Monday, April 21, 2008

Tao Te Ching 11-20

11

Trinta raios se encontram no centro da roda,
mas é o buraco central que lhe confere utilidade.
Com argila ao redor se faz um pote,
porém seu uso vem do espaço interno vazio.
Abrindo porta e janela fazemos um quarto,
mas é o vão central que utilizamos.
Assim, a matéria nos traz benefícios
mas é sua ausência que nos é útil.


12

Cinco cores deixam a visão cega,
Cinco sons deixam o ouvido surdo,
Cinco sabores atordoam o paladar,
muito trabalho enlouquece a mente,
bens preciosos prejudicam a competência.
Assim, o sábio age como uma barriga, não como um olho,
pois deixa ir o ausente para ficar com o presente.


13

Tema igualmente o favor e a desgraça,
a honra e a calamidade são produtos do corpo.
O que quer dizer "tema igualmente o favor e a desgraça"?
O favor tende a acabar-se,
obtê-lo causa espanto,
perdê-lo causa espanto,
é o que significa "temer igualmente o favor e a desgraça".
O que quer dizer "a honra e a calamidade são produtos do corpo"?
Sofremos por ter um corpo,
se pudéssemos não ter corpo, sofreríamos?
Portanto, valorize o mundo como a si mesmo,
como se dele pudesse depender;
ame o mundo como a si mesmo,
como se pudesse carregá-lo nas mãos.


14

Olhe-o e não o verá, é chamado "estrangeiro";
ouça-o e não o escutará, é chamado 'raro';
não é possível tocá-lo, é chamado 'profundo'.
As três abordagens não o permitirão conhecê-lo,
mas misture-as e obterá a unidade.


15

Os antigos conhecedores do Tao tinham um conhecimento sutil e profundo,
porém impenetrável.
Não podendo alcançar seu conhecimento, tentemos ilustrá-lo:
cuidadoso! como quem atravessa um rio congelado;
alerta! como quem entra em território inimigo;
respeitoso! como um hóspede;
expansivo! como o gelo que derrete;
puro! como madeira recém-cortada;
amplo! como um vale;
opaco! como o lodo;
calmo! como o mar;
como o vento que sopra nas alturas, irrefreável.
Quem espera a sujeira decantar até ver a limpidez em suas águas?
Quem pode cessar o movimento até que o movimento surja espontâneo?
Aqueles que mantêm essa vivência do Tao não desejam estar completos.
Não estando completo é possível ocultar-se para ressurgir renovado.


16

Concentre-se em esvaziar-se por completo,
e em guardar a mais sincera tranqüilidade.
Todas as coisas agem em união,
nós as vemos se repetindo continuamente.
Todas as criaturas crescem,
e cada uma delas retorna um dia à sua origem.
O retorno à origem se chama repouso,
o repouso é o destino da vida.
O destino da vida é chamado invariável,
conhecer o invariável se chama inteligência.
Negar o invariável leva a atitudes importunas e terríveis.
Conhecer o invariável nos torna receptivos e tolerantes,
sendo receptivos e tolerantes nos tornamos justos,
sendo justos nos tornamos íntegros,
sendo íntegros nos tornamos como o paraíso,
sendo como o paraíso encontramos o Tao,
o Tao nos faz perdurar longamente,
com ele a morte do corpo não é mais uma ameaça.


17

Os maiores mestres não são sequer conhecidos,
depois vêm os mestres amados e aplaudidos,
depois aqueles temidos,
depois os repudiados e insultados.
Quando a confiança é insuficiente, não há confiança.
No passado como era preciosa a palavra!
O trabalho cumprido, era o povo quem dizia: "nós o fizemos".


18

Quando o grande Tao é abandonado,
surgem a benevolência e a moralidade;
quando a inteligência surge,
surge com ela a hipocrisia;
quando as relações familiares entram em atrito,
surgem a piedade filial e a devoção;
quando a nação desmorona em caos,
surgem ministros leais.


19

Abandonemos a santidade e a sabedoria,
e o povo será beneficiado cem vezes;
abandonemos a benevolência e a moralidade,
e as pessoas recuperarão o amor e a bondade naturais;
abandonemos o gênio e os lucros,
e não haverá mais ladrões nem roubos.
Esses três, contudo, não são suficientes.
Devemos então nos concentrar em:
enxergar os elementos básicos,
abraçar o que é simples,
evitar o egoísmo, desejar pouco.
Abandonemos a necessidade de estudos e a tristeza acabará.


