosto pela sua necessidade, por ser cômodo. Ao mesmo tempo, o piedoso acaba tranquilizando sua consciência por qualquer falta cometida, como se com um bem se pagasse um mal. Chega de hipocrisia! Chega de curar sintomas, enquanto os germes continuam a se reproduzir. Ajudar, na Utopia, é elevar o orgulho, é ensinar uma profissão, é cobrar um trabalho bem feito e não fechar os olhos e tolerar a sujeira. Basta que se tolere os fracos; chega de tolerar super-fracos! Ajudemos a proliferar o orgulho e colher os seus frutos.

Com o desenvolvimento atual das máquinas, muitos trabalhadores produzem várias vezes mais enquanto outros não têm emprego. O desenvolvimento natural da sociedade tem levado a menores jornadas de trabalho, e essa tendência certamente irá mais longe. Quanto mais tempo livre tivermos, mais poderemos nos dedicar ao voluntariado, ensinando o que sabemos e aprendendo com os outros. Este é um dos caminhos para a Nova Esperança.

"Não ter é não precisar"? Nenhuma máxima PRECISA funcionar sempre - essa é uma das que geralmente funciona.

"No princípio, éramos animais. Hoje ainda somos, mas aprendemos muitas coisas" O ser humano é um animal que se sobressai por sua capacidade de aprender. Não temos as asas da águia, nem as presas da onça, nem a camuflagem do sapo nem a couraça do jabuti. Não temos nada disso porque não precisamos. Se precisássemos teríamos, ou estaríamos extintos.

Para tudo os animais nos são úteis: como comida, como pele, couro e penas, como tração, como guia, como companhia, como exemplo. Se não temos armas nem defesas naturais como os outros animais, é porque não precisamos. Até já tivemos, mas no decorrer da nossa evolução os fomos perdendo, à medida que evoluía nossa maior arma e principal defesa: o cérebro.

A inteligência, a capacidade de deduzir, aprender e inferir, foi o que nos tornou o que somos, não mais senhores da criação, mas algozes de nós mesmos e das outras formas de vida. Cabe à mesma inteligência combater o fanatismo, distribuir sensatez para reverter o mal que começamos.

Se temos inteligência é porque precisamos dela. Ter é precisar. A ignorância deve ser erradicada como o maior de todos os males. A ignorância se prolifera mais rapidamente que a sabedoria, e é ainda orgulhosa de si: bate no peito com um sorriso e diz: FÉ! A fé é o terceiro mito a ser combatido, pois a ignorância se envergonha de si e quer diminuir; a fé não, a fé quer crescer e se copiar para cabeças alheias.

"Ter é precisar" - não se pode possuir um objeto que não se precise, hoje ou amanhã. É loucura insistir nisso. Mais vale dar para quem precise, isso é nobreza; ou esperar que o roubem, o que seria um roubo nobre.

O mal do mundo não é a pobreza, mas ter a pobreza sensibilidade para perceber a riqueza ao seu lado, e pior, muita riqueza que não se precisa. Quanto mais alto, maior a queda. Quanto maior o desnível social, maior a violência. Eis aí algo que os ricos não querem aceitar.

A herança é um direito até certo ponto. Qual a vantagem de heranças sucessivas aumentarem um império que não se teria criado numa única vida? Um proprietário de 20 casas já é algo pouco natural. Se só tem um filho, com que direito ele ganha o que o pai levou décadas para unir? Melhor seria para seu orgulho e capacidade de trabalho, que apenas pudesse herdar uma fração do todo. Ou melhor, melhor seria se o pai não tivesse como acumular tanta propriedade. Menos propriedade acumulada, menos poder na mão de poucos, menor desnível social. Eis a idéia de uma verdadeira Utopia: aplainar o terreno!

O socialismo errou ao proibir o acúmulo de capital, porque é do Instinto humano se preservar, só trabalhar o quanto precisar. Se ninguém ganha mais, por que eu me esforçaria? A tendência seria uma enorme repartição pública, onde ninguém cobra de ninguém, para que ninguém precise trabalhar. O acúmulo de capital é uma motivação para o trabalho. Se o capital vale mais que o trabalho é outra questão, e cabe estudar como o Instinto se comporta nesse caso. "Nada em excesso", nem capital, nem trabalho.

