Wednesday, April 26, 2006

A humildade é como uma semente, se não brota fica cinza e puída.

Monday, April 17, 2006

A lista ideal de músicas para atravessar uma madrugada.

Dogs - Pink Floyd. Guitarras agudas, uivos, a noite e seus cachorros. Em 2004, eu ia pela rua de terra ao lado da minha casa até a praia em duzentos passos. No caminho, a ininterrupta floresta, cortada apenas por uma estrada, a estender-se dias e dias até a Venezuela. No caminho, as palmeiras e cipós, passarinhos. No caminho terra, floresta, umidade e sombra. Na praia água, ondas e a música da noite, o resplendor do dia. Na noite cansada as pessoas se retiravam e se escondiam, mas ninguém ia ainda dormir, não quando a lua pulsava seu brilho sobre as águas do rio Negro, esquecida em mistério, encantadora dos jovens de espírito; ou mesmo quando estava escuro, e apenas a luz das estrelas e a grande mancha branca da via láctea contrastava com os corpos escuros e perfumados, com a solidão do escuro. Ali não. Uivos. Pigs. Os porcos do Pink Floyd tingem a noite gabrielense de cores infernais. A tempestade de guitarras uivantes, entremeadas à voz por instrumentos sintéticos (que porra é aquela?) é pra mim um dos pontos altos do Animals. A lua em seu brilho, ou na sua ausência o mapa completo das estrelas, alumeia o corpo formoso e moreno que chega desavisado em uma janela. As outras estão fechadas, mas aquela não. Ali uma alma tranquila espera que sobre si chovam favores. Um rapaz se aproxima e chama, primeiro com cuidado, depois mais alto. Logo abaixo uma cama e um corpo inconsciente. Tenta acordá-lo, mas em vão. O som ligado toca uma música boa. Para não chamar os vizinhos, decidi ir embora, mas quando vira e dá três passos ouve um chamado na janela. Psst! Sorrisos. Suores. As pernas tremem. Ele volta e pula na cama. Ao som de guitarras furiosas dois homens se abraçam, duas vidas se cruzam (e depois naturalmente se separam). Mas aquele choque, aquela brisa, a temperatura exata do ponto em que seus corpos se tocavam, tudo ficará impresso em algum lugar, guardado no tecido dos eventos que acontecem no universo desconhecido.

Mozart - Requiem (ao amanhecer)

Depois da noite mais louca, regada à maior quantidade de álcoois e perfumes, logo antes do sol começar a queimar e ofuscar o horizonte, nós queríamos mais. As primeiras notas do Requiem de Mozart eram a manhã chegando no horizonte, cada estrela se apagando era uma nova nota da sublime sinfonia. Os coros dos tenores e barítonos formavam com as revoadas dos primeiros pássaros a mais bela alvorada. Na piscina, molhados e radiantes, nossos ânimos retornavam à infância. Somos puro instinto no clarear, crianças divinas abençoadas pelas mortes dos ancestrais e pelos violinos de Mozart. Continuamos bebendo e comendo e falando e rindo, até o amanhecer, quando finalmente dormimos, depois de mais uma epopéia de suor e gozo.

Summer '68 - Allan's Psychedelic Breakfast

Noutra noite eram as tábuas da minha casa, o quintal do lado, um lote vago. No escuro das horas minha rede balançava em silêncio, eu via as estrelas pela janela alta, entre os tijolos a menos de uma parede incompleta no que viria a ser a casa ao lado. Alguns ruídos, sapos, pererecas, grilos, gatos e outras criaturas da noite. No meu colo um caderno e um lápis, meus companheiros de quarto, junto com a rede e o pequeno aparelho de som que consegui emprestado. Na cozinha, duas portas adiante tanto pela direita como pela esquerda (e acabou-se a casa, fora o banheiro), eu tenho um garrafão de água pela metade, uma garrafa de cinco litros com tampa e um copo, mais bucha e sabão. É a segunda noite na casa, meu primeiro lar como um adulto emancipado.

Friday, April 14, 2006

Cristianismo

"O último Cristão morreu na Cruz." - Nietzsche.
O cristianismo deve ser entendido como "o reino da bem-aventurança está dentro de você". As maiores riquezas não podem dar o entendimento para alcançar esse reino, como poucas vezes o dão. A piedade não é o mesmo que esmola, antes esta é muitas e tantas vezes apenas o preço de uma flanelada sobre a consciência. A vida eterna não pode ser maior que esta. Muito pelo contrário, é uma existência serena e cinza, silenciosa, sem movimento nem emoção, sem dor, sem tempo, sem espaço, sem volta nem partida, sem consciência, sem unidade, sem nada. E se não for, o que vier é lucro; mas propaganda eu não quero nem aceito.

