Carta a Aurora e outros "iluminados"
Semana passada eu recebi um comentário que me deixou incomodado. Uma suposta Aurora escreveu o seguinte:Olá Rodrigo
Estava procurando alguns artigos para uma pesquisa e li alguns dos seus textos. Considerando seu entusiasmo e seu pensamento estrutural, acredito que vc deva ter uns 20 anos... É sempre muito importante buscarmos conhecer bem e ter muita consciência do que falamos, admiro sua iniciativa de pesquisar as religiões que orientaram sua moral e seus valores, vc deveria ler Nietzsche... com alguma orientação claro... precaução pra que vc n pire de vez. Bem, já fui bem parecido com vc, nunca acredite nos outros, busque sempre a verdade, mas tome muito cuidado... vc me parece muito confuso, sem uma linha de raciocínio compreensível, vc tem muita sede de tudo, cuidado para n se afogar com um copo d'água... a vida é bem mais do que algumas críticas e muita falação. Se vc tiver o cuidado certo com o que escreve e com o que pensa, vc tem futuro garoto.
Apesar... bem... me entediou. Se vc deixar seus pensamentos amadurecerem mais pode ser que fique interessante ler o que vc escreve.
Bye
Aurora
Em primeiro lugar, Aurora concluiu, baseado no meu "pensamento estrutural" que eu devia ter uns 20 anos... O que quer dizer esse pensamento estrutural? E outra, em que lugar do país deverá morar Aurora, uma vez que eu não conheço ninguém com 20 anos que escreva sobre os assuntos que coloco aqui?
Quanto ao pensamento estrutural (?), eu tenho visto o seguinte: aos 20 anos, a pessoa está preocupada em saber o que acontece no mundo, muitos (ou talvez nem tantos quanto eu gostaria) discutem com os amigos questões metafísicas e transcedentais, filósofico-políticas, sociais e pessoais, participam de discussões em DAs e grêmios estudantis, enfim... dialogam para entender o mundo. As pessoas de 30 anos que conheci geralmente não tinham tempo nem interesse para nada disso. A maioria está preocupada em ganhar dinheiro, trabalham duro para poder dar aos filhos esses mimos consumistas que acreditam torná-los pessoas mais equilibradas (mas me parece que é bem o contrário). A maioria das pessoas acima de 40 anos que conheci já tinham um pensamento definido sobre como é o mundo. Quase sempre têm uma religião e não aceitam os argumentos mais racionais que apontam os pontos falhos dessas religiões, ou a maneira como a interpretam. Suas mentes estão blindadas. Pior, esse tipo de raciocínio só se agrava à medida que as décadas passam e se chega aos 50, 60, 70... É claro que a biologia é a ciência das exceções e aqui não seria diferente.
Por outro lado, também da biologia apreendemos que o ápice da vida física e mental de um ser humano acontece justamente por volta dos 20 anos. O conhecimento e a experiência aumentam com o tempo, mas o raciocínio geralmente parece diminuir. Com muito exercício pode-se manter o vigor intelectual, como o físico, por mais tempo, mas nada se iguala à juventude.
Assim, acho um elogio ser "confundido" com alguém de "uns vinte anos". Posso até dizer que quando tinha 20 anos meus textos eram bem mais claros, e imagino que a descoberta de tantas coisas boas e ruins sobre o mundo tenha mesmo me deixado bem mais confuso. Como reza um dos hinos do King Crimson: "Confusion will be my epitaph" ("Confusão será meu epitáfio", da música Epitaph, do disco In the Court of the Crimson King, 1969). Mas para quem nunca leu um pensamento diferente do seu (como quando lemos um filósofo pela primeira vez), é muitas vezes necessário parar e repetir cada frase, sob o risco de não entender absolutamente nada. É o que parece ter acontecido com Aurora. Meu namorado mesmo não tem 1/10 da sua correção gramatical, mas entende o que escrevo. Outras pessoas que jamais conheci me parabenizam pelo meu blog (várias perto dos 20 anos). Não devo ser tão confuso assim... Meu ponto de vista é que deve atordoar a maioria unida em torno de valores como pátria, religião e família? Vai saber...