A Antropologia será a ciência principal da Utopia. Experimentos humanos não são éticos, dizemos hoje, mas a sociedade é uma grande tentativa.

"Ar" é a primeira palavra que se aprende. Dor é o primeiro nome que sabemos. O outro primeiro nome - porque na verdade são dois - é bom. Tudo que é bom está ligado ao prazer. Os mamíferos aprendem esta palavra com a mãe.

Bem e mal fazem parte da moral, que é bem diferente do bom/mau do instinto: prazer/dor.

Todo o mundo ganha nova significação. Temos em nossa cabeça um Eu mau e um Eu bom. Ou vários deles. "Devemos seguir o bom", diz o cordeiro, o do rebanho ordeiro. "Deixe-me falar!", insiste o Eu mal. "Vocês só dão ouvidos ao outro!", isso ele diz aos ouvidos. (continua)


Corpo/Mente/mentir?

O bom da infidelidade no homem é algo que só o homem conhece. O matrimônio, ou união estável entre duas pessoas, divide a vida do homem entre a libertinagem gratuita e a expensiva. Para um homem são, faz muito bem conquistar; faz muito bem para o corpo e a mente. O matrimônio fiel torna o homem conquistador em uma outra espécie: o homem conquistado! Para esse, há um esporte a menos na vida - e uma tarefa a mais. FILHOS. Com relação a eles e à biologia da espécie humana, a traição dos homens é análoga à da mulher, e não homóloga. Suas origens evolutivas são diferentes. O homem busca mais filhos; as mulheres, filhos melhores.

Como conhecer um pingüim sem entender um pouco de ornitologia? É como buscar entender os homens sem entender também de mamíferos. Por que o pingüim macho cuida do seu único ovo? Por várias razões; uma delas é que aves não dão leite. Uma vez posto o ovo, a responsabilidade dos dois pais sobre ele é a mesma. As glândulas mamárias foram uma notável criação evolutiva. Ao literalmente "se dar" como alimento à cria, a mãe não precisa mais procurar alimento para os filhotes. Mas isso pôs sobre as mães uma responsabilidade bem maior, a mesma retirada dos pais - os assim-surgidos "Ricardões". Os pais-aves são muito melhores pais que os mamíferos. O caso dos pingüins é bem mais comum no reino das penas e bicos que entre pêlos e dentes.

O cientista deve entender de ciência, antes da sua ciência particular. Não apenas o conceito de ciência, mas uma boa noção da sua história, suas áreas, as relações entre elas e os fundamentos de cada uma. É fundamental ao cientista conhecer os fundamentos de cada ciência na proporção exata da distância que cada uma está da sua em particular. Assim, para o biólogo é mais importante compreender os fenômenos químicos que a Relatividade de Einstein ou os princípios da física quântica, uma vez que a química está presente em sua área de estudo, e esses outros campos, não. Igualmente para o cientista social a Evolução responderá diversas dúvidas, ao passo que a Física e a Química estão bem mais distantes. Esse é um dos princípios da Sociobiologia.


Ser bom ou ser mau, apenas, é como ser cego de um olho: enxerga-se o mundo sem perspectiva. Falta ao bom e ao mau uma dimensão da realidade; para eles tudo é plano, raso, simples. Aos que conseguem ver o mundo com as duas lentes opostas e simultâneas, crer em um Deus perfeito e bom é tão ou mais deficiente que descer uma escada com um dos olhos tapados.

O bem e o mal estão em todos os lugares - erram os que acreditam numa justiça universal, num Deus "bom", num mundo onde o bem DEVE prevalecer; como erram aqueles que só vêem mal por toda parte.

