Alguns fatos por trás da "crise brasileira" (entre eles a crise mundial)
Para entender por que a mídia brasileira tenta afastar o PT do poder
desde muito antes de 2002, é preciso entender que ela serve aos interesses dos verdadeiros donos do país, que nunca foram eleitos e certamente nem moram aqui.
Por que criticariam tanto o PT, se dados do Banco Mundial apontam que o nosso PIB aumentou 59,9% (de 2,107% para 3,369% do PIB mundial) entre o seu ápice anterior (cerca de 1980) e o mais recente (cerca de 2010)?
Crescimento ainda mais espetacular se medido apenas durante os 8 anos do governo Lula (de 1,480% para 3,369% do PIB mundial, um crescimento de 127,6%).
Por que
favoreceriam tanto o PSDB, mesmo quando os mesmos gráficos mostram uma queda significativa do mesmo indicador desde os anos 1990 até 2002, último ano de FHC?
(Clique em um gráfico para ampliar.)
E o que teria causado a redução, ainda que pequena, entre 2010 e 2014? O governo Dilma (como anuncia a mídia em tom que beira a histeria), a crise em outros países com quem o Brasil tem mantido relações econômicas, o sensacionalismo da mídia afetando o humor dos mercados, uma combinação de todos esses fatores? Sabemos que o governo Dilma manteve o mesmo projeto político que garantiu o sucesso do governo Lula, principalmente na área social. Também sabemos que as crises globais intermitentes se transformaram numa constante após 2008, graças à ação (ou omissão) dos órgãos reguladores estadunidenses e internacionais, que deveriam monitorar a saúde do sistema financeiro e punir agentes irresponsáveis, mas que, ao contrário, mudaram as regras do sistema para favorecer esses mesmos agentes (leia
aqui e
aqui). Sabemos que essa crise, que completará agora 8 anos, foi tão ruim que está sendo comparada com a famosa crise de 1929 (exemplos
aqui e
aqui). Também sabemos que muitas das denúncias de corrupção que agora estão sendo investigadas a fundo já haviam sido denunciadas
há muito tempo, mas que durante os anos de
FHC e seu "engavetador-geral da República" foram devidamente abafadas, com ajuda da grande mídia.
Todas essas questões deveriam ser trazidas ao debate público, muito antes dos gritos alucinados de "impeachment", cujas razões já conhecemos bem.
Se acrescentarmos outros países, podemos fazer uma comparação melhor:
Alemanha e França, tidas pela elite tupiniquim como alguns dos maiores gênios sobre a Terra, já perderam quase metade de seu poder econômico desde os anos 1980. A Inglaterra segue ritmo parecido, ainda que um pouco mais suave.
Se acrescentarmos China e Japão, temos o próximo gráfico:
O crescimento da China já não é mais novidade, o que poucos sabem é a queda quase equivalente do Japão, o "amiguinho do Império Americano na Ásia".
Finalmente, se acrescentarmos os donos do Império, o gráfico chega em sua forma final:
onde o declínio do Império Estadunidense se torna palpável, ainda que aconteça em diferentes fases:
1) de 1960 a 1980: a revolução cultural dos anos 1960 parece abrir duas décadas de democratização mundial. A contracultura, com seu auge entre a maconha que Bob Dylan teria oferecido aos Beatles em 1966 e o Woodstock de 1969, mais o desgaste da imagem dos EUA no Vietnã dentro do próprio país, no mínimo coincidem com uma era de crescimento de outras economias, num cenário onde antes os EUA abocanhavam 40% do PIB mundial. 20 anos depois, este número havia caído para 25%, talvez num efeito deliberado pelos estadunidenses (precisavam de compradores para seus produtos?) ou talvez em boa parte por um efeito demográfico? Ou, quem sabe, por uma real redução de poder?
