Wednesday, July 13, 2011

BH e seus dilemas...

De volta a BH, sinto-me um estranho no ninho. Cresci aqui na capital mineira entre tantos bairros onde morei, mas viver no Amazonas, a terra dita selvagem, abriu meu espírito para percepções de outra forma inexistentes. É como se, aqui em BH, o coração e a mente pulsassem nos 60 Hertz da corrente elétrica, e apenas passando bastante tempo longe disso podemos deixar a Natureza nos devolver o ritmo natural, que é certamente de 10 Hertz pra baixo, talvez 1, ou mesmo 0,01. É como ao sairmos de um quarto iluminado para a noite escura, nossos olhos levam minutos pra se acostumar e conseguir ver. Ou, saindo de uma festa barulhenta, nossos ouvidos precisam de tempo pra poder ouvir os menores ruídos que emanam da selva vizinha. Tudo leva tempo, e ainda mais quando a exposição ao excesso de ruído dura toda uma vida.

Agora, retornando, posso observar comportamentos que antes achava naturais - e por isso mesmo não os via. A gentileza precisa ser ensinada, reforçada quase na base do eletrochoque. Os nervos andam à flor da pele, um carro que reduz a velocidade inesperadamente causa gritos, buzinas, palavrões, suor e lágrimas, quando não tiros. Qualquer acidente é motivo para proibirem festas no campus universitário. O trote está PROIBIDO no campus, assinado A Reitoria. Não se tenta humanizar as práticas tradicionais, não se busca resgatar o folclore, os valores, os ritos de passagem - basta destrui-los todos em nome de uma nova modernidade, mais silenciosa, mais trabalhadora, mais eficiente, mais submissa e, principalmente, mais satisfeita.

O século XX criou três das mais famosas distopias: 1984, de George Orwell; Fahrenheit 451, de Ray Bradbury; e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. O primeiro trata de um futuro sem liberdade, onde um Estado totalitário cuida de cada detalhe das vidas de todos os cidadãos, uniformizando seus pensamentos e abolindo a criatividade. O segundo trata de um futuro onde os livros são proibidos e queimados, mas a tecnologia permite uma televisão gigante em cada sala, de conteúdo progressivamente superficial e babaca. Já o terceiro trata de um futuro onde a felicidade "perfeita" é obtida com produtos químicos, e as pessoas são produzidas em série, adaptadas às suas respectivas funções desde o nascimento, segundo hierarquias rígidas de habilidades manuais e cognitivas. Agora, na segunda década do admirável milênio novo, podemos ver que Huxley e Bradbury passaram mais perto que Orwell. As televisões são cada vez maiores, e quando não se está na frente da TV pratica-se uma forma curiosa de solidão em grupo na frente dos computadores. A era da imagem dominou os cérebros dos grandes macacos, cuja visão é o sentido dominante desde os primeiros primatas. Não se lê, as aulas são dadas em vídeo, então nem mesmo a queima de livros é necessária. No mundo da "liberdade", alega-se que o Estado Mínimo é a saída para fugirmos do inferno de Orwell, mas ignora-se que o capitalismo matou e mata tantas pessoas quanto o comunismo. As perguntas certas ainda sequer foram feitas, e ainda assim acredita-se - demais! - no progresso.

O admirável mundo novo em que chegamos foi cuidadosamente planejado por alguém. Em 1949, Mao tomou a China com a ajuda das foices camponesas. Hoje 90% da população brasileira é urbana, e não levantarão suas faquinhas de manteiga nem contra um exército de três infantes. A paz, ansiada e ensinada pela igreja, foi finalmente aprendida pela população "de bem", e é por isso que só os malvados ficam lá fora roubando e matando, mas ainda bem que temos aqueles jornais sanguinolentos na hora do almoço e da janta, para nos lembrarmos que a polícia é necessária e boa, e que quanto mais violenta, melhor. Afinal, só batem em gente má. E gente má vai pro inferno, então uma coronhada e uma cassetada não são nada, em comparação. Não, não, não, peraí! Ironia tem hora - e com o nível intelectual a que chegamos, ironia só atrapalha. Falemos sério.

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