Também o universo social tem o seu bem e mal. As piores doutrinas são as que querem nos convencer da NECESSIDADE do bem, como se ele não fosse natural, e do terrorismo do mal, elevando-o a um patamar assustador, muitas vezes sobrenatural, e do qual covardemente se sugere fugir, afastar-se, puni-lo. O que se faz, então, é fechar os olhos. Paga-se a polícia para que escondam o mal, para que o encarcerem longe de nossas famílias e de nosso entendimento. A fuga predileta da sociedade do bem é fugir do mal, ignorando sua origem. Mas o equilíbrio natural parece EXIGIR a mesma medida de bem e de mal, ou um ligeiro desequilíbrio na direção do bem - afinal, temos instintos de preservação social - e a cada excesso de bem conseguido numa nação, há alguém pagando o preço e desenvolvendo um excesso equivalente de mal em algum lugar do planeta. A suíça não existiria sozinha.

A maneira mais segura de equilibrar o bem e o mal na sociedade deve ser equilibrando-os em cada um de nós. Não há uma terceira visão, apenas uma segunda.

Nas relações sociais não deve haver bem e mal, mas respeito. Deve-se respeitar e honrar os amigos, como os inimigos. Um inimigo indigno de respeito não é digno de ser chamado inimigo. Não existem relações sociais fora o respeito, apenas distância.

Acreditou-se por muito tempo que dos bons seria o Reino dos Céus, de Deus, Paraíso; enfim... coisas que não existem. Na Terra, a lei da Natureza diz algo bem diferente: diversidade. Onde há constância, onde tudo é igual, há decadência e morte. Jamais existirá um mundo de todos os homens bons, porque a Natureza se aproveita disso; os homens "bons" são como esterco para o mal, como o são os maus para o bem. No Homo sapiens a Estratégia Evolutivamente Estável (EEE) é haver razões semelhantes de bem e de mal, com o primeiro levando certa vantagem. Façam apenas bem a uma criança, e se criará um tirano. Maltrate a vida demasiado a alguém, e nascerá um "santo", um homem "bom" ou uma mulher "boa".

Dê-se o poder a um homem mau, e sua tirania varrerá o mundo. Deixe o poder ao homem bom, e os espertos o manipularão como a um fantoche. Os espertos são os que compreendem as leis da Natureza e as do homem. Conhecem o suficiente da lógica do bem e do mal para a qualquer momento virarem o jogo a seu favor. No fim, esperteza é poder, e o mundo é mesmo dos espertos. Sem poder ganhar este mundo, por não ter bastante esperteza, muitos apostam no mundo futuro, para o qual bastaria serem "bons"...

"Livrai-nos dos bons e dos justos" - assim falava Zaratustra.

Respeitar é não subestimar; é dar ao outro o direito a que seu orgulho diga "Eu existo". Pois apenas um orgulho alto e vigoroso pode equilibrar sobre si o bem e o mal. Respeitar é querer que no outro se equilibrem o bem e o mal. É querer o bem do outro, sem ser bom; é esperar o mal, sem ser pessimista. O pessimismo é mau; o otimismo pode ser bom, mas o mais equilibrado, o melhor, é o realismo.

O Eu é muito pequeno perto do todo que sou. Nossas máquinas estão cheias de demônios - "daemons" - rotinas automáticas que cuidam das nossas tarefas mentais. A própria consciência não é mais que um conjunto de tais daemons - um que levanta as palavras do lado do bem e do lado do mal, outro que pesa as contradições segundo o prazer que trazem, outro segundo o que acarretarão aos outros, outro que relembra o passado, unindo o Eu de agora com o Eu de antes, tornando-os um só, e assim por diante. Quase sempre os nossos daemons decidem sozinhos o que nos interessa, sem que precisemos VERBALIZAR aquela situação, ou seja, pensá-la com palavras. Isso é o chamado inconsciente. Os daemons nascem prontos a equilibrar o bem e o mal, mas podem ser treinados para fazer pender a balança, para viciá-la. Pois o bem e o mal, sozinhos, são vícios. Eis a especialidade das religiões: formar viciados no bem.

