Wednesday, February 27, 2008

Movimento e moral naturais

I. O movimento da natureza

Os cnidários inventaram o movimento corporal, os músculos e os nervos. Nervos, esses fios elétricos que definem nossa concepção comum do que seja um animal.

Revelação científica - é a hidra um animal ou uma planta? No século XVIII, quando descobrimos que tratava-se de um animal, o conhecimento avançou. O conhecimento avança.

A religião se sustenta. Sua função é proporcionar estabilidade, a função da ciência é proporcionar avanço. Os dois elementos são tão necessários à sociedade como são os músculos extensores e contratores para o movimento animal.

A revelação científica acontece sempre que um experimento derruba uma hipótese - no caso, a da hidra ser uma planta.

A revelação religiosa deve ser antiga e só acontecer uma única vez na origem da religião. Quanto mais antiga a revelação, mais a religião prova seu fitness - mostra sua capacidade de resistir às mudanças culturais, cumprindo o objetivo para o qual surgiu.

O problema é que, até o momento, a moral veio da religião, não da ciência. Até hoje, a ciência não pôde servir de guia moral à humanidade, porque não soube onde procurar a moralidade.

A religião foi o guia moral que funcionou enquanto a sociedade não mudou demais. Hoje, vimos que há ferramentas científicas para nos basearmos em uma moral "natural", uma moral que respeite ao máximo a maneira como a natureza nos desenhou.

Pois fomos criados - ou melhor, surgimos - à imagem e semelhança da natureza e não de um deus. Somos naturais, não divinos. O divino é um dos nomes do desconhecido. O conhecido pode ser conhecido por cada um, e mesmo que concentre o poder nas mãos do cientista, concentra bem menos que na mão do sacerdote. O cientista, individualmente, tem menos poder que o religioso. A ciência tem lutado desde seu nascimento para diminuir a concentração do poder no seio da religião ocidental monoteísta.

Religião é, até certo ponto que abrange quase a totalidade da experiência brasileira, monoteísmo. Mas o monoteísmo é a artificialização do conhecimento, sua manipulação por uma tribo de ladrões, treinados nas melhores escolas, com os métodos mais perspicazes e antigos para enganar, possuir e satisfazer suas vítimas ao mesmo tempo.

A civilização foi o advento da divisão de tarefas. Dando poder a animais-nações, cujos cérebros se auto-denominaram reis, czares, imperadores, o poder da civilização cultivou um pequeno e poderoso séquito que até hoje defende o animal-nação em detrimento do animal-indivíduo. Esta talvez seja a primeira diferença entre a direita e a esquerda, no espectro político.

A ciência foi o avanço que permitiu à sociedade sair da posição em que foi colocada desde a origem da civilização, quando os reis-imperadores-czares oprimiam os fracos tornados escravos. A ciência devolvou um pouco do poder ao animal-indivíduo, poder este que estava monopolizado pelo animal-nação e seus hemisférios cerebrais: o rei-czar-imperador e o sacerdote. A ciência não é o fim da civilização, e sim a realização de todo o bem que a civilização, na teoria, diz proporcionar. A ciência divide o poder, pois permite que mais pessoas o compreendam. E, plagiando um grande filósofo, podemos dizer que a natureza do conhecimento científico é tal que quem o compreende deve compreendê-lo necessariamente.

Mas a ciência ainda não encontrou a moral - e apenas por isso a religião monoteísta prospera.

A ética está no campo da filosofia, mas ainda é objeto de muita controvérsia. O que é o certo, quando existem tantas sociedades?

Por exemplo, como podemos permitir que haja uma direita e uma esquerda, quando uma democracia deveria ser a pesquisa das soluções que diminuam a desigualdade e promovam a diversidade? Na teoria é fácil.

Na prática, é insano que metade dos debatedores defendam uma suposta "esquerda", quando a outra metade defende uma "direita". Uma vez estabelecidos os objetivos do progresso, da civilização, da sociedade, da vida, o consenso deve ser buscado.

Dividirmo-nos é nos enfraquecermos.

Voltando aos animais, podemos entender quem ou o que nos criou, e este criador é a natureza. Não devemos desejar que seja externo à natureza, pois "devemos amar à natureza sobre todas as coisas". A natureza é visível, nos alimenta, nos aquece, nos refresca, mata nossa sede, proporciona diversão e beleza, nos dá esperança e nos consola nos momentos difíceis. Todos os povos extraíram sua sabedoria da natureza.

Entender como fomos criados é mais importante do que saber o que nos criou. Não devemos dar nome às forças ocultas na natureza; não sem antes termos compreendido a parte visível. Perguntemos com respeito e seremos respondidos.


