Viva-se a vida! Que vida?
"Ai! Vida!" eu poderia começar, ou "Ah! Vida!" e está claro como um mero j está já além da maior distância que se poderia conceber.O medo e o êxtase talvez sejam os mais distantes opostos da experiência humana, e toda a existência da espécie parece ponderar se é ou não o equilíbrio entre ambos o que devemos buscar.
Mas oh! deuses! as alturas escaláveis são majestosas! Para subir do medo primitivo de trevas milenares até o êxtase sublime da arte ou da guerra é preciso mais que força, disciplina, método, talento e sorte: é preciso vontade, vontade de potência.
O que é o super-homem proposto por Nietzsche, senão uma espécie de nova Esfinge, um mistério ainda não elucidado?
Eu acredito que sua solução está na realização máxima dos vigores intelectual e físico, mas quem os tem a ambos? Ou se é um intelectual com uma barriga de cerveja, senão magro de todo; ou se é a virilidade na forma de músculos, incapaz de distinguir o necessário do contingente.
A sociedade não espera, ela teme o super-homem. O equilíbrio sempre foi o de massas ignaras e temerosas entre poucos bons. Mas se os bons na Europa medieval ou na China dinástica eram treinados nas artes do corpo e da mente, nas armas e nas letras, hoje isso parece não mais interessar. Um revólver transforma um ser vulgar num semi-deus; décadas de estudo aprisionam semi-sábios nas masmorras da especialização.
A massa que oscila entre o medo e o êxtase não tem mais os meios (que já foram abundantes) de conquistar a maestria nas artes físicas e mentais.
Colocar a culpa no progresso pode parecer retrógrado, mas as super-cidades são na verdade super-podridões poluídas de ódio e sujeira. As super-cidades são monumentos à elite, e a elite é um monumento à decadência, hoje ainda mais que à época do grande bigodudo.
Pode parecer ingênuo, rebelde, juvenil e redundante acusar o progresso, mas se por esse motivo apenas o continuarmos aceitando, teremos fechado as portas para uma verdade: que o ser humano se afasta, dia após dia, da humanidade, e segue a lógica torta de uma máquina que ele criou e que hoje o recria à sua imagem vil e semelhança desarmônica (consumo, tecnologia, lucro, individualismo e suas liberdades raramente questionadas, fundamentalismo econômico, religioso, social e moral). As sociedades estão infectadas pela obesidade e pela aflição, umas mais, outras menos. Não perdemos vício algum, como espécie, mas adquirimos muitos mais.
***
Valores espirituais são o fermento a alimentar o super-homem. Num mundo de quase sete bilhões de pessoas (e avante! como querem nossos governos e religiões), faz sentido perguntar se o valor espiritual do Estoicismo não suplantou já a Regra de Ouro de Confúcio. Viver com pouco, ser feliz com os recursos apenas suficientes não parece mais necessário até que não fazer aos outros o que não gostaríamos que nos fizessem? Não é um caso particular da regra geral, um caso particular cada vez mais urgente, considerados a desigualdade social e o esturricamento natural? Quero dizer, o Estoicismo não se tornou uma obrigação confuciana? Comprar o que não precisamos não é humilhar os que não podem ter o que precisam? Talvez devêssemos deixar de buscar o super-homem (ou de temê-lo) para buscar resgatar os sub-homens. E não se engane, para isso será preciso reverter tudo o que hoje é comum, e talvez a única forma de fazê-lo seja imbuir as crianças com o espírito do super-homem; qual seja, o de resgatar seus potenciais físicos e intelectuais - deixar de depender das máquinas, ter menos proteção paterna, desapegar-se dos sentimentos de posse, estudar filosofia, ler e discutir no lugar de ver TV (essa reprodutora do anti-super-homem), praticar atividades físicas, trabalhar e consumir menos, divertir-se mais, aceitar por vezes o tédio, entender as diversidades, reconstruir a moral.
Num mundo onde ninguém desperdiça riquezas, os miseráveis teriam menos o que odiar, e talvez mais com que alimentar seus apetites (sempre: físicos e mentais).
Que o super-homem permaneça um ideal, um norte, mas que deixemos o "progresso" de lado e passemos a seguir nessa outra direção, a direção do "Ah! Vida!"
3 Comments:
Não sei se Nietzsche seria partidário do desenvolvimentismo, mas creio que não. Aqui na Europa não há esse tipo de sociedade do consumo que se vê nos EUA e no Brasil. As coisas aqui circulam e são revendidas. Aqui também existem pouquíssimas super-mega cidades e a densidade populacional dos países é bem espalhada... cidades grandes são tranqüilas e parecem cidades pequenas. O mesmo parece acontecer com os States, onde mesmo as pequenas cidades têm uma boa infraestrutura urbana.
Enfim, concordo que o consumismo desnecessário é foda... se é que é esta a questão.
Nietzsche era bem contra tudo o que é moderno apenas por ser moderno, e o desenvolvimentismo é apenas isso. A questão não é só o consumo desnecessário, é as pessoas serem cada vez mais dependentes de coisas. Tipo, há um século a maioria das pessoas precisava de saúde para ser gente. Hoje você precisa de uma geladeira, um fogão, uma TV, um celular, um carro, uma certa quantidade de roupas, e por aí vai. E as pessoas se drogam, fumam, bebem, apenas para tolerar a realidade e seu tédio gritante, perdem a saúde e não ligam pra isso, desde que possam ter todas essas coisas. A questão é: estamos perdendo a saúde e a sanidade (como indivíduos e como espécie) em troca de quê?
A sociedade hoje em dia compra o que não quer, para mostrar a outras pessoas quem não são. A facilidade em se comprar um carro zero, por exemplo, hoje um assalariado que ganha R$800,00 por mês, adquiri um carro zero.
Não dou mais 5 anos para o caos urbano total, trânsito caótico onde se leva + de 3 horas para se chegar ao serviço...
Qualidade de vida? Foda-se... Viva o consumismo...
Esse infelizmente é o lema...
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