2) Nas duas décadas seguintes, temos Reagan e Thatcher e suas políticas neoliberais; temos a inflação descontrolada nos países "emergentes" (como Brasil e Argentina, que viriam a se curar curiosamente na mesma época, 1990-1994). Tínhamos ainda o domínio da economia estadunidense, aliada a uma política externa entreguista nos países dominados pela direita, que permitiram aos EUA crescer novamente, de cerca de 26% para cerca de 32% do PIB global. Como já sabiam os antigos, toda ação causa uma reação, e a degradação do nível de vida causada pelas políticas neoliberais do fim do século XX reforçou no povo a necessidade de mudança. Com a chegada da Internet, a hegemonia da grande mídia foi furada, primeiro lentamente, depois de forma avassaladora, fazendo a esquerda vitoriosa em regiões crescentes do planeta. Esse fenômeno culminou, no Brasil, com a eleição de Lula em 2002, quando começa a fase seguinte.
3) A partir de 2002, a participação dos EUA no PIB mundial cai de quase 35% para quase 25% em 2012. Uma queda de 10 pontos percentuais, ou uma redução de quase 30% em 10 anos! Que se deve em parte ao crescimento da China, que foi de 4% para quase 12% no mesmo período, ou seja, triplicou! E não sozinha, já que a esquerda recém-empossada fez com que muitas nações deixassem de ser o capacho dos EUA que eram nas mãos da direita, passando a negociar mais com o gigante asiático, e também umas com as outras, pobres com pobres, pois a solidariedade é mais comum entre os que têm pouco.
Agora resta saber se a podridão financeira antes dominada por FMI, Banco Mundial, Wall Street, Washington, FED, etc. será substituída por uma política mais plural ou se são, no fundo, todos farinha do mesmo saco. O futuro dirá, embora a propaganda tenda a dizer o contrário (a não ser que vc tenha metade dos canais orientais, e metade ocidentais, nos próximos anos, quão provável é isso? E mesmo que tenha, é preciso ter ouvidos para ouvir...)
Os dados são do Banco Mundial (
http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD). Após a divisão dos dados de cada país pelos dados mundiais, a tabela final é exibida abaixo.
O arquivo com os cálculos pode ser obtido
aqui.
Um gráfico mais detalhado, feito no
software R (os anteriores foram feitos no
LibreOffice), para alguns países e um período mais extenso, pode ser visto abaixo. Os países são BRA=Brasil, CHN=China, DEU=Alemanha, FRA=França, GBR=Grã-Bretanha (Inglaterra+Escócia+Wales), JPN=Japão, USA=Estados Unidos. As linhas verticais indicam intervalos de 5 anos. As linhas horizontais indicam intervalos de 1% do PIB mundial (o eixo Y está numa escala logarítmica para facilitar a comparação entre os países).
O arquivo csv com os dados também pode ser obtido
aqui. O script do R que criou o gráfico acima,
aqui.
Adendo
Caso alguém pense que o governo do PT "foi como outro qualquer" e que "apenas aproveitou o bom momento econômico deixado por FHC", talvez os gráficos abaixo mostrem a implausibilidade dessa ideia. Talvez não. Como se diz, "o pior cego é o que não quer ver" (alguns não querem ver nem mesmo as manipulações da mídia).
Índice de Gini brasileiro, segundo o Banco Mundial. Quanto menor o valor, menor a desigualdade econômica. Muitos têm apontado evidências mais diretas, como o fato de os pobres agora poderem ter equipamentos de TV, máquina de lavar, fazerem viagens e comerem em restaurantes. Os ricos contudo, talvez ilhados em suas torres de marfim, não vivem perto o suficiente do "povinho" para enxergarem isso.
Índice de Gini mostrado de forma diferente. É visível a abundância de miseráveis em 1999, bem como sua substancial redução em 2009.
Mas a luta continua.
A criação de regras resolveu o problema do mal?
A questão do bem e do mal, e como cada povo a tem explicado.
Quem veio antes, a ideia de um Deus ou de vários deuses?
A resposta a essa questão depende do povo que a responde: muitos monoteístas dizem que o monoteísmo veio antes. Mas não é o que a geografia parece mostrar. O mapa-múndi está repleto de povos com mitologias tão diferentes quanto suas próprias linguagens.