Todo o processo do conhecimento é também um processo de auto-conhecimento. Temos duas mãos, duas pernas, dois olhos, dois ouvidos, dois hemisférios cerebrais - duas metades. Não são o homem e a mulher duas metades, mas cada um deles. Por isso DICOTOMIZAMOS o mundo. Para nos situarmos nele. Quente e frio, alto e baixo, duro e mole, claro e escuro, certo e errado, tudo é visto pela nossa perspectiva, como coisas aquém e além de nós - QUE ESTAMOS SEMPRE EM ALGUM PONTO ENTRE DOIS EXTREMOS. Esse é o conceito do inabsoluto. Ninguém é "bom" ou "baixo" ou "claro" apenas. Tem-se determinado temperamento e caráter, cor e estatura. Mas dividir o mundo em dois extremos e querer em um quem não está no outro é tão triste como corriqueiro. Para Pascal, o grande pensador cristão, o sábio é aquele que consegue apreender todos os extremos, para se situar no lugar mais adequado, ainda que insólito, em cada eixo de valores.

Quanto mais coisas conhecemos, mais níveis temos entre cada par de extremos, e melhor nos situamos e aos outros. "Todo processo de conhecimento é também um processo de auto-conhecimento." Por isso o "Conhece-te a ti mesmo" e o "Nada em excesso" dos gregos. Pode-se concluir daí que sequer o auto-conhecimento deve ser buscado em excesso; mas também que o próprio auto-conhecimento é a adição de tonalidades a todos os pares dicotômicos, para que saibamos o que é excesso e possamos nos situar melhor longe dele. Mas ATENÇÃO! Extremo não é o mesmo que excesso. Ser bom é diferente de ser bom em excesso; como ser alto e ser excessivamente alto. Também o centro geométrico entre dois extremos não é sinônimo de virtude. É, na verdade, ser moderado, e moderação em excesso é tão ruim como qualquer extremo.

Há dois conceitos importantes em biologia, que também se aplicam à sociedade, e servem para melhor situar a Utopia. Um deles é a diversidade.

A vida na Terra surgiu com o processo de replicação dos primeiros ácidos nucleicos (RNA/DNA). Sua DIVERSIDADE foi o princípio da evolução, e é a lei superior da vida, que vai contra a idéia de igualdade, de que os homens e mulheres seriam iguais, ou os homens ou as mulheres entre si. Para o bem e para o mal, não o são.

O outro conceito é o de HOMEOSTASE. Sistemas complexos, como formigueiros e corpos humanos, possuem mecanismos intrincados para manter o equilíbrio interno, seja de temperatura, nutrientes, unidades de defesa, etc. Também a sociedade humana mantém seu equilíbrio pelo próprio instinto de cada indivíduo que conhece inatamente os conceitos de justiça, bom, mau, verdadeiro e falso.

Há uma intrincada lógica entre a sociedade, o poder, o bem e o mal. A sociedade se assemelha a um mapa de relevo, onde o poder se concentra naturalmente em algumas pessoas - os fortes - cumes de serras que se complementam na paisagem com os vales e abismos - os fracos - os que não têm poder, os que obedecem. Há montes mais altos e mais extensos, como vales amplos e estreitos; a diversidade é a lei. Algumas pessoas trazem em si carisma e força o bastante para comandar milhões. Enquanto há equilíbrio entre quem manda e quem obedece - enquanto as relações de poder são pautadas pelo Instinto, há um equilíbrio maior entre o bem e o mal. Quando o líder nato morre, o Instinto manda que seu reino seja dividido entre os novos líderes, segundo a capacidade de cada um. Quando o Estado, através das leis, CRISTALIZA o grupo que obedece, desrespeitando sua relação natural com aquele que está no poder, foge-se da homeostase; o bem e o mal saem do equilíbrio. Quanto maior e mais artificial for a hierarquia entre os que mandam e os que obedecem, maior o conflito e a separação entre o bem e o mal; tanto mais alguns gozam do luxo e dos benefícios, e outros sofrem abusos e refletem isso no que chamamos crime e violência. Eis um dos problemas da democracia, do voto: dar o poder a quem tem maior simpatia e a melhor propaganda. É preciso outro tipo de Instinto para mandar. E quando o que tem o poder não manda, assumem os espertos ocultos, aumentando ainda mais o desnível topográfico da paisagem social. São os tempos que vivemos, com as megacorporações e o megacapital que comanda todo o planeta, como nunca antes sucedeu - não em tamanha escala. Espera-se bem e mal em semelhante desvario, mas ai! que lhes roubam o poder, a ambos. O poder já não quer saber do bem e do mal. Tranca-se em seu apartamento e condomínio e deixa o resto com a polícia.

