Epistemologia do sentimento
Qual é hoje o destino do sentimento? Jogado a escanteio, escondido pelos cantos em rituais ocultos de autoflagelação, é onde se encontra a verdade, o instinto, a vontade. O desejo da vontade. O desejo pelo desejo, o amor ao desejo. Somos seres-bichos, antes de sermos humanos. Forma-se primeiro no embrião as fendas branquiais de seus remotos antepassados aquáticos, como se forma no fundo da alma humana um tapete de sensações e medos e alvoroços próprios da nossa natureza, inegáveis e insubstituíveis, não como o amor ou o ódio, que essas palavras representam apenas uma conjectura. Palavras expressam não a emoção em si, mas a interpretação que essa emoção teve ao longo da história, dos tantos erros e tão poucos acertos de nossos antepassados próximos, cultos e letrados. A palavra designa uma interpretação do sentimento, sua associação recente com a moral escrita, dominante, institucionalizada. Amor e ódio são vizinhos próximos, ou são uma e a mesma coisa? O sentimento se mede por sua força sobre nossos ombros, seu peso puro, e não há régua que o permita definir. Amor é uma vontade de ter, de submeter o outro ao nosso ego, à nossa vontade. Também o ódio é uma sede semelhante de forçar, de vencer, de demonstrar o que temos por dentro, um desejo de desvendar para o outro o nosso íntimo, nossas intenções, nosso ego. E as palavras que hoje se jogam da boca como cuspe trazem em si uma história nem sempre percebida, mas mantida pelo sistema de reprodução cultural, pela mídia, pelas centenas de filmes e novelas que todos já assistimos, e seus invariáveis finais felizes, bem contra o mal, esperanças recompensadas e justiças óbvias. O sentimento não se traduz, não se explica, não se esquece, apenas adormece em algum recanto obscuro do espírito humano, que deveríamos voltar a vasculhar, tirar a poeira e reviver.
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