Na maioria delas, o panteão mítico era ou é habitado por seres ultra-humanos, mais especificamente uma COMUNIDADE de tais seres. E
assim como acontece com os animais e plantas, cuja distribuição geográfica é raramente a mesma entre duas espécies, também os habitantes desse panteão variam segundo a nossa posição no globo terrestre. Este é um ponto importante, porque espécies animais e vegetais diferentes ocupam hábitats diferentes, assim como os diferentes deuses e deusas servem a diferentes propósitos. E assim como é o povo o guardião de uma língua, é o mesmo povo o guardião dos seus mitos e divindades.
Este cenário foi predominante na maior parte da superfície terrestre por milênios de ocupação humana, onde cada região apresenta, ainda hoje, uma raça diferente, reconhecível nas portas dos restaurantes caros, onde geralmente só podem pagar aqueles mesmos que trouxeram o "deus único", chamado por eles "Deus", como que aniquilando num simples passar de borracha a diversidade de todo um planeta. A mesma estratégia foi usada mais tarde pelos ingleses, esse povo antipático, justamente porque anti-empático. Não vê o outro em si. Não vê a si no outro. Darwin, o típico inglês, laborioso, incansável, grande herói da ciência, não via nos aborígenes senão aberrações de um "ideal platônico": o Adão loiro das frias latitudes. Foi preciso um Wallace -- não por acaso relegado a segundo plano -- para ver as semelhanças antes das diferenças. Mas poupemos Darwin, sua ideia de uma Árvore da Vida, é digna de substituir a Cruz da morte pregada pelos brancos que dominam -- e demonizam -- Continentes.
Qual a estratégia que seria usada mais tarde pelos ingleses? Batizar dois de "seus" maiores países com o mesmo nome de um Continente (ou parte) que contém vários Estados-Nação. Assim os Estados Unidos da América -- que não são, como o nome faria supor, uma ALCA estendida -- costumam abreviar-se como "América", num dos mais gritantes caso de falta de modéstia deste Hemisfério. O outro caso inglês é a África do Sul, que não é nem metade da África, nem um quarto, e nem mesmo uma oitava parte (para ser preciso, ocupa apenas 4% do Continente Africano). Contudo, usa um nome como se representasse, quem sabe, a quarta parte do Continente Africano, berço da humanidade desde muito antes daqueles ancestrais já tão longínquos que muitos sequer toleram sonhar. E ainda assim, preferem se separar como podem da população local, dona de riquíssimos conhecimentos, porque é assim que se mantém uma raça reconhecível o bastante para ainda se acreditar herdeira de seus heróis e mártires, por covardes e violentos que tenham sido.
Assim também estes homens e mulheres, seguidores deste ou daquele livro, versão ou tradução, costumam posar de donos do único livro relevante da história do Mundo. Reparem que uso Mundo com M maiúsculo, e livro com L minúsculo, uma vez que o Mundo é maior do que qualquer livro. E os donos do livro, que preferem escrever Livro, acabam escrevendo mundo assim, com M minúsculo, colocando a mitologia de um povo -- de um único povo, entre tantos outros -- como única mitologia válida em todo o Mundo. Pior, em todo o Universo! De tal forma que, numa postura ainda mais drástica que a dos EUA e da África do Sul, o seu deus deve ser o único, nem mais nem menos. O deus de um povo do deserto fará parar de chover na Amazônia, antes ou depois de matar a sua última divindade?
Voltando à questão das regras. É evidente que cada povo tem suas próprias regras. O que menos gente sabe é que algumas dessas regras parecem ser observadas em todas as culturas conhecidas. Um antropólogo chamado Donald Brown as nomeou 'Universais Humanos' (
Human Universals): rir, chorar, contar piadas, registrar o parentesco, ter tabus contra o incesto e contra o assassinato de membros do bando, entre outros. O número de traços registrados chega perto de duzentos. Talvez tantos traços em comum tenham uma origem biológica, inata, mais antiga até que nossos parentes primatas mais próximos. Vários deles são observados não apenas em chimpanzés, mas em outros primatas e até outras ordens de mamíferos (filhotes brincam nos mamíferos em geral, chimpanzés fazem brincadeiras e riem delas, e também foram observados isolando uma fêmea estéril após ter matado o filhote de outra, como relatou Jane Godall em '
Uma Janela para a Vida').