Quanto mais o mal se revolta, mais o bem se torna piedoso e desesperado, fanáticos religiosos. Quanto mais o bem se esconde na inação da fé religiosa, em desespero, mais o mal se vê na obrigação de reagir, de devolver o poder às mãos dos que o merecem - os fortes. Porque os bons já há muito deixaram de ser fortes. Entregaram o poder para fantasmas.

JUSTIÇA é deixar o poder fluir naturalmente.

Teleologismo é pensar que o fim antecede o meio, como quem diz "as árvores existem PARA nos dar ar" ou "a abelha leva o pólen com a intenção de alimentar suas irmãs", ou "as flores existem PARA embelezar o mundo". A natureza não prevê. Todo o seu curso é necessário, é tão necessário e contingente quanto as curvas de um rio. Como um rio, que não vira à esquerda por nenhum motivo; apenas a água é atraída pela gravidade da Terra e abre sulcos nos pontos mais fracos das rochas pelo atrito da erosão. Há quem pense, por exemplo, "que engraçado eu ter nascido justamente no Brasil do século XX, quando poderia ter nascido em qualquer época ou lugar. PARA QUE nasci eu aqui?" E assim nasce um conceito estranho de destino. Teleológico. Como se o indivíduo precedesse o nascimento, já como espírito. Como se o espírito pudesse ter escolhido outro corpo onde se alojar. A loucura por trás desse tipo de pensamento é que não existe evidência que o suporte. Muito pelo contrário. Nossa existência toda reflete apenas o que temos conhecimento, e isso já vai depois do nascimento, um bocado depois. Só sabemos que fomos bebês porque vemos outros bebês crescendo. Não podemos inferir algo que ninguém viu. Nem precisamos.

O erro do teleologismo também é sentido no senso comum sobre a justiça: "a justiça tarda mas não falha", como se o mundo existisse PARA QUE a justiça seja feita. Mas como nós apenas nascemos, e só então passamos a ser EU, também o mundo apenas é; quem viu a justiça onipotente em algum lugar, como exploradores de séculos longínquos que documentaram pela primeira vez a existências dos duvidáveis gorilas? (Tudo isso me parece tão banal, como se não valesse sequer o trabalho de ser escrito. Mas a maioria das pessoas que conheço pensa teleologicamente sobre a justiça, apenas porque cedo lhes disseram que Deus é bom, justo, onipotente e onipresente. Como pode alguém se cegar a tantas contradições? Como se todos os hindus e budistas, que pensam o mundo de uma forma milenar e diametralmente oposta, estivessem necessariamente errados. Na verdade, não interessa tanto quem está errado - interessa que toda religião PODE estar errada. A humildade, nesse caso, é mais justa que qualquer deus pode ser.

Em 1984, Orwell escreve sobre o "duplipensar": manter conceitos contraditórios, excludentes, sem grandes problemas. Realmente, o cérebro humano tem essa capacidade... mas será ela necessária? Mesmo aos fracos? Como Matrix viola uma lei da Termodinâmica e pouca gente se deu conta? As pessoas decoram as leis do universo para as provas, mas não as retêm. Nem mesmo os cientistas. Não se pensa em leis ou em lógica, mas principalmente em episódios, anedotas, casos isolados e exemplos. Não me estranha que não percebam contradições, não estão acostumados a destrinchar fatos em busca de leis. Bastou um punhado de decifradores do cosmos para nos darem muitas de suas leis, mas o seu trabalho até hoje não é honrado o suficiente.