20

Concordar e fingir, qual é a diferença entre os dois?
O bem e o mal não parecem distantes?
O que as pessoas respeitam, não podemos deixar de respeitar -
Bobagem! Isso está longe do ideal!
Muitas pessoas são joviais e brilhantes,
como se divertindo na maior das celebrações,
como a primavera quando chega.
Eu estou só e parado, não emito sinais,
estou nas trevas como o bebê que ainda não nasceu,
exausto, como os que não têm um lar para onde voltar.
Toda a multidão tem mais do que precisa,
mas eu estou só, como se estivesse perdido.
Tenho a mente de um homem ingênuo e tolo.
As pessoas comuns são espertas e hábeis,
eu solitário sou confuso e pouco esclarecido.
As pessoas comuns são sábias e observadoras,
eu solitário sou aborrecido e insensato.
Toda a multidão tem seus objetivos,
mas eu solitário sou estúpido e vulgar.
Eu solitário sou diferente das outras pessoas,
mas valorizo a mãe provedora (o Tao).

Friday, April 18, 2008

o lado lento

o lado lento


o lado lento é sempre visto com desdém. Querem o melhor de tudo, em tudo! Do lado de cá do rio as coisas sempre foram diferentes. Costurávamos as águas entre a floresta usando só do nosso corpo e ferramentas toscas, isso num tempo em que o corpo era ainda extensão da alma, ou melhor era tudo uma coisa só, expansiva. Os ritmos eram os nossos próprios e os do mundo. Mas do outro lado do rio eles já tinham inventado as máquinas mais medonhas e enormes, que faziam tudo por eles, e de certa forma quem doma a máquina é mais forte, mais alto, mais rápido, mais eficiente, mais rico, vive com mais luxo e conforto, mas é isso que ele quer? É disso que ele precisa? Do lado de cá, não, aqui o tempo escorre, não voa. Ou voa, pula e estronda e rodopia e assobia e chove uma tempestade e acalma, venta, faz Sol, tem a lua, as estrelas, planetas, tudo gira no seu lugar ainda, o tempo é tudo, menos tédio constante inconstante constante inconstante constante inconstante.

Quando o tempo foi perdido enquanto se acreditava no futuro, enquanto se viveu no futuro, o tempo não volta atrás, mesmo que se repita um dia. E tanto faz que seja só uma vez ou duas ou mil, que seja o mesmo ou que seja diferente, pois tudo isso é só o futuro.

O presente está lá fora nas multidões que arejam suas asas no feriado de amanhã. Para eles isso é já o presente, para eles o presente é como o mundo, infinito. Nâo há barreira entre o presente e o amanhã pq o amanhã é nada, é zero, é nulo, não se usa, a não ser para um encontro do presente, para o fato, para o tocado, o sentido, o cheirado, visto e ouvido, ali se desenrolam as histórias antes das máquinas, antes do tempo programado e cumprido, cuspido e alimpado, ali do nosso lado do rio éramos ainda meio guerreiros, e ali aconteceram essas histórias.

Thursday, April 17, 2008

A TV é uma droga

A química moderna propiciou à humanidade uma nova onda de drogas que veio substituir as milenares pajelanças que parecem sempre ter acompanhado a humanidade. O novo mercado das drogas, assim como o antigo, é dividido entre drogas lícitas e ilícitas - divisão com razões históricas mais gritantes que as de saúde ou ordem social. Basta olharmos para os números das mortes causadas pelo álcool e pelo cigarro, drogas lícitas, e compará-los com os efeitos colaterais de drogas ilícitas como a maconha usada ocasionalmente. Talvez a maconha cause câncer na mesma quantidade que o cigarro, mas pouquíssimas pessoas fumam dois maços de maconha por dia. E o comportamento do usuário tende a ser o oposto do comportamento de quem bebe; este procura acelerar mais o carro, enquanto aquele tende a ir mais devagar; este procura conversar e brigar, aquele procura atividades mais introspectivas. Uma pesquisa recente na Inglaterra colocou a maconha no mesmo grupo dos hormônios esteróides e antidepressivos. Considerando que boa parte da "civilização" toma no mínimo um remédio por mês, e são comuns armários de banheiro repletos de substâncias químicas, o termo "viciado em drogas" passa a ter uma conotação muito mais ampla do que "usuário de substâncias ilícitas".

