Da época em que guaraná tinha rolha e sua avó era gostosa
O bloqueio. O muro sobre o qual precisamos pular para chegar do outro lado. Mas que muro é este? A um certo momento não podemos falar o que pensamos, sob a certeza de que não atingiremos, assim, nossos objetivos. Então surge um bloqueio, porque instantes antes tentávamos nos concentrar num determinado aspecto, até então não percebido, da intrincada teia da realidade.O vento sopra sobre este muro, e traz palavras que carregam a vida de... sentido? Será? Duvidar é sempre a melhor resposta. Claro que, com o tempo, você aprende do que duvidar e do que duvidar menos, e isto é o conhecimento. Para subir o muro e atravessá-lo é preciso um conhecimento do muro, como qualquer escalador pode testemunhar.
O que é o muro eu explico depois. Por hora direi que o vento traz, sim, algum sentido. Talvez seja melhor do que se não ventasse. Isso se fosse quente, etc. Então, o mundo tem um sentido. Uns chamam de realidade, outros de Gaia, alguns de Deus e os filósofos escrevem tratados criando sistemas para explicar o que no começo era até simples.
Não é preciso "ler os filósofos". Abomino a idéia de um curso de filosofia. Deve-se ler as coisas em ordem, e só. Cada pessoa tem uma ordem diferente. Só devemos ler o que gostamos. Depois dos romances policiais, contos de terror, histórias em quadrinhos, não necessariamente nessa ordem, Alguns filósofos, aliás vários. E também os grandes poetas, os donos da oratória precisa, humana e profunda, Dostoievski, O Vermelho e o Negro, Márquez. Há filósofos que podem ter mudado o pensamento de uma época para serem depois refutados tão brilhantemente séculos depois, que o golpe não chega a ser uma prova em contrário, mas apenas um enxotamento ao descrédito e desinteresse.
O muro é justamente constituído desse tipo de coisa. Informação demais. Só há uma coisa importante sobre a qual escrever, e o I Ching, a Bíblia, Martin Buber e Raul Seixas já fizeram isso muito bem - ainda que cada um à sua maneira - o resto é entretenimento. O muro, para ser ao menos orgânico, deve se constituir de raízes e lianas confusas, emaranhadas, mas podáveis. Um terçado intelectual dá conta do recado, mas para construí-lo é preciso ler os livros certos. Ciência e Filosofia. Religião apenas confunde, camufla as verdadeiras perguntas, esconde e ofende o espírito humano natural, inquieto e curioso, insaciável. De qualquer forma, ninguém chega a respostas, não existem respostas, apenas a religião dá o conforto que as mentes menos vigorosas acham mais cômodo. E quando pensamos que meio mundo segue bíblias inatacáveis, bem, a conversa muda de figura.
O cerne do problema, na minha opinião, está no que chamamos de realidade. Para ser categórico, ou talvez didático, imaginemos três tipos de pensamento: 1) aquele no qual a realidade é matéria, pode ser sentida, é compartilhada por todos os humanos dotados de razão, e mesmo que existam bruxas, por hora é o menor dos nossos problemas, 2) aquele no qual existe uma realidade invisível que é tão ou mais importante que a realidade concebida em (1), e 3) aquele no qual o nada e a realidade são a mesma coisa, que tanto faz, que não existe sentido - a intoxicação filosófica da modernidade, chamada niilismo. Observo com tristeza que (3) tem se tornado prática corriqueira entre a classe "intelectualizada" deste país. Russell, um dos maiores matemáticos e filósofos do século XX, escreveu a esse respeito em seu ensaio Sobre o cinismo da juventude (ou qualquer coisa parecida), publicado no livro O Elogio ao Ócio. Ali o pensador demonstra como uma sociedade idealizada (e porque mais trabalharíamos, se não para melhorar o mundo em direção a algum ideal?) só pode ser justa e agradável se enveredarmos pelo pensamento, ou antes sentimento, explicado em (1).
Discordo do filósofo que disse que qualquer filosofia é ou pode ser tão boa quanto qualquer outra. Como espécie, já existiu um imperativo biológico que nos aconselhava preservar-nos. Como intelectuais, a disputa dos memes só pode ser enfrentada com um tipo de raciocínio positivo, superior, melhor, do que seja entendido como necessidade humana. Não o consumo, a propaganda, a economia. Sim os ruídos do corpo, a sabedoria no consumo do tempo, o lazer. Nascemos para nos divertir, mas trabalhamos para pagar um carro por preguiça de pegar ônibus. Estranha essa sociedade e seus muros.
Só podemos curar a doença de Gaia, curar nossa própria insanidade crescente, quando a tratarmos como um super-organismo biológico, do qual a biosfera e o resto, nós e nossas ações somos parte. Principalmente quando o nosso muro, aquele do início do texto, puder ser devidamente podado. Somos a geração da informação, e fileiras e outras fileiras de jovens não acessam nada disso. A maioria, por não poder; os que podem não querem; e os que querem são justamente aqueles que agravam a doença de Gaia. Realmente, a bondade e a esperança, o pensamento otimista, só são comuns – são até mais naturais - entre os menos favorecidos. Vejo uns poucos destes que têm boas intenções, e quem sabe sua origem social poderia torná-los mais sensíveis ao que deveria ser feito - mas raramente têm acesso à posição em que podem fazer algo. Ou são barrados ou ficam na porta, algo boquiabertos, sem saber o que fazer ou falar.
Senão nas construções de nosso saber, busquemos qualidade em sua fonte. Senão nos artigos, livros e idéias publicadas, na natureza da qual extraímos o que sabemos. O muro só é transposto quando olhamos para dentro, e isso vale tanto para o indivíduo como para a espécie. Mas estamos ainda à espera da parteira para dar à luz esta necessidade moral.
Algumas pessoas nascem bem e vivem a falar mal do mundo, como se estudassem para resolver os problemas dos outros antes dos seus próprios. E existem pessoas que nascem "mal" e estão por aí, sempre a sorrir. Pra que tanta filosofia, afinal?
Rodrigo de Loyola Dias
Manaus,
17 de agosto de 2007, 21:34h, 28,3ºC, 77% UMIDADE RELATIVA DO AR
Revisão na manhã seguinte, 12:25h, 29,3ºC, 71% URA
1 Comments:
Filhão,
li seu texto e gostei muito.
É fantástico ter um filhão como você.
Este texto é muito inteligente, parabéns!
Beijos.
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