O que é honra? É não se sentir envergonhado na frente dos outros. Houve tempo em que se matava por um adultério, para preservar a honra. Hoje nem sempre se chega a tanto. Estamos melhor do que antes? O conceito de honra não mudou - apenas os tempos...


"A democracia é a legítima exclusão das minorias".

O senso comum funciona como alguém que faz um croqui de uma casa andando nela apenas uma vez. É forçoso que os últimos cômodos não se alinhem com os primeiros, a não ser por sorte. É preciso ir e voltar várias vezes ou andar com uma trena para acertar. Mas como não é possível esquadrinhar todas as palavras com uma régua, para acertar-lhes o significado, o melhor bom senso só pode ser alcançado redefinindo algumas delas, à medida que se completa o quadro.

Uma pessoa quando cresce vai aprendendo as palavras segundo o senso comum, e depois de adulta tem na cabeça um croqui mal acabado, repleto de contradições e imprecisões. A verdadeira filosofia é a borracha e a régua que substitui conceitos do senso comum por medidas mais exatas, mais coerentes com o quadro geral que se acumulou durante a vida e durante a história do conhecimento humano.


Pretender que o homem e a mulher foram "feitos um para o outro" é um dos melhores exemplos de Wishful Thinking que conheço, uma forma de forçar a realidade para que ela se encaixe dentro de nossas expectativas. A verdade é que o homem e a mulher subsistem APESAR um do outro. Toda a vida de ambos é dirigida por princípios antagônicos, ou pelo menos bem diferentes, para não dizer os pequenos detalhes do cotidiano, como preferência televisiva, gosto pelo silêncio, círculos de amizades, entretenimento fora de casa, atitudes com as crianças, relação com os sogros, etc. A natureza só criou os sexos como forma de propagação e vantagem competitiva para espécies antigas (o que acabou servindo para aumentar muito a diversidade). Afinal de contas, alguém deve propagar as linhagens. Ou não! Eu aposto que Adão no Éden teria preferido um outro Adão, se é que precisava de companhia. A convivência entre pessoas do mesmo sexo é muito melhor; se assim não fosse os homens teriam mais amigas que amigos. E mesmo o sexo entre pessoas homossexuais pode ser considerado mais pleno, no quesito satisfação (embora não no quesito reprodução) - pois cada um entende o que se passa no corpo e na mente do outro. Esqueça as teorias sobre forma e função. Órgãos sexuais não são plug e tomada. Isso é teleologismo. Outro conceito da biologia é o de Exaptação: quando uma estrutura com um uso inicial passa a ser usada também com outro propósito. É bem possível que todas as criações da seleção natural tenham surgido por exaptação. Apesar de que o pênis e a vagina tenham evoluído em conjunto, quem provará que não evoluíram também junto com o ânus? Afinal, o sexo anal sempre foi muito popular. Não se normatiza tais relações. O instinto em cada um diz do que se gosta e do que não.

Uma coisa interessante que corrobora o "ajuste" dos homossexuais uns aos outros é o fato de existirem homens que preferem penetrar e outros que preferem ser penetrados. Ativos e passivos, não apenas em uma relação, mas na maioria delas, e às vezes por toda a vida. E há também os versáteis, que dançam conforme a música e sentem prazer das duas formas. Que sejam ainda necessárias mulheres e homens heterossexuais, para continuar a povoar o mundo de novos gays, jovens e belos, ótimo.

Aumenta o número de mães solteiras na medida em que a sociedade aceita mais as vontades e diferenças individuais. Há hoje um pouco menos de hipocrisia, e assim assume-se que homens e mulheres NÃO foram feitos um para o outro. Como, aliás, os gregos antigos e os chimpanzés bonobos já nos haviam demonstrado. (As fêmeas de bonobos - Pan paniscus - masturbam-se em grupo, fortalecendo seus laços de amizade e garantindo a união das fêmeas contra a tirania dos machos dominantes, situação comum nas duas espécies vizinhas: Pan troglodytes, o chimpanzé comum, e Homo sapiens.


