Freud explica
"Se, depois de nos orientarmos, nos voltarmos outra vez às doutrinas religiosas, podemos repetir: todas são ilusões, são indemonstráveis, e ninguém pode ser obrigado a tomá-las por verdadeiras, a acreditar nelas. Algumas são tão inverossímeis, se encontram de tal modo em contradição com tudo que descobrimos arduamente sobre a realidade do mundo, que podem ser comparadas - considerando devidamente as diferenças psicológicas - às ideias delirantes. É impossível julgar o valor de realidade da maior parte delas. Assim como são indemonstráveis, também são irrefutáveis. (...)"Neste ponto, pode-se estar preparado para a seguinte objeção: 'Bem, se até os céticos encarniçados admitem que as asserções da religião não podem ser refutadas pelo entendimento, por que não devo acreditar nelas, visto que possuem tanto a seu favor - a tradição, a concordância das pessoas e tudo o que há de consolador em seu conteúdo?'. Sim, por que não? Da mesma forma que ninguém pode ser forçado a crer, ninguém pode ser forçado a não crer. Mas que ninguém se compraza no autoengano de que com tais justificativas está seguindo os caminhos do pensamento correto. Se a condenação de 'desculpa esfarrapada' cabe em algum lugar, então é aqui. Ignorância é ignorância; dela não deriva nenhum direito de acreditar em algo. Nenhum homem racional se comportará tão levianamente em outros assuntos nem se contentará com fundamentações tão miseráveis para seus juízos, para sua tomada de partido; ele se permite isso apenas em relação às coisas mais elevadas e mais sagradas. Na verdade, são apenas esforços para criar a ilusão, diante de si mesmo e dos outros, de que ainda se acredita na religião quando há muito já se está desligado dela. Quando se trata de questões de religião, as pessoas se tornam culpadas de todo tipo de insinceridade e maus hábitos intelectuais. Há filósofos que expandem o sentido das palavras até que estas mal conservem algo de seu sentido original; chamam de 'Deus' qualquer abstração nebulosa que criaram e então são deístas, crentes em Deus, diante de todo mundo; podem até se vangloriar por terem descoberto um conceito de deus mais puro, mais elevado, embora o seu deus seja apenas uma sombra sem substância e não mais a personalidade poderosa das doutrinas religiosas. Há críticos que insistem em declarar que uma pessoa que reconhece o sentimento da pequenez e da impotência humanas diante do todo do mundo é 'profundamente religiosa', embora não seja esse sentimento o que constitua a essência da religiosidade, mas apenas o passo seguinte, a reação a esse sentimento, a busca de auxílio contra ele. Quem não vai adiante, quem se conforma humildemente com o papel insignificante do homem na vastidão do mundo, é antes irreligioso no mais verdadeiro sentido da palavra."
- Freud, O futuro de uma ilusão. Ed. L&PM Pocket. Pp. 86-89.
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