Tudo de novo, do início
Cada sistema de pensamento é uma tentativa de dar um valor útil às palavras. Útil porque o mais verdadeiro possível. Os animais também se apegam a um tipo equivalente de utilidade, quando emitem sinais para se comunicarem. As palavras chave aqui podem ser economia e felicidade ou bem-estar. Podemos mudar as palavras chave, podemos mudar o sistema de pensamento, podemos mudar o sentido das palavras, nada nos impede disso. Mas é um fato, uma vez que pode ser medido, como alguns sistemas são mais eficientes que outros, como as pessoas vivem melhor, sentem-se melhor com certos conceitos que com outros. E quem dita esses conceitos? Quem os tem ditado?- A religião, através de uma imposição de certos mitos.
- A mitologia, através da apresentação e do estudo dos mitos.
- A ciência, através de um método de correção de erros.
Comecemos pela ciência: a invenção do microscópio e do telescópio são talvez igualadas apenas pela invenção da linguagem e da matemática (invenção ou descoberta? Qual a diferença entre inventar o microscópio e descobrir que certas lentes dispostas de certa forma permitem o aumento da visão?). Invenções muito superiores ao avião ou à televisão. Essas duas mudaram nossas vidas, mas não mudaram a visão que temos de nós mesmos.
As formas de pensamento discutidas por Ernest Gellner (Pós-modernismo, Religião e Razão) são mutuamente excludentes porque incompletas. A não ser que analisemos a Razão corretamente. Nos termos de Gellner, Razão parece ser usado em relação à Ciência e ao Positivismo, ideal de progresso, e tudo que tem caracterizado o mundo Ocidental nos últimos seis séculos. No restante do mundo, seja na China ou entre os índios do Amazonas, Razão é aplicada para um conhecimento bífido: o mesmo homem que conta histórias morais para o seu filho constrói a casa da família. Não há fronteira entre a ciência e a filosofia, ética e moral. Todos os aspectos são analisados imparcialmente sob o que chamam de Mitologia. No Ocidente, a Ciência e a Filosofia estão separados, e é fácil (e tentador) para nós imaginarmos a Mitologia indígena ora como Religião, ora como Filosofia. Mas ela é, provavelmente, tudo isso mais Ciência.
À questão "o que é a verdade?", as três categorias de Gellner provavelmente dirão:
a) não há Verdade,
b) a Verdade é revelada por inspiração divina,
c) a Verdade existe como fato, realidade, encoberta por mil véus; a ciência, com o auxílio da filosofia, é um método de erguer véus, de eliminar erros que passariam despercebidos numa análise pouco minuciosa.
De volta ao microscópio.
Por que o microscópio seria uma invenção (ou descoberta) tão sensacional? Porque nos permitiu chegar onde não chegávamos antes, porque aumentou a Resolução da nossa imagem do mundo. Compare um mapa das Américas de 1510 com o Google Earth, antes uma parcela maior da Verdade permanecia encoberta, se compararmos com hoje. Conversando, sempre temos a possibilidade de aumentar a Resolução de nosso entendimento mútuo, e eu acredito ser este um bom ponto de partida para tentarmos entender o que seja a Verdade.
O mundo é toda a verdade que temos, e talvez toda que precisamos. Jamais saberemos ao certo se a Verdade é única ou se existem "erros na Matrix" - ou seja, se o universo é sujeito a erros, correções, mudanças factuais. O universo segue regras como uma máquina? Ou, como uma máquina mais elaborada, apresenta erros de arredondamento, comportamentos emergentes que jamais serão preditas por todas as regras que conhecermos?
A resposta para isso é que estamos nos afastando demais do que interessa. Os prédios dificilmente cairão de uma hora para outra, ainda que Newton seja incompleto. As pessoas dificilmente seriam convencidas a morar no campo apenas por não haver constância ou "Leis" no universo, por "tudo ser possível". Precisamos acreditar em tanta coisa, para tornar a vida viável, que a escolha de em que acreditar é muito mais importante do que cogitar se existe ou não 1 Verdade.
Partindo do pressuposto que o mundo é grande e lento o bastante para que nós possamos compreendê-lo (exatamente como uma pessoa pode sair da reta de um rinoceronte enfurecido, e pela mesma razão que a maioria das carapanãs escapa da nossa mão), qualquer motivo para negar conhecimento é não apenas fútil, mas pernicioso. O materialismo é admitir que a matéria é "morta" o bastante para que possamos prever seu comportamento. O resto é bastante possível, mas quando vidas humanas estão envolvidas, não é mais sensato analisar o que todos têm a dizer, mas com o objetivo de chegar a algum conhecimento? A um consenso?
Creio que um ótimo assunto para um cientista social seja o consenso. Onde ele existe? Como se chega nele? Quais os métodos que diferentes povos desenvolveram, e quais os conceitos que os diferentes grupos têm associados à idéia de consenso?
Em que nível o consenso é permitido? Talvez ele só seja possível até um número X de pessoas, e a partir daí sejam necessárias formas que substituam o consenso. Nascem os Impérios e seus exércitos, nascem as castas, nascem a democracia, o sufrágio universal e a propaganda.
Mas deve haver uma diferença entre um grupo que entende por que alcançou o consenso, que saberia explicar - ao menos homogeneamente - porque aquela saída é a melhor, e um que não entende. Não é questão de o entendimento do primeiro estar certo ou errado, é questão de seu entendimento de mundo ser comum, possibilitando a transparência, a honestidade, a harmonia que é talvez um pré-requisito do bem-estar que chamamos de felicidade.
Este povo estará disposto a entender um forasteiro, ouvirá suas idéias e tentará compreendê-las, e se houver tempo provavelmente um encontrará nos mitos do outro os seus próprios conceitos, e quantos conceitos irredutíveis há, senão aqueles enunciados por Gellner? Mais uma vez: Pós-modernismo, Religião e Razão?
Não existe regra racional para a certeza, para a Verdade, para a felicidade.
Existem regras emocionais. Quando a razão aprende a ouvir a intuição, a emoção, o inconsciente ou subconsciente, sem desprezar os métodos de maximizar a razão (ou seja, o método científico, a filosofia e os mitos) - a discussão deverá ser possível entre quaisquer dois seres humanos do planeta, assim como o consenso.
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