Superação - "o homem deve superar-se a si mesmo". Isso temos feitos em diversas áreas; nas ciências, na filosofia, nas artes, na tecnologia. O que me deixa duvidoso é a política. É verdade que com o sistema democrático conseguimos a liberdade individual de uma forma que talvez seja inédita na história da humanidade. Mas como a felicidade artificial e não-criativa do Admirável Mundo Novo, de Huxley, de que vale uma liberdade parcial, como a que temos? De que adianta a liberdade do homem quando ele não sabe se perguntar "livre para quê?". Ou, ainda, quando tem liberdade para pensar, mas não pensa, pois perdeu o gosto?




O Instinto Humano não muda, pois está inscrito em nosso DNA. Não que nossa evolução tenha parado, mas ela é tão lenta que mil impérios se erguerão e cairão antes que uma mudança notável se tenha feito em nosso instinto. Assim, nós somos os mesmos, em essência, em instinto, daqueles que lutaram em Constantinopla, ou dos que ergueram as pirâmides, ou ainda daqueles que muito antes vagavam nômades e analfabetos pelas planícies da África. Em seu Instinto o homem não se pode superar (a não ser pelas mãos da Engenharia Genética - Nosso Futuro Pós-Humano). As diferentes sociedades experimentaram várias leis, várias formas de governo, vários níveis de democracia e liberdade. Mas a sociedade continua sendo uma grande tentativa, e, na minha opinião, jamais superamos o nível alcançado pelos gregos antigos. Eles tinham uma educação voltada para o corpo e a mente, liberdade de expressão consumada na Ágora, liberalidade sexual e cidades-estados independentes, com liberdade de ir e vir. Prova da eficiência de seu sistema foi terem os gregos criado os fundamentos que até hoje usamos na música, na ciência, filosofia, matemática, arte literária, entre outras. Nenhum outro povo ocidental depois dos gregos antigos viveu tão plenamente. Talvez hoje tenhamos alcançado um nível de educação bastante bom, se comparado à média ao longo da história. Talvez hoje a proporção de pessoas com algum conhecimento e alguma liberdade seja bem maior. Mas a mesma industrialização que permitiu isso está esgotando rapidamente os nossos recursos naturais. Saímos dos "mil anos a dez" da idade média e adentramos os "dez anos a mil" da modernidade. Com o fim do petróleo, das grandes florestas, com a escassez inevitável de água potável, entraremos numa era bem distante do Aldeia Global's Way of Life. Se não aproveitarmos hoje o conhecimento que acumulamos para desenhar o perfil de uma nova sociedade, fundada no Instinto Humano, universal e equilibrado, para o bem do indivíduo e da coletividade, é possível que o próprio conhecimento seja novamente perdido durante longas e sombrias eras - como, inclusive, já aconteceu antes.


A natureza que contemplo não está ao alcance da maioria dos homens. Nu em uma cachoeira, quilômetros distante do próximo homem, entre animais, plantas e a música do universo, sinto-me o mais afortunado humano a contemplar o mesmo imenso céu azul. O progresso deveria ser permitir a todos presenciar a soberania natural ao menos uma vez. Sentir-se parte do todo, sem barreiras físicas, sem roupas, sem guias ou roteiros - apenas o corpo e a natureza, nus e sinceros - esta é a Revelação, este o verdadeiro sentimento religioso.


Passou o tempo dos grandes pensadores que se debatiam com a Metafísica e a Ontologia. O "ser", "Deus", "aquilo que é", tudo isso são termos imprecisos para algo que era percebido, mas ainda não tinha explicação. Quantas páginas foram preenchidas ANTES de se CONHECER o problema real!

