Saturday, March 24, 2007

Prevaricação e costumes

Estou pensando em mandar um memorando para meus chefes aqui em Manaus e em Brasília.

MEMO xxx/2007 - IBAMA/NUC/AM


Prezados senhores,

Discuti recentemente sobre o direito ao vestuário no órgão público, pois considero seus direitos de conduta deturpados. Num país tropical, ganho o bastante para ter um carro, e devo tê-lo com ar-condicionado - é seu refrão. Temos o bastante para condicionar o prédio, então para quê construi-lo ventilado, como faziam os "índios" até bem pouco tempo?

Vivemos a noite da história, as conseqüências da aglomeração industrial e econômica. Antes éramos mortos por cobras, não por balas. Analfabetos, mas comunitários. Hoje, a autoridade, que jamais em nosso país primou pela competência, EXIGE que ao menos na APARÊNCIA sejamos competentes. A competência de fato é acessória, prescindível; a aparente, não.

O direito à diversidade é mínimo. As "pontas" são sempre, ininterrupta e invariavelmente ignoradas. Brasília detém porção considerável (se tanto) do conhecimento técnico do órgão, mas NADA do prático. Enviam seus representantes aos quatro cantos, mas estes só repousam nos melhores pousios, só comem e bebem do melhor. Que distância da população para a qual trabalham, que dizem representar! Representamos apenas pessoas bem vestidas, de hábitos aprazíveis e calculados, de interesses previsíveis, e que não têm contido o desmatamento que a história registra.

Talvez menos mal que nada. Mas estou farto de ver a incompetência camuflada, permitida, tolerada. Cansei de ver pessoas torpes acumulando poder, pessoas inúteis que só batem papo, viagens a serviço apenas por diárias, serviço apenas por viagens, ações por interesse, projetos sem resultado, quando não fingidos, benefícios, opacidade, omissão, desordem, desinteresse, apatia, intrigas, desperdício, INCOMPETÊNCIA. Estou farto das piadas de amigos e colegas, que vêem, como todo brasileiro, o funcionário público como uma corja ultrapassada e rica, uma corja de raposas interesseiras, auto-interessadas, corporativistas e incompetentes.

Ações simples levam décadas; simples respostas, meses.
Tarefas que deveriam ser básicas, anos.

As ONGs são muito mais eficientes que nós, pois costumam pôr em primeiro lugar o respeito ao funcionário, seu treinamento, NÃO sua mordomia.

A maneira de se vestir, por exemplo, camufla muita coisa. Acreditar e praticar que num órgão público deva-se trajar algo SUPERIOR ao "populacho" é apenas uma maneira de disfarçar nossa inaptidão congênita como órgão. Mas não há discussão, tudo vem de outros ministérios, de antigos e longínquos ancestrais, além daquele território sobre o qual deve inquirir o funcionário padrão - quase todos eles. Quem quer falar sobre a própria incompetência? Sobre todos os atrasos, ausências, omissões e prevaricações que se vê quase todos os dias? Sobre os abusos de autoridade, as punições só para os pobres, o fisiologismo político, todo o mau planejamento, má gestão, má educação, o despreparo de quase todo o corpo técnico, o mal-uso e desperdício do recurso financeiro, que deveria ser usado para QUALIFICAR nossa mão-de-obra, ao invés de bancar os passeios dos considerados de Brasília e de seus quintais. Não estranha que o orçamento da SUPES-AM tenha sido cortado em ainda mais 30%. Para onde ia esse dinheiro? Que cortem ainda mais de Brasília!

O poder absoluto corrompe absolutamente; o poder público corrompe em público. Mas o povo com seu pão e circo não quer saber. Mal distingue o funcionário público do político corrupto; são mesmo muito parecidos, em sua incapacidade de resolver problemas e seus bolsos cheios. Será que esse povo desrespeitado nos direitos mais básicos vai mesmo se preocupar se o servidor que o atende está de bermuda? Numa cidade onde é este o traje habitual de uma parcela expressiva da população? Ou se o atendeu com gentileza e préstimo? Que lhe foi útil, não ficou apenas revolvendo a burocracia e empurrando o problema aos outros - práticas das mais comuns? Que soube ver resultados, meios e fins para a CONSERVAÇÃO, não apenas a LEGISLAÇÃO?

O serviço público é engessado, paga bem seus funcionários para que aceitem o status quo e o modus inoperandi. Estou farto disso tudo. Mas é difícil abdicar de uma vida tão doce, tão endinheirada e pouco exigente. Alguns de nós trabalha muito sem pressão alguma, mas são poucos, e a pressão também. Logo, trabalha-se pouco. Se fosse um direito comum ao brasileiro, ótimo. Mas às vezes sinto vergonha por todos nós. Não vou abandonar meus pais com quase sessenta anos e ainda pagando aluguel. É a única razão que me impede de pedir demissão. Mas posso ter outro emprego, embora saiba que na iniciativa privada teria muito menos tempo que dedicar às belas-artes, à filosofia, à ciência.

Fica aqui então um desabafo, que seja para deixar registrado um período de nossa história, meu ponto de vista. Que sejamos todos mais eficientes e voltados a resultados do que temos sido até aqui. Agradeço a atenção dispensada e subscrevo-me.

Rodrigo de Loyola Dias
Analista Ambiental/NUC/AM.

3 Comments:

At 4:26 PM , Anonymous Anonymous said...

Este texto não deveria ser apenas um memorando aos seus chefes que o leriam e diriam "pff..." engavetando-o em seguida.
Este texto deveria ser uma carta aberta aos seus chefes e à população, através da imprensa. Textos seus já foram publicados no Observatório da Imprensa e creio que este e outros meios, como a revista Caros Amigos por exemplo, possam gostar do conteúdo.

Sorte!

 
At 11:15 PM , Blogger Rodrigo said...

Realmente...

 
At 6:45 PM , Blogger Unknown said...

rodrigo loyola!!!

saudades.
se não for pra indochina, vou praí (manaus) no fim do ano.
Qual seu mail???

fegold@uol.com.br

 

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