Vejamos, a bela dama respeitada em seu círculo social se parece muito com outras tantas damas, que adora TV, tem dois celulares e mais de um carro na garagem. Ela tem lá os seus motivos para ter dois celulares, como quantos carros couberem em sua garagem, mas por hora falemos da TV. A dama diz que "não deixa de fazer nada por causa da TV". Gosta sim, mas não é viciada, argumenta.

O problema é saber onde termina o comportamento habitual e onde começa o vício. Talvez uma definição mais precisa seja: o que o tempo investido em algo nos dá de retorno, e à nossa família, sociedade e ambiente? Vivemos num mundo complexo e cheio de problemas; assistir TV para se informar traz à sociedade maior cultura e prosperidade, assistir TV para se entreter traz ao indivíduo maior paz de espírito. Então a questão do vício talvez seja: Quanta paz de espírito o brasileiro médio ainda exige ter, enquanto com a TV desligada teria uma vida familiar com mais diálogo, e todos os membros da família estariam livres para usar seu pensamento da maneira que achassem mais produtiva.

A primeira divisão na família surge pela TV. A TV ligada no ambiente doméstico obriga o jovem que não gosta de sua programação a ligar música, ou a sair de casa. A TV cria uma atmosfera, um quase-espaço, onde o interno está distante, imerso na cultura exógena ditada por pequenos grupos super-poderosos.

Hoje, com a internet e seus infinitos diretórios, blogs, fóruns de discussão, comunidades, jornais on-line com espaço para os comentários dos leitores e tudo que constitui a tão badalada Web 2.0, percebemos quão pobre é a velha e já nem tão saudosa TV. O conteúdo dos maiores jornais não poderia ser mais enviesado. As tramas das novelas não acrescenta nada à vida de ninguém, muito menos os "humorísticos" de péssima qualidade. Se as pessoas não tivessem TV (porque dificilmente conseguem deixá-la desligada - basta uma pessoa acender a besta para criar uma onda subliminar que contamina todo o ambiente do lar), acabariam se vendo obrigadas a conversar, ler ou pensar, todas atividades cada vez mais raras.

Não consigo pensar que a TV não seja uma droga, uma vez que como toda droga traz tranqüilidade, iluminação (qual a iluminação trazida pelo Big Brother? Talvez a de umas vinte velas, quando não estão mostrando cenas no escuro. E o que William Blake tinha a dizer sobre As Portas da Percepção?), como costuma também trazer dissidências familiares.

Todo mundo sabe que o problema do Brasil é a má qualidade de sua educação, mas quantos livros as pessoas pegam nas bibliotecas? E quantas horas passam assistindo TV?

Poderia falar em TV a cabo, ou na proposta da TV digital, mas duvido que seja diferente. Ante o lixo televisivo, a Internet vale ouro. Pena que os povos de língua inglesa sejam muito mais cultos do que nós, acho que 99% do conteúdo útil da internet deva estar em inglês. Mas quem está estudando inglês, se a TV já faz a dublagem por nós?

Eis mais um retrato da nossa era, queremos que todo o trabalho (exceto nossa especialidade) seja feito pelos outros.

Não tenho TV (mesmo nos dois anos em que morei sozinho e não tinha computador ou internet em casa - acho que li muito e cresci bastante assim). Se queremos reconstruir a sociedade em que vivemos, o primeiro passo é jogar a TV no lixo, e usar o tempo que surgirá para cuidar melhor do corpo e da mente.

Tuesday, April 15, 2008

Lao Tzu

Conta a lenda que Lao Tzu era o maior sábio de um antigo reino chinês, mais ou menos da mesma época de Sócrates ou Aristóteles. Conselheiro do rei, decidiu abandonar o reino quando percebeu que a corrupção não podia mais ser combatida. Montado em um boi, rumou na direção do poente, onde planejava viver até a morte na serenidade do anonimato. Ao passar pela grande muralha, contudo, o chefe da guarda viu que aquele ilustre sábio jamais retornaria, e assim exigiu que ele colocasse em um livro uma breve síntese de sua profunda sabedoria, caso contrário não o deixaria passar. Lao Tzu escreveu então uma das maiores obras literárias de todos os tempos - o Tao Te Ching.

