Friday, May 02, 2008

Viva-se a vida! Que vida?

"Ai! Vida!" eu poderia começar, ou "Ah! Vida!" e está claro como um mero j está já além da maior distância que se poderia conceber.

O medo e o êxtase talvez sejam os mais distantes opostos da experiência humana, e toda a existência da espécie parece ponderar se é ou não o equilíbrio entre ambos o que devemos buscar.

Mas oh! deuses! as alturas escaláveis são majestosas! Para subir do medo primitivo de trevas milenares até o êxtase sublime da arte ou da guerra é preciso mais que força, disciplina, método, talento e sorte: é preciso vontade, vontade de potência.

O que é o super-homem proposto por Nietzsche, senão uma espécie de nova Esfinge, um mistério ainda não elucidado?

Eu acredito que sua solução está na realização máxima dos vigores intelectual e físico, mas quem os tem a ambos? Ou se é um intelectual com uma barriga de cerveja, senão magro de todo; ou se é a virilidade na forma de músculos, incapaz de distinguir o necessário do contingente.

A sociedade não espera, ela teme o super-homem. O equilíbrio sempre foi o de massas ignaras e temerosas entre poucos bons. Mas se os bons na Europa medieval ou na China dinástica eram treinados nas artes do corpo e da mente, nas armas e nas letras, hoje isso parece não mais interessar. Um revólver transforma um ser vulgar num semi-deus; décadas de estudo aprisionam semi-sábios nas masmorras da especialização.

A massa que oscila entre o medo e o êxtase não tem mais os meios (que já foram abundantes) de conquistar a maestria nas artes físicas e mentais.

Colocar a culpa no progresso pode parecer retrógrado, mas as super-cidades são na verdade super-podridões poluídas de ódio e sujeira. As super-cidades são monumentos à elite, e a elite é um monumento à decadência, hoje ainda mais que à época do grande bigodudo.

Pode parecer ingênuo, rebelde, juvenil e redundante acusar o progresso, mas se por esse motivo apenas o continuarmos aceitando, teremos fechado as portas para uma verdade: que o ser humano se afasta, dia após dia, da humanidade, e segue a lógica torta de uma máquina que ele criou e que hoje o recria à sua imagem vil e semelhança desarmônica (consumo, tecnologia, lucro, individualismo e suas liberdades raramente questionadas, fundamentalismo econômico, religioso, social e moral). As sociedades estão infectadas pela obesidade e pela aflição, umas mais, outras menos. Não perdemos vício algum, como espécie, mas adquirimos muitos mais.

***

Valores espirituais são o fermento a alimentar o super-homem. Num mundo de quase sete bilhões de pessoas (e avante! como querem nossos governos e religiões), faz sentido perguntar se o valor espiritual do Estoicismo não suplantou já a Regra de Ouro de Confúcio. Viver com pouco, ser feliz com os recursos apenas suficientes não parece mais necessário até que não fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem? Não é um caso particular da regra geral, um caso particular cada vez mais urgente, considerados a desigualdade social e o esturricamento natural? Quero dizer, o Estoicismo não se tornou uma obrigação confuciana? Comprar o que não precisamos não é humilhar os que não podem ter o que precisam? Talvez devêssemos deixar de buscar o super-homem (ou de temê-lo) para buscar resgatar os sub-homens. E não se engane, para isso será preciso reverter tudo o que hoje é comum, e talvez a única forma de fazê-lo seja imbuir as crianças com o espírito do super-homem; qual seja, o de resgatar seus potenciais físicos e intelectuais - deixar de depender das máquinas, ter menos proteção paterna, desapegar-se dos sentimentos de posse, estudar filosofia, ler e discutir no lugar de ver TV (essa reprodutora do anti-super-homem), praticar atividades físicas, trabalhar e consumir menos, divertir-se mais, aceitar por vezes o tédio, entender as diversidades, reconstruir a moral.

Num mundo onde ninguém desperdiça riquezas, os miseráveis teriam menos o que odiar, e talvez mais com que alimentar seus apetites (sempre: físicos e mentais).

Que o super-homem permaneça um ideal, um norte, mas que deixemos o "progresso" de lado e passemos a seguir nessa outra direção, a direção do "Ah! Vida!"

3 Comments:

At 11:54 AM , Blogger Prós said...

Não sei se Nietzsche seria partidário do desenvolvimentismo, mas creio que não. Aqui na Europa não há esse tipo de sociedade do consumo que se vê nos EUA e no Brasil. As coisas aqui circulam e são revendidas. Aqui também existem pouquíssimas super-mega cidades e a densidade populacional dos países é bem espalhada... cidades grandes são tranqüilas e parecem cidades pequenas. O mesmo parece acontecer com os States, onde mesmo as pequenas cidades têm uma boa infraestrutura urbana.

Enfim, concordo que o consumismo desnecessário é foda... se é que é esta a questão.

 
At 1:31 PM , Blogger Rodrigo said...

Nietzsche era bem contra tudo o que é moderno apenas por ser moderno, e o desenvolvimentismo é apenas isso. A questão não é só o consumo desnecessário, é as pessoas serem cada vez mais dependentes de coisas. Tipo, há um século a maioria das pessoas precisava de saúde para ser gente. Hoje você precisa de uma geladeira, um fogão, uma TV, um celular, um carro, uma certa quantidade de roupas, e por aí vai. E as pessoas se drogam, fumam, bebem, apenas para tolerar a realidade e seu tédio gritante, perdem a saúde e não ligam pra isso, desde que possam ter todas essas coisas. A questão é: estamos perdendo a saúde e a sanidade (como indivíduos e como espécie) em troca de quê?

 
At 2:36 PM , Anonymous Anonymous said...

A sociedade hoje em dia compra o que não quer, para mostrar a outras pessoas quem não são. A facilidade em se comprar um carro zero, por exemplo, hoje um assalariado que ganha R$800,00 por mês, adquiri um carro zero.
Não dou mais 5 anos para o caos urbano total, trânsito caótico onde se leva + de 3 horas para se chegar ao serviço...
Qualidade de vida? Foda-se... Viva o consumismo...
Esse infelizmente é o lema...

 

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