Sunday, July 18, 2010

Certas festas

Ah, a noite! Já não me bastava perder a terra sagrada para empilhadores de tijolos, precisava agora conviver com seus adoradores. Porque quando as pessoas se molham no sal da terra, a vida é clara e óbvia, mas quando crescem entre o concreto e tintas brancas, nada mais é certo. Tentei conversar com aquele ali de pé, alto e estrangeiro, mas ele se preocupava demais com a maneira como eu dizia as coisas. Por fim (que ele é amigo de um amigo meu), teve a humildade de me explicar que devemos fazer "como pessoas normais", "oi, tudo bem cara?" e não "e aí, beleza?" ou ainda "nada se sabe, quem sabe algo?" ao invés de "tem um fato que é o seguinte". E aí eu esperava que ele responderia "interessante esse fato, mas e se..." e assim poderia ter sido. Mas não praquele ali. Pra este não existem fatos, apenas teorias, apenas tentativas, abismos ambiciosos e prepotentes de um ser humano micróbio.

Mas não somos micróbios, e lá na minha terra sagrada isso era óbvio. Até mesmo aqui, conversei com um rapaz do interior que entendeu claramente o que eu dizia, e se discordasse dizia direto o ponto de discórdia, e não o contrário, que não havia pontos de discórdia. Que "é muito mais legal assim". "Por que você está sempre discutindo?" perguntaram conhecidos do bípede alto que não se senta no chão. "Por que você não pode só, tipo, interagir com as pessoas?" Concordar? "Por que você não pergunta, e aí, e o jogo do flamengo?" Isso me deixa embasbacado. Quando falo filosofia com analfabetos sou melhor recebido. Os pseudointelectuais das universidades e departamentos de pós-graduação não acreditam em polêmica. As contradições, para eles, não devem ser esclarecidas. Pelo contrário, devem perpetuar-se, multiplicarem-se como se fossem pássaros, borboletas, flores! Não podemos chegar a nenhum conhecimento, fazemos pesquisa apenas por ser nossa profissão, não existe verdade. O que buscam, então? Salários.

Me pergunto num instante de bebedeira: sou eu o cínico, ou são eles? Sou transparente, parte em dúvida, parte acreditando que algumas das coisas que aprendi fazem bastante sentido. "Não, nada faz sentido, cale-se e seja apenas parte da multidão." Ou "algumas coisas fazem mais sentido que outras, mas quem pode saber?" Parte da falange. Mas não sou um osso. Sou um pássaro, um lagarto, um babuíno, um homem. Não sou uma engrenagem nem um fantoche de sorrir e dizer obrigado. Tenho sangue em minhas veias, não óleo e graxa. "Falar como pessoas normais" é o que espera todo platônico, a maioria dos que vêm daquelas terras gélidas onde a vida não sorri, onde os belos se escondem e vivem solitários. Onde os belos guardam sua beleza para fantasmas, para o amanhã, para a morte? Onde discutir não é mais um prazer. Onde se regula as frases, os gestos, onde se calcula com precisão quais músculos da face pressionar e liberar, e se deixa de discutir não só por ignorância, mas também porque está na moda ser ignorante, quero dizer, não discutir.

Pois sim, sou este monstro que gosta de discutir. Tenho prazer no debate, na argumentação. A conversa ideal seria:

- A.
- Não, B.
- B faz sentido em certo ponto, mas neste outro ponto é A.
- Hmmmm. Talvez. Mas talvez seja C e D.
- Ou C e E?
- É, pode ser.

E isso já daria o que pensar por um intervalo de tempo suficiente para observarmos nosso hábitat e o que mais vier. E neste curto diálogo, evoluímos de A e B para C, D e E. Não estamos mais como estávamos antes. No outro dia quem sabe chegaremos a J. Mas só se pudermos discutir como quem acredita que seja possível saber alguma coisa. Saber mesmo. Como quem sabe em que estação tal árvore dá frutos. Ou em que lugar tal bicho faz ninho. Ou como cativar uma cunhantã doce, ou como distrair um curumim agitado, ou como falar em público, como ser um bom prefeito, como fazer justiça, como fazer uma lei que não defenda apenas aquele cavalheiro bípede que não se senta no chão.

Essas coisas que podem ser complexas como a fórmula química da glicose, ou muito mais. Mas se ignoramos a fórmula química da glicose, ou o lugar onde tal bicho faz seu ninho, então que tipo de visão temos da realidade das coisas, do que podemos fazer, do tipo de conhecimento que passaremos às novas gerações? Serão eles consumidores estúpidos, serão eles cientistas apáticos, serão eles burgueses convencidos, serão eles pessoas felizes e conformes, ou carregarão consigo os dilemas trágicos que o homem traz das selvas africanas? Cabe a nós. Cabe a mim, cabe a você. Desçamos do muro.