(Como lembrou uma amiga, se fosse no Brasil o guarda pedia no máximo um cigarrinho.)

Tuesday, April 01, 2008

Tao Te Ching 1-10

1

O Tao sobre o qual podemos falar não é o Tao eterno.
O nome que podemos nomear não é o nome eterno.
Sem nome é a origem do mundo;
nome tem a mãe de todas as coisas.
Sem desejo observamos suas maravilhas;
com desejo só alcançamos sua fronteira.
Os dois são o mesmo mas seus nomes diferem,
juntos são chamados o Mistério.
O Mistério se reproduz em Mistério,
e é a porta de inúmeras maravilhas.


2

Todos sabemos que dando nome ao bem definimos assim o mal.
Sabemos que nomeando o hábil nomeamos assim o inábil.
Presença e ausência são fatos da vida,
difícil e fácil vêm da conquista,
longo e curto da forma,
alto e baixo do preenchimento,
som e voz distinguem-se na música,
primeiro e último vêm da seqüência.
Portanto, o sábio procede sem agir sobre as coisas,
ensina sem palavras,
faz inúmeras obras sem iniciá-las,
cria sem possuir,
executa mas não depende do resultado,
alcança o sucesso mas não o clama para si.
Solitário, não guarda nada, portanto nada perde.


3

Não valorizar o virtuoso faz as pessoas não competirem;
não valorizar objetos difíceis de conseguir evita que as pessoas roubem;
não mostrar o que provoca o desejo mantém suas mentes longe da desordem.
Logo, o governo do sábio
esvazia suas mentes, enche suas barrigas,
enfraquece suas aspirações, fortalece seus ossos.
Constantemente faz as pessoas não saberem nem desejarem.
Faz os inteligentes não ousarem agir.
Não havendo ação a norma é a harmonia.


4

O Tao é como a água que sai da torneira,
porém o seu uso não o esgota.
Como é profundo! Parece o ancestral de todas as coisas.
Profundo! Parece existir desde sempre.
Não sei de quem é filho,
parece anterior à toda existência.


5

A natureza não é benévola,
trata todas as coisas como iguais;
O sábio não é benévolo,
trata todas as pessoas como iguais.
O espaço entre o céu e a terra não é como um fole?
Se esvazia mas não cede,
modifica-se mas é sempre o mesmo.
Palavras numerosas geralmente são pobres,
e não tão boas quanto ater-se ao principal.


6

O espírito do vale nunca morre,
a profundíssima garganta.
É a porta da qual se origina o universo.
Como costurado à existência,
seu uso não requer esforço.


7

O universo é antigo.
Assim também é o mundo.
Como não existem para si próprios,
podem perdurar por muito tempo.
Assim o sábio se põe em último lugar
e se encontra em primeiro.
Trata de si como a um estranho
e assim se preserva.
Não cuida de si com egoísmo
por isso tem o que precisa.


8

O mais elevado é como a água.
A água beneficia todas as coisas
e não disputa com elas,
lida com as multidões evitando o mal,
acostumando tantos a respeito do Tao.
Vive bem na terra,
sua índole é profunda,
participa e ajuda,
promete o que cumpre,
governa com justiça,
é hábil e se move na ocasião propícia.
O homem reservado não é contestado
porque não desperta discórdia.


9

Encher até a borda é pior que parar no meio;
estimar, porém um afinco demasiado não poderá se manter.
Encha a sala de ouro e jóias e não poderá defendê-los;
rico e honrado, é a arrogância que não deixa de ser punida.
Realizado o trabalho, desapareça assim como o Tao.


10

Pode alguém abastecer-se de vigor guerreiro e ainda assim partir?
Respirando o espírito da suavidade não podemos tornar a ser crianças?
Nos livrarmos de todo pensamento profundo não é um tipo de erro?
É possível amar seu país e governar as massas a partir do princípio da não-ação?
Não é possível abrir e fechar as portas dos céus como uma fêmea de pássaro?
Pode a razão espalhar-se pelos quatro cantos sem o conhecimento?