Wednesday, December 19, 2007

A modernidade tem pressa - pobre modernidade!

O poeta caminha entre o emaranhado de cipós da caatinga de sua consciência. Não quer ser impelido para a frente, pois na floresta não há "frente", há um espaço, apenas. Mas o mundo corre, é o que dizem, e até as crianças querem já ser as primeiras a chegarem; até elas nos impelem. O mundo não corre, este é o fato da natureza, mas o mundo que corre não quer saber de fatos. O mundo que não corre, o mundo mundo, mundo mesmo, gira. Gira em torno de si mesmo, para não chegar a lugar algum. Gira em torno de si num sistema que caminha espaço adentro, em direção ao nada escuro da Via Láctea, para depois de sabe-se quantos anos, voltar ao mesmo lugar, um ou dois anos-luz mais pra cá ou mais pra lá, quem notaria a diferença? Se a própria Via Láctea caminha rumo a lugar algum, como bilhões de outras galáxias... ah! Afirmarão então que o Universo se expande, e com isso quererão justificar sua caminhada para a frente, seu progresso, sua noção de direção e sentido tão bem definidos, a impelir-nos, os outros que não queríamos ainda ir "para a frente".

Não existe para a frente. Não existe progresso. Não existe essa direção certa e necessária a que nos impelem com fúria cega. A não ser que sejamos lemingues, aqueles mamíferos estúpidos que se reproduzem até a exaustão, para em seguida pularem num abismo, preservando assim o alimento da geração seguinte, descendentes dos poucos que não pulam. Não, não somos lemingues, somos piores, muito piores! Nossa divina vaidade nos impede de pularmos nos abismos que poderiam salvar o futuro, mas não nos impede de cavarmos o Abismo com nossos próprios calcanhares e tecnologias "futuristas". Antes era nada se cria, nada se destrói, tudo se transforma. Hoje querem que tudo se miniaturize. E está aí seu futuro, sua direção certa e infalível. Tecnologia. Eletrônica. Progresso.

Como uma turba de lemingues apavorados, corremos rumo ao futuro e nos esquecemos de olhar para trás e ver o que ficou, o que faltou, o que destruímos e o que deveríamos reconstruir. Um Yanomami me propôs um enigma: "o homem branco não sabe nada, o Yanomami sabe tudo". Ora, a minha sociedade branca e estúpida não sabe nada? Sabemos até o peso atômico do vanádio! Sabemos a densidade das luas de Júpiter! Sabemos em tempo real quando as celebridades se casam e quando se separam! Sabemos tirar foto com o celular, e se já não temos mais alma, como poderíamos roubá-la? Como, não sabemos nada? O Yanomami sabe muito, disso não posso duvidar. Depois de muita luta, conseguiram seu pedaço de terra, onde vivem como sempre viveram, e com tempo de sobra para escolher o que mudar e o que manter. Reúnem-se para conversar, fazem festa quase todos os dias, não precisam usar gravata, não se cansam nem se estressam por um trânsito monstruoso. Suas crianças nadam como peixes, seus adultos caçam como predadores; as crianças têm a seriedade ingênua dos deuses, e os adultos, a despreocupação alegre das crianças. Como poderíamos saber alguma coisa, se não sabemos mais nem isso?

Movimento, movimento. Qual autoridade nos ensinou a pensar que o movimento é melhor que o repouso? Que a mudança é melhor que estar parado? A igreja é inimiga de todas as formas de pressa, nos lembrou Antônio Callado, e está aí há milênios. Ao menos isso poderíamos aprender com ela. Não deveríamos parar para pensar? Como os gregos, que podiam até limpar a bunda com a mão, mas ao menos *paravam*, que fosse num pé só, para pensar.

O poeta não tenta derrubar os cipós, nem cortá-los. Apenas se desvia deles, com assombro e admiração. Com uma certa inveja, talvez, de criaturas tão perfeitas que tiram sua vida de uma existência pendente e despreocupada. A floresta-caatinga estava aqui muito antes dele, e muito depois que ele se for, uma parte dela restará, que sejam suas árvores, que sejam suas sementes, que sejam seus micróbios, que seja o pó. Mas o poeta nada levará por muito tempo, apenas o desgosto de ver que todos ainda correm, e correm, e correm, e correm, e correm, e correm, e correm...

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