Minha confusão só cresce a partir do momento em que pouquíssimas pessoas têm tempo, disposição e interesse para debater alguns dos pontos de vista aqui expostos, que podem ser qualquer coisa, menos ortodoxos. Como diz Aurora, a vida é bem mais do que algumas críticas e muita falação. Realmente, para a maioria das pessoas que conheço, a vida é tão-somente seguir seus ideais ou crenças cegamente, sem jamais colocá-los em xeque. Não filosofam, e afirmam categoricamente que acreditar e não acreditar são "apenas" visões diferentes do mundo, igualmente dignas, válidas e produtivas. Não preciso dizer o quanto discordo. Só digo que quem "acredita" costuma seguir dogmas dos quais nem desconfia.
O que me incomodou mais profundamente é que a mensagem que eu pensei ser honesta mostrou-se em seguida, sob um olhar mais atento, desonesta. A pessoa assina com o nome Aurora, mas diz "já fui bem parecido com vc". Das duas uma, ou Aurora era seu nome de guerra quando tinha uns 20 anos (e por que não, até hoje?), ou está me sugerindo, subliminarmente, para ler a obra homônima de Nietzsche.
Só posso dizer a Aurora o seguinte: quando você voltar para ver se eu já amadureci, certamente eu não serei o mesmo, e certamente o que eu serei dependerá muito das IDÉIAS que eu tiver compartilhado ou debatido com os outros. Se a sua única sugestão é para que eu leia Nietzsche com o cuidado de não enlouquecer, muito obrigado. Crescer em uma família católica já foi mais do que eu precisava para estar vacinado contra a loucura.
Um forte abraço,
Rodrigo.
PS: Um post antigo sobre essa questão da legibilidade: Da qualidade de um texto enquanto legibilidade.
2 Comments:
Bem interessante. Realmente não conheço ninguém de vinte anos que escreva com essa clareza de idéias que vc escreve.
Enfim, concordo com a Aurora no sentido de que seus textos são muito contundentes e mostram uma *revolta* que é característica da juventude. Acho que depois de passada a juventude, as pessoas acostumam que o mundo é podre e passam a viver suas vidas apesar disso e sem tentar mudar demais o mundo, olham mais para seus umbigos, de fato.
Eu vejo em seus textos confusão também. Há uma clareza das frases em si, dos parágrafos até. Mas o texto inteiro sempre me parece desviar do mais importante e partir para divagações aleatórias. Já discutimos isso. No fundo, acho interessante e característico como seu próprio estilo... mas acho que perde a qualidade como argumentação direta e contundente.
Esse argumento de "já fui parecido com vc e agora estou num lugar mais alto" é péssimo. Odeio ele e acho muito pobre. Por que mudou, Aurora? Em que mudou? Por que não concorda mais com argumentos contundentes? Se explicasse isso, seria mais interessante.
Enfim, engraçado é que algumas pessoas lendo as crônicas cotidianas já me disseram pensar que eu tinha mais de 50 anos. O que a melancolia e a revolta não fazem com as impressões etárias, hein...
Uma questãozinha a mais sobre auto-conhecimento...
Pra começar: não apele! Saiba aceitar as críticas e tentar enxergar-se através delas. É isso que vai fazê-lo evoluir seu auto-conhecimento.
Sobre esse assunto, tenho no momento uma banda que é razoavelmente ruim, embora 60% dos integrantes (a saber, 3)... acham a banda ótima e acham que a pessoa que diz que é ruim é uma pessoa idiota.
É preciso saber aceitar as críticas de forma a tentar-mos nos auto-conhecer e usá-las, em seguida, de trampolim para alcançarmos um patamar mais alto.
Enfim, é claro que vc sabe disso. Mas não apele, aceite as críticas e tente reler-se vez por outra como se não fosse vc que tivesse escrito algum texto. É difícil, mas rola. Eu gosto de ler de vez em quando textos que escrevi em questão de meses... sempre é possível ver que se poderia tê-lo escrito melhor ou que alguma coisa ficou muito forte, ou muito fraca ou muito piegas ou muito esquisita, sei lá. Dá pena de mudar e eu normalmente não mudo... mas conheço-me melhor assim.
Mas, é claro, posso estar falando um monte de abobrinhas ou mesmo chovendo no molhado.
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