Thursday, March 22, 2007

Desabafo

Dei duas voltas no prédio e não encontrei uma única razão pela qual me orgulhasse em ser humano. O que vejo todos os dias fere meu sentimento social de um ser agregado. Ainda se as pessoas se agregassem feito os bichos que somos, segundo uma hierarquia natural, mas ainda conscientes de nossa identidade como espécie, mas os cachorrinhos de madames são mais "gente" que meus vizinhos.

Se ao menos a educação fosse uma vacina contra essa cegueira, mas não: o cidadão educado e culto prefere sua TV à vida do próximo, e mesmo os cristãos matam por vingança quem só se parece com o miserável que estuprou alguém, talvez sua mãe, algum dia.

Um menino foi arrastado por quilômetros, mas enquanto um país é arrastado à penumbra do descaso e da injustiça por séculos, a classe média se lamenta com pesar a perda de mais um dos seus, sem querer enxergar a raiz do problema.

Cada milhão desviado por nossas elites, cada dente perdido para o abandono, cada mente vazia, desperdiçada e contaminada pela mediocridade do que foi há cinco décadas a esperança de uma multidão mais informada (leia-se TV), tudo isso é omitido em nome do choro jubiloso de uma elite que quer ter do que reclamar. Que precisa ter. A mesma elite que, incrédula, pergunta para onde vai nosso país, só porque precisou esperar dez horas no aeroporto, é a elite que não tem um parente esperando dez anos pelo fim de uma pena que já acabou, nem precisa esperar dez anos pela falsa esperança de que uma escola pública transforme seus filhos em gente que não apanhe da polícia, apenas por parecer suspeita.

Em meio a tudo isso, o que restou senão a noite misteriosa, a noite dos tempos, das dúvidas, da sociedade moderna, caótica e infeliz, cambiante de vultos e sombras, negra em seus mistérios naturais, silenciosa pela exceção dos grilos e corujas; bela e majestosa noite, que até a ti querem pôr fim. Seus sapos e suas lagoas devem ceder à pressão moderna, à modernidade que era até Thoreau apenas medíocre, e que hoje se mostra nociva ao olfato, à visão, à toda sensibilidade externa aos muros que se pretendem incólumes. Mas o seu dia há de chegar, cúpula nefasta, se não na esperada e justa revolução, se não na aurora do apocalipse que nos atacará a todos, ao menos no desgaste eterno do medo; medo de uma sociedade que não tem nada a perder, e que pare mil filhos por segundo, dispostos a atemorizar até o último beneficiário deste sistema vil. Quem tem cu tem medo, mas quem acha que caga sabonete, que tema o terror enquanto viver.

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