Sendo assim, nossas similaridades significam que a espécie humana muito provavelmente pode conviver em paz. Os povos de uma região não são tão diferentes dos povos de outra região. Todos contam piadas. Todos têm indivíduos que se embriagam de vez em quando, que brigam por ciúmes e que pulam a cerca. Então será mesmo tão difícil conviver?
Claro que, se cada povo ficasse em sua terra (respondendo àquela máxima de Lao Zi de "amar a própria roupa e o próprio lar") os conflitos seriam reduzidos. Ainda assim, os seres se multiplicam, sejam bactérias, insetos, cereais ou pessoas. E onde antes comiam 10 agora comem 20, 30, 100... cedo ou tarde o conflito se torna inevitável.
Então, qual a origem do mal? Seria como perguntar: qual a origem do bem?
Talvez um precise do outro para existir. O alto não existe sem o baixo. O claro não existe sem o escuro. Tudo são contrastes, opostos, variações entre os extremos de diferentes réguas que formam a nossa interpretação do mundo. Tudo faz parte da existência. E, ainda assim, cada povo criou regras adicionais às que já parecem ter sido dadas pela Natureza no nosso longo processo evolutivo. Mas essas regras combatem efetivamente o mal? Ou, quanto mais tabus, maior a miséria (outro ponto de Lao Zi)?
Um equipamento para manter o conforto térmico de um edifício tem uma peça chamada Termostato. Quando está quente demais, ele manda esfriar; quando está frio demais, ele manda esquentar. Se essa peça quebra, a máquina deixará de funcionar, e seus usuários sofrerão, seja de frio ou de calor.
O mal se parece com esse afastamento do estado ótimo de um sistema. Mas como podemos conhecer o estado ótimo do sistema humano? Conhecendo o ser humano. E como se conhece o ser humano? Aprendendo línguas, conhecendo culturas. Quanto mais diferente a cultura, maior o ângulo de visão do cenário ao redor. Como uma ilha, um lado pode ter montanhas, e o outro planícies e desertos, e ainda assim todos terão vida. Enzimas têm uma temperatura ótima, por isso nós também temos uma temperatura ótima. Como poderíamos pensar o que é bem e mal do ponto de vista da enzima, sem conhecer o seu ponto ótimo? Assim, como podemos pensar o que é bem e mal do ponto de vista humano, sem conhecer os ciclos e fluxos em que a Natureza humana tomou forma? Lao Zi também disse: conheça o mundo sem sair de casa. A Natureza humana é a mesma, e as nossas maiores alegrias e maiores preocupações são basicamente as mesmas de quando nos escondíamos em cavernas de pedra, sem ar-condicionado, eletricidade ou escrita. Podemos ter hoje um doutor com muitos prêmios e honrarias, mas que não conhece a fundo a Natureza humana como uma pessoa dita "ignorante", sem estudos mas com os olhos abertos para tudo o que a Vida lhe ensinou, e com uma raiz próxima dos conhecimentos dos antigos, ainda ligados à Natureza e sua imensa sabedoria.
O referido "doutor", justamente por não ter virtude, precisa passar a aparência de possui-la. Enquanto o "ignorante", justamente por ter virtude, não está preocupado em demonstrá-la. Isso também ensina Lao Zi, quando fala sobre a Espontaneidade. Assim, o "ignorante" pode passar a vida em meio à Natureza, seja de árvores, pessoas ou pedras, e ainda manter a serenidade sem precisar fingir que sabe. O "doutor" por sua vez, para esconder a falta de conteúdo, passa a afirmar mais do que sabe, como já notaram Schopenhauer (
A Arte de Escrever) e Renato Russo ("
falam demais por não ter nada a dizer"). Assim tais "doutores" preferem adotar um sistema cheio de regras, de difícil assimilação -- um sistema que eleva alguns a "líderes", rebaixando outros a "servos". Os que dominam o elaborado sistema de regras conduzem o restante. Existe portanto uma oposição entre sistemas simples, de um lado, e sistemas complexos, de outro. Os sistemas simples têm o potencial de ser dominados por todos, são uma extensão mínima, um traje leve de verão, sobre os instintos sociais acumulados no tempo evolutivo. Os sistemas elaborados são propositalmente elaborados, de forma que diferentes e extensos sistemas de escravidão possam ser construídos e mantidos por bastante tempo (séculos, milênios).