É claro que ALGO é; algo precisa ser, mas o que é o SER, e como este se relaciona ao homem, é algo que não se poderia abordar, a não ser por opiniões impossíveis de serem testadas. Apenas com o avanço atual da ciência, e digo de 50 anos pra cá, de uma maneira que Aristóteles jamais suspeitaria, foi possível perceber que o que de fato É é tudo quanto existe, em cada grau da matéria, e tudo se mostrou composto da mesma matéria. Mas a partícula fundamental ainda não foi encontrada; este átomo ideal - sejam supercordas ou elementos ainda mais abstratos - talvez sequer exista, e só o que temos até o momento são INSTÂNCIAS do SER, estáveis em diferentes níveis, quarks, átomos, moléculas, com propriedades inerentes à sua composição, emergentes em cada novo nível de associação, de complexidade, e sempre obedientes à mesma macroestrutura, às mesmas leis, elas próprias emergentes na física, na química, na biologia e adiante. Não se trata mais, portanto, do SER, mas de ARRANJOS, NÍVEIS ou PASSOS que a matéria toma para TORNAR-SE algo. Assim, o que existe são partículas, átomos, moléculas, células, organismos, homens, nações. Ainda que o átomo admita menos variação que o homem, devido à estrutura de ambos, todos seguem leis, que lhes são próprias e cada qual traz uma essência, descritível pela lógica que é a mesma de toda a matéria, de tudo quanto foi observado no universo visível; a lógica material comum às galáxias e às pedras, aos vaga-lumes e às estrelas. Que o próprio Homem seja assim tão material, isento do sobrenatural que se lhe atribuía, é ainda mais divino e espetacular que o sonho mais ousado do mais louco profeta. E o que é, pois, a essência do Homem, o que é o SER no Homem? Em uma palavra - Instinto.

O Instinto é aquela raiz genética, tão variável quanto invariável, isto é, variável na população, pela própria diversidade genética, mas restrita aos limites invariáveis dessa própria diversidade, que o Projeto Genoma Humano busca mapear. Quem poderia imaginar o SER que tanto roubou o sono dos filósofos, mapeado! O Instinto flexível pela cultura, em cada indivíduo, mas inflexível como a mola que não se deforma; o instinto sempre pronto a reverter para o estado primitivo em presídios, guerras, pestes, ilhas remotas, e onde mais que a cultura se evapore, mostrando o homem como ele é de fato, desnudo.

"O Instinto é um conjunto de comportamentos que mantém a homeostase social". Uma espécie de ratos tem programada como ideal uma certa densidade da população. Aumenta-se a densidade e sua agressividade cresce. Eis seu instinto. O aumento da agressividade dispersa o bando e faz a densidade retornar ao ideal - isso é homeostase, equilíbrio. Uma densidade baixa é aumentada pela reprodução. Instinto gera homeostase. Observem os ratos em gaiolas; aumente o seu número e observe novamente. Qualquer semelhança com nossas metrópoles não é mera coincidência.

Agora que o homem pode finalmente conhecer o SER, abre-se o caminho para um novo humanismo, para a nova Utopia.

Em milhares de anos de história, todo o conhecimento reunido foram círculos traçados sem se saber onde situar-lhes o centro. Tudo era instável - deuses, o espaço cósmico, o homem, a história. Agora fixou-se a origem. Não importa que não saibamos a estrutura profunda do átomo, sabemos que somos feitos deles, e que eles são os mesmos até em outras galáxias; sabemos a estrutura do DNA, e a maneira como ele opera nosso comportamento é cada vez melhor compreendida. O CENTRO de nosso conhecimetno está, finalmente, sendo fixado. Tudo flui daí. Agora podemos dizer Homem e História, com agás maiúsculos - pois agora sabemos O QUE somos. Não mais o incognoscível; não me interessa! Que mistério há, afinal? A origem de tudo é não haver origem alguma; o resto já está nos livros, o que não está falta-nos preencher. E como toda essa revolução do pensamento ocorreu em tão pouco tempo! Como agradaria aos maiores pensadores estarem vivos agora e poder saber o que nós sabemos! Mas o privilégio é nosso. Nós, órfãos dos pensadores, herdamos sozinhos todo o conhecimetno que os antigos dariam a vida para adquirir, e cabe a nós, portanto, traçar o caminho para a futura evolução da sociedade, para o futuro do Homem, para a Utopia!

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