II. A moral da natureza

Observando os animais domésticos e comparando-os com os selvagens, como não notar a beleza, a vitalidade, força e majestade destes, bem mais que daqueles?

O animal selvagem utiliza completamente os seus sentidos, órgãos e sistemas, já que funciona no ambiente "para o qual foi projetado", ou seja, onde evoluiu. Como um carro de corrida com pneus para chuva ou para o seco, que deve ser usado na ocasião adequada, com o risco de causar tristeza.

Quando tiramos o animal selvagem do meio onde evoluiu - onde está, por esta razão, melhor adaptado - observamos um decréscimo em sua vitalidade. Nem todos os sistemas orgânicos continuam funcionando bem, conforme os elementos do hábitat que deixam de estar presentes. Se não há mais madeira para escalar, as garras dos felinos crescem exageradamente. Se não há mais extensões a percorrer atrás de alimento, a gordura se acumula e prejudica o animal.

Todo sistema vivo descende de um sistema que acertou no passado. Quando mudamos o ambiente, outro tipo de sistema passará a ter êxito. As características que antes tornavam o organismo bem adaptado agora podem ser inúteis, e até prejudiciais.

Qual a moral dessa história para o homem? Estamos mudando o mundo. Hoje a maior parte das pessoas vivem num mundo de asfalto e plástico, petróleo e papel. Nossos sistemas biológicos estão prejudicados. As taxas de obesidade, miopia, depressão, ansiedade, stress, problemas cardíacos e respiratórios são anormais e crescentes. Isso no mundo rico. No mundo pobre, ainda não resolvemos as maiores causas de mortalidade: fome, doenças transmitidas por insetos e doenças sexualmente transmissíveis. Nossa saúde como espécie está em risco.

Nossa saúde está em risco?

Vamos decompor um pouco mais esse "nossa". A saúde de quem está em risco? E quanto?

Talvez a maior diferença entre direita e esquerda, no espectro político, é que a direita defende a saúde dos ricos - geralmente não enxerga a falta de saúde dos pobres - enquanto a esquerda considera que os ricos já têm saúde até demais. De fato, os pobres morrem por doenças contagiosas geralmente contraídas porque seus prefeitos não instalam um sistema de saneamento. Mas os pobres, assim como os ricos, também sofrem cada vez mais com as mesmas doenças que afetam os ricos: câncer, depressão, problemas cardíacos e respiratórios, etc. Quanto mais avança a urbanização, mais os pobres sofrem dos dois tipos de males.

Se tomarmos um partido, deveremos estipular quanto de saúde a mais os ricos precisam ter para continuar fazendo o trabalho estressante e de maior responsabilidade que (às vezes) costumam desempenhar, como médicos, professores, juízes, etc. Por exemplo, um juiz deve ter o direito a uma saúde melhor que a média, visto que um juiz doente pode prejudicar a saúde de muitas pessoas que não mais teriam acesso à justiça.

Mas não precisamos tomar partido.

Independente de quem tentemos defender, precisamos reconhecer em primeiro lugar que, comparados com o que éramos antes da civilização, somos pessoas doentes.

Diversos relatos de naturalistas em viagens para regiões longínquas do planeta disseram o mesmo dos aborígenes: suas culturas poderiam soar incompreensíveis à primeira vista - razão pela qual várias foram desprezadas e exterminadas - mas sua saúde e vigor físico eram admiráveis. Darwin escreveu isso sobre os moradores da Terra do Fogo, Wallace disse o mesmo dos povos do Pacífico, .............outros...

Podemos dizer hoje que eles morriam com 40 anos? Mas de que vale viver 80, se jamais alcançarmos 1/4 da vitalidade experimentada pelos antigos? Eu, pessoalmente, preferiria morrer com 40 tendo conhecido o máximo que a vida tem para oferecer. Conheço muitas pessoas que não exercem 1/10 dos instintos com e para os quais nossa espécie evoluiu.

O que seria, então, a moral? Uma moral natural?

Perguntar às pessoas honestamente, como você prefere viver? Exercendo seus instintos ou evitando-os? Prefere uma sociedade que privilegie a diversidade, a espontaneidade, a necessidade de saber defender-se, de cooperar e competir? Ou uma que privilegie o artificial, a desconsideração pelo instinto e pela vitalidade, a máquina substituindo nossos movimentos imemoriais e necessários ao bom funcionamento do organismo, a aglomeração urbana que coloca o indivíduo em situações nas quais ratos em uma gaiola já teriam abandonado a vida?

Esse é um momento importante para a civilização - um momento de crise e reflexão: qual será nossa resposta ao progresso, o seguiremos como peixes? Ou o determinaremos como humanos - pressupomos - racionais?

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