Exemplos de sistemas simples: o Taoísmo, na China, e as culturas de povos de tradição oral, em vários Continentes. Exemplos de sistemas complexos: os sistemas com grandes livros, como o Confucionismo (em comparação com o Taoísmo) na China, e os grandes monoteísmos, Judaísmo, Cristianismo e Islamismo, que avançaram sobre a maior parte do planeta, como já vimos.
Os sistemas complexos constituem emaranhados de regras, muitas vezes contraditórias, que exigem o intermédio de um desconhecido -- padre, pastor, advogado ou juiz -- entre a pessoa comum e a realidade do Universo. Os sistemas simples, aplicados principalmente em pequenos agrupamentos humanos -- mas cujos ensinamentos já foram usados com sucesso em diversas ocasiões em agrupamentos maiores -- também são por vezes contraditórios, e parecem complexos à primeira vista (principalmente para quem foi educado sob um regime dominado por um sistema complexo). Mas, justamente por serem simples, tendem a ser uma explicação da Natureza humana, e não um combate da mesma. Suas contrariedades refletem contradições naturais, não são brechas para aproveitadores togados. "Um pássaro na mão vale mais do que dois voando", mas "Quem não arrisca não petisca" -- os dois ditados são válidos, mesmo sendo opostos, pois as circunstâncias variam.
Confúcio e Cristo têm em comum a suposta missão de "salvar o homem". Os taoístas dizem que não há do que salvá-lo, a não ser de sua própria procura por respostas. Quando uma pessoa reconhece que não tem as respostas -- e que elas talvez nem existam -- volta imediatamente a se ver livre das perguntas. Nas palavras de Lao Zi, "volta a ser criança". Pode assim conhecer os diferentes povos e ver neles as semelhanças antes das diferenças. Pode assim conviver em paz com o diferente dentro e fora de si, ainda que não precise, pois ama e é amado no próprio lar. É possível aprendermos a amar o distante, e não apenas o próximo. Basta lembrarmos que todos os animais já nascem com o instinto do amor, e que entre as espécies sociais, a violência tende a ser ritualizada e reduzida sem que ninguém precise enunciar regra alguma. Nas palavras do Dao De Jing: "O respeito à Natureza e o valor à Espontaneidade não vêm de uma ordem, mas se expressam naturalmente."
"Parem de pregar o amor, e o povo encontrará de novo o amor natural", ensinou Lao Zi, sem ser ouvido pelos pregadores do amor, esses destruidores do diferente, esses semeadores de desertos (já repararam como as bancadas religiosas do Congresso são muito parecidas com a bancada do agronegócio?).
"Encha o mundo de tabus e a pobreza se espalhará" - Dao De Jing 57
Minha conclusão é de que as regras servem para manter grandes desigualdades, não para reduzi-las.
Retrospectiva 2015
2015 chega ao fim, o que não quer dizer nada além de uma marca arbitrária no espaço-tempo. Mas se é hora de relembrar e fazer planos, que seja.
Aqui ainda é tarde alta, mas na casa dos meus pais será fim da tarde, a última tarde do ano. Horário meio melancólico, talvez eu devesse ter ligado mais cedo, em horário mais alegre. Será melhor ligar agora ou mais tarde, no ponto alto da noite? Tanto faz, provavelmente. Por que penso tanto? Porque me ensinaram que isso é bom? Mas nem tudo que é bom em certas doses será melhor em doses maiores. Parece que nada funciona assim. Bondade em excesso deixa os santos desconfiados. Paz em excesso é alienação. Amor em excesso é desespero. Então, pensar demais anestesia, adormece, nos afasta até de nós mesmos. Por isso talvez escolhemos outras formas de narcose, o vinho, os sonhos, a religião.
