Friday, July 28, 2006

O amor

O amor em muitos momentos guiou a minha vida. Ele me fez sair de casa e procurar o mundo, procurar novas criaturas e idéias a serem amadas, lugares e momentos. O meu amor é universal, não posso ainda aplicá-lo a um único escolhido, talvez porque isso seria um desperdiço muito grande de um forte sentimento, talvez porque eu seja um tarado, talvez por não ter encontrado a pessoa certa. Mas não me sinto mais forçado a encontrá-la, como faz a imensa maioria das pessoas, completas apenas com sua "cara metade", que é o nome que dão para aquela massa plástica que deformam para adaptarem-na à forma de seus sonhos, de sua "metade". Meu amor vai além da carne e das estrelas, é um prodígio cósmico irrefreável e curioso, como uma criança galáctica. Cada breve momento de amores vividos e esquecidos teceram nas pautas da minha história uma sinfonia, e nela estou perdido, ouvindo os sons angelicais que ainda ecoam e não apontam nenhum caminho particular, e nem há pressa. Apenas música e o brilho leve de um coração permissivo.

O ódio

O ódio em muitos momentos guiou a minha vida. Não sei se me orgulho disso, talvez tenha sabido direcionar o ódio como uma força construtiva, mas talvez devesse ter odiado menos. Hoje, quando me pego a odiar algo odioso, fico na dúvida entre o ódio simples e sincero, e o perdão, ou antes a compreensão que nos liberta da necessidade de odiar. Ora escolho um, ora outro. Ambos satisfazem impulsos diferentes, e nos servem de fôlego para seguir em frente.

Ébirias Lêtaras

É difícil para mim escrever quando estou sóbrio, lúcido. Parece que as idéias não merecem ser escritas; normais demais, talvez. Mas quando estou ébrio de qualquer emoção, ou de álcool, ou qualquer outra coisa que brilhe no escuro da minha mente, aí sim, as palavras jorram com eloqüência, com vontade. A emoção precisa ser escrita, bem mais que a razão. A razão é um mero fio condutor que pode, por vezes, ser ignorado impunemente, para o bem da escrita visceral, honesta e arfante.

Por uma ciência da compreensão

Pode ser vazio o desejo mais sincero e mais profundo de um indivíduo? Pode ser falsa a verdade mais íntima de uma consciência questionadora? Mas, se cada verdade íntima por vezes cai em contradição com as demais, daí não resultaria um relativismo no Universo? Não seria então tudo parcial e arbitrário? Não se tornaria todo o edifício científico um tolo consenso de opiniões, desvinculado de qualquer coisa que se pudesse chamar Realidade ou Verdade Objetiva dos Fatos? Existiu alguma vez tal Realidade única, ainda que encoberta por mil véus da nossa ignorância?

Penso que se não houvesse uma Realidade objetiva, única, não teria sido iniciado, em primeiro lugar, esse projeto mundial chamado Ciência. Mas como se entende mal o que é a ciência. Mesmo entre cientistas é comum encontrar quem desconheça as raízes e o significado do pensamento científico, e ainda assim o aplique cotidianamente em seu trabalho, como faria um cozinheiro que jamais criou uma receita, mas apenas repete os passos de um protocolo descrito em detalhes em livros antigos.

A ciência busca padrões inteligíveis no que parece desordem. Padrões que qualquer pessoa pode perceber, independente de sexo, etnia, preferências políticas ou ideológicas, língua, religião ou qualquer outra idiossincrasia imaginável. A ciência busca purificar a Realidade, retirar dela as realidades particulares dos que observam os fatos, transformando o que sobra em leis naturais - leis descritas por uma linguagem humana imperfeita, mas que estariam aqui mesmo que nós não estivéssemos e que permanecerão eras e eras após estarmos extintos.

O que a ciência tem de mais maravilhoso - e de mais temível, para alguns - é a sua capacidade de nos impressionar com as evidências de nossa pequenez, de nossa insignificância perante o Cosmos. Vistas por essa perspectiva, nossas verdades íntimas, tão caras aos nossos egocêntricos Eus, não passam de um detalhe irrelevante ao universo, tão casual e indiferente como o formato específico do bico de cada pato, ou a forma exata de cada folha de cada árvore numa grande floresta. Nossas verdades pessoais que consideramos tão dignas, tão nobres, e pelas quais muitos matam e morrem, são tão (in)úteis ao todo como, digamos, a velocidade com que crescem nossas unhas.

Mas não quero roubar de ninguém o amor próprio, e menos ainda afirmar que não há espaço para cultivar sonhos e ideais elevados. Se em cada um de nós há uma verdade que brilha com a força de dez sóis, trata-se de um brilho que só pode ser visto pelo indivíduo que o gerou. Talvez a maior arte seja justamente a de acreditar que verdades igualmente importantes residem no coração e na mente de cada pessoa, e que a linguagem, por difícil e imperfeita que seja, é a única ferramenta capaz de aproximar tantas e tão variadas verdades. Se quisermos então nos amar ou odiar, é uma escolha ética e justa apenas quando feita sobre a ponte da linguagem e do entendimento. Fora dela, não há ritos, não há fé e não há Salvador que nos livre do mal maior - a Ignorância.