Fadados ao fracasso
Quero defender algumas idéias que já foram ditas, mas que continuam precisando ser ditas. A saber:- a definição de religião é: monoteísmo;
- a moral não vem da religião, é antes um instinto humano naturalmente compartilhado por todos os povos em todas as épocas, regiões e culturas (da mesma forma que o DNA é compartilhado, ainda que carregue uma pequena variação - a variação é muito menor que o todo compartilhado);
- há dois tipos básicos de sentimento "místico": a religião monoteísta e a espiritualidade;
- a espiritualidade é também um instinto humano compartilhado por todos os povos;
- a religião (monoteísmo) é um fenômeno isolado, responsável por alimentar um pensamento, ou antes uma ausência de pensamento, chamada por Orwell de "duplipensar", contrário ao instinto racional, contrário à espiritualidade e contrário à moral;
- há dois tipos básicos de conhecimento: a mitologia e os conhecimentos parciais;
- a mitologia é o estudo de todo conhecimento humano, reunindo-o em cada época e lugar num todo coerente que mantenha em primeiro lugar a felicidade humana, a realização de nossos potenciais e a harmonia ecológica;
- os conhecimentos parciais são formas limitadas de pensar que brigam por dominação, uma vez que não têm um espaço institucional onde possam se unir e se somar;
- toda doutrina monoteísta (i.e. toda religião "sensu strictu") tem como primeira intenção expandir-se, insensível aos danos que sua expansão causa nas atividades humanas, na felicidade, na realização e na harmonia ecológica;
- todo sistema social sob uma doutrina monoteísta converte-se numa defesa dessa doutrina, mudando a história (para que acreditemos que o homem vivia sob condições desumanas antes de seu surgimento) e guiando a filosofia, a ciência e a sociedade;
- o "mundo ocidental", envenenado por um monoteísmo milenar, encontrou na ciência uma tentativa de cura. Porém, da mesma forma que água em quantidade pode matar alguém que morria de sede, também a ciência chegou desligada da moral instintiva e dos sentimentos naturais, tornando-se assim um veneno ao invés de cura, que transformou a sociedade ocidental numa predadora de si mesma e das demais sociedades;
- o erro de Descartes (considerado o pai da ciência e da filosofia modernas, sendo assim possivelmente o pai da civilização ocidental moderna) foi o de eliminar demais as possibilidades de conhecimento reduzindo-as a um mínimo insuficiente, causador das visões reducionistas posteriores.
Descartes
Descartes colocou em dúvida tudo o que via e sentia, exceto a própria razão. Fez isso em nome de um "rigor científico" ou "rigor filosófico". Seu erro foi o excesso de rigor.
À minha volta escuto aves cantando. Eu posso duvidar que alguma vez escute um canto de ave (poderia ser uma gravação, uma imitação, uma alucinação), mas eu não posso duvidar de que todas as aves existam, pois isso me levaria a duvidar de praticamente tudo que me cerca. Em seu rigor e em sua época, era exatamente isso que Descartes precisou ou quis, mas hoje, tendo a ciência devolvido um pouco de vida ao moribundo sedento, estamos novamente em condições de fazer melhor. Como as tribos chamadas "bons selvagens" (por acadêmicos defensores do sistema monoteísta, conscientes disso ou não), como essas tribos sabem bem, toda a nossa realidade é cheia de vida, de sentimento, de sensações. Nada disso pode ou deve ser sacrificado em nome da razão. A base para uma filosofia, para uma mitologia, para uma sociedade e uma civilização deve ser holística, não reducionista.
O que nossa civilização conseguiu com Descartes foi separar a razão da espiritualidade, partindo ao meio nosso ser, nossos instintos, nossas ferramentas cognitivas acumuladas na longa estrada evolutiva. Enquanto não reunirmos novamente os pedaços de nós mesmos, estamos fadados ao fracasso.
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