Por mais que tentemos falar de nós mesmos, acabamos falando dos outros. E quando tentamos falar dos outros, invariavelmente falamos de nós mesmos.
Mas o que aconteceu, então, de notável no ano que passou? Uma imagem ficou na minha mente: a Rede Globo, em jornal de grande audiência, comparando dois movimentos em favor do impeachment -- um no início, outro no final do ano. O primeiro, lotado, centenas de milhares de pessoas ocupando uma grande e famosa avenida no coração da direita nacional. O segundo, meses depois, mostrava apenas duas aglomerações, cada uma com uns poucos milhares, se tanto. Quando uma rede, que há muito se pauta pela parcialidade e por diversas formas de manipulação, de repente se mostra imparcial, ajudando a desmontar a própria rede de intrigas que ajudaram a construir, é claro que o santo desconfia. Os ratos também abandonam o navio que afunda. Por isso mesmo, num ano marcado pelo desconforto político, me pareceu um bom desfecho. Mas devemos já ficar otimistas?
As pessoas -- principalmente a mídia -- ainda falam no clima. Falam demais no clima. Parece que nunca falaram tanto. Mas não falam muito das causas maiores das mudanças, não só climáticas: desmatamento, espécies exóticas, superpopulação humana, cultivos insustentáveis e poluidores... está tudo errado, mas só falam em abstratas negociações entre homens engravatados, que sequer parecem viver dentro do clima das regiões que visitam... será que realmente se preocupam?
Este ano um acidente no coração da engrenagem brasileira teve os seus "15 minutos de fama": Mariana, Minas Gerais. O Golfo do México de 2015. Fukushima. Chernobyl. Só que pior. Os outros desastres tinham todos os aspectos da inevitabilidade. Este também? Ou, de fato, nenhum deles? Quem fiscalizava a empresa, afinal? A própria empresa? Provavelmente sim, a legislação ambiental vem sendo desmontada há anos. "É preciso", quando a galinha de ovos de ouro está pra morrer: matá-la logo. Por que nem o sistema de alarme funcionou? E por que a mídia brasileira fala de resíduos não tóxicos, enquanto a mídia estrangeira fala em resíduos tóxicos? Alguém falou que em 5 meses tudo estaria limpo novamente. Algumas fontes citaram 5 anos, o que parece mais realista (e ainda assim pouco). Mas a maior parte da mídia fez ctrl+c, ctrl+v no 5 meses. Acalmar os ânimos é a maior prioridade. Lao Zi diz que as armas da nação não devem ser mostradas ao povo, como o peixe não deve ser retirado do fundo. Aqui poluímos o fundo, matamos os peixes, e não deixamos de mostrar as armas da nação e toda a sua destruição, até mesmo na hora do almoço.
Alguns anos atrás a criação de rádios comunitárias era
assunto de polícia (federal!), com acusações de formação de quadrilha, muita truculência e uma morosidade histórica na concessão de licenças, mesmo longe de aeroportos. Então foi feita uma legislação sobre o assunto, que legalizava as rádios comunitárias, desde que fora do dial. Isso mesmo, a faixa autorizada estava alguns MHz à esquerda da posição onde o ponteiro (analógico ou digital) alcança. Por que uma mão tão pesada sobre a comunicação? Hoje a rádio comunitária é um alto-falante de feira. Para quem esperava carros voadores e internet para o século XXI, o primeiro ainda é um sonho (ou pesadelo?), o segundo por enquanto resiste em liberdade.
Na TV, um cenário parecido (ou pior?). Quando a TV foi criada, era como o telefone: o emissor e o receptor custavam o mesmo. A diferença estava numa antena poderosa o bastante (e não cabos), para que um pastor pudesse ordenhar imageticamente um rebanho de milhares, de milhões de ovelhas-primatas, cujo cérebro sensitivo parece depositar suas maiores energias na visão, como nos
outros primatas. Assim, a TV desbancou a fogueira como centro de atenções da família que se reúne no aconchego da noite. E, como nas rádios comunitárias, uma mão pesada também decide os níveis aceitáveis de democracia comunicativa: níveis muito baixos. A TV aberta é dividida entre VHF e UHF, tendo a primeira cerca de 15 canais, e a segunda mais de 100, dentro da faixa especificada na legislação. Ora, se temos cerca de 150 canais disponíveis, por que a maioria das cidades tem apenas cerca de 15 canais em funcionamento? Onde está a diversidade de pontos de vista? Ora, diversidade de pontos de vista nunca foi o forte de nenhuma civilização monolítica como as civilizações monoteístas. A pluralidade defendida pelos teóricos do posmodernismo não passa de uma bravata: ao recusar a maior veracidade de certos pontos de vista sobre terceiros, a consequência lógica é um imenso "tanto faz", onde vencem os antigos detentores do poder, que sem a devida regulação,
aumentam cada ano mais a extensão de sua rede de influência. Basta lembrar como mesmo a TV a cabo era bem mais diversificada do que hoje (em termos de país de origem dos canais disponíveis).
As perspectivas de curto prazo, os "gráficos históricos" de curta duração, todos fazem parecer que tudo vai como sempre foi, ou até melhor, ou talvez um pouco pior. O que não permitem é uma perspectiva realista do ritmo com que estamos destruindo vários tipos de diversidade de forma catastrófica. Como já dito, o importante é não despertar a comoção popular. Sabem que pisam em ovos.
No cenário internacional, a China se tornou líder econômico mundial, segundo o PIB e talvez o comércio internacional, abriu bancos internacionais de desenvolvimento para competir com Banco Mundial e FMIs da vida, e
modificou a cotação da sua moeda de forma a inclui-la entre as grandes moedas de negociação global. Tudo isso nos últimos anos. O Ocidente está
um pouco assustado. Por outro lado, o chamado "Estado Islâmico" tem tirado o sono de outros tantos. Sem saber bem com o que estamos lidando, as antigas opiniões sobre muçulmanos radicais e homens bomba agora se somam a um fluxo ininterrupto de imagens de barbárie, assassinatos crueis e decapitações. Multidões oprimidas em suas áreas de origem fogem para a decadente Europa, apenas para serem rejeitadas por um povo cada vez mais assustado. Mortes no mar se somam à torrente de imagens que marcarão gerações. A reação das forças imperialistas é previsível: aumentar a austeridade, aumentar a violência policial, conduzir políticos carismáticos e genocidas à chave das bombas.
Ou talvez nada disso seja mais necessário: a força foi necessária para conter revolucionários até meados do século XX. Então a própria razão da sua fé começou a ser atacada: a lógica que contrapõe revolucionários e reacionários, a lógica que conta a história como um movimento biológico de organismos reais. Essa lógica "materialista" não foi necessariamente atacada, mas submersa num oceano de pseudo-diversidade de pontos de vista, onde qualquer ponto de vista é válido, onde "não existe verdade", onde o ruído é maior que o sinal. Em meio à balbúrdia e à desinformação, os impérios continuam mudando de forma e se aglomerando, se reconstruindo e se fortalecendo. A pseudo-diversa internet é dominada por poucas empresas. Quem quer desenvolver neste ambiente está preso a umas poucas linguagens, html, php, javascript, css... Tem muita gente achando que o Facebook É A Internet. E a maioria dos jornais continua não colocando links para aquilo que citam. Apesar de terrivelmente subutilizada, toda a rede é ainda observada pelos novos profetas, pelos novos oráculos, pelos novos sacerdotes: os ocultos mestres da tecnologia da informação, os líderes mundiais da segurança de redes, alguém sabe quem são?
Em 2016, muito provavelmente nada disso melhorará. Pelo contrário. Então, olhemos para dentro e perguntemos: o que podemos fazer para NOS melhorar?