Sim, e o princípio da tolerância.

Thursday, April 13, 2006

Utilitarismo

Corre o risco do pragmatismo de perder o referencial. Se o pragmatismo é voltado para resultados, o utilitarismo é voltado apenas para um deles: a felicidade. Questionam se felicidade inconsciente é válida, ou se forçada fosse, ou se à base de drogas e modificação do comportamento.
Para mim há formas diferentes de se alcançar a felicidade, desde a individual até a social. E algumas destas formas contradizem outras, então preciso mapeá-las. Aqui vão duas: 1) o indivíduo busca cegamente a felicidade dos seus, chamando de violência a miséria, de diversão o desperdício, de fé a tristeza, de juventude a morte; 2) um povo não cresce para alimentar vermes financeiros, apenas vive e segue seus costumes, negocia com eles e aproveita as belezas naturais da sua terra.

Behaviorismo

Ter o homem como tábula rasa faz sentido se considerarmos o DNA apenas a informação para células, tecidos, carnes e órgãos. Mas assim se esquece que mesmo o comportamento tem seus órgãos, desenhados com a precisão de uma pena ou de uma orelha. Somos preconceituosos, hierárquicos, dominadores e curiosos, entre tantas outras coisas, por vontade do DNA.

Existencialismo

Sabemos que existimos, o que mais nos dá a mesma certeza? A religião é um espinho cravado sob a pele, difícil de extrair, doloroso, mas que provavelmente dá uma coceirinha agradável em quem o cultiva, do contrário não seriam tantos fiéis. O ser humano talvez seja único na sua capacidade de criar um conjunto de palavras mais fortes que uma pessoa. Independente da matéria ser ou não conhecida, a vida o é. A existência. A morte também é natural, e o que vem depois dela não me interessa (ainda).

Pragmatismo

Vivemos divididos entre a liberdade individual e as obrigações sociais. O país e o mundo devem funcionar, devem ter paz, justiça, desenvolvimento, liberdade. Mas o indivíduo precisa viver, divertir-se, aprender, criar. O pragmatismo é a obrigação de contribuir para deixar a casa limpa (ao menos funcional), mas é também a obrigação de se deixar evoluir. A filosofia pragmática busca resultados, mas os resultados devem ser externos e internos.

Positivismo

Acreditar que tudo se dirige ao melhor possível, que a ciência por si só já é a luz que fará a humanidade avançar para onde desejamos, é apenas "wishful thinking", na falta de expressão brasileira melhor. É o tipo de otimismo que não leva a lugar algum. Em primeiro lugar, a questão de se dividir o positivo do negativo e conseguir o milagre de ser unânime. Sendo apenas majoritário, corre-se o risco de prejudicar as minorias de sempre. Seria melhor deixar coexistirem as opiniões, e descobrir no diálogo o que cada sociedade deseja a cada instante. E tomar o princípio da precaução.

Tuesday, April 11, 2006

Paradoxos

A liberdade e a vontade andam juntas.
A liberdade é uma moeda cujo valor jamais será superado.
Quem o tenta alcança a própria liberdade de fazê-lo.

Guerra e paz.
Tempos de turbulência e tempos de calmaria, o vento flui e quer fluir,
é impiedoso como a natureza e forte como um touro de Júpiter, mas tem seus momentos ternos.
A natureza humana é como o vento.
Flui em ondas e se espalha pelo horizonte.
Quer insuflar-se, preencher, conquistar.
Seu núcleo mais puro e denso está onde nem mesmo o próprio homem pode vê-lo.
Ali se escondem motivos primordiais, regras de conduta não explícitas, dissimuladas e até negadas, mas recorrentes a cada geração de guerreiros que pintam as linhas da história de tons vermelhos e negros.
Um ideal, um amor ou uma amizade podem conduzir-te ao céu e ao inferno;
tudo mais é sombra, espera e um pouco de renúncia.
O que não é renúncia é caminhar, lento e frutuoso caminhar.

O jovem sábio questionou-se quanto ao movimento:
- de que vale o movimento quando o parado também existe?

e sua pergunta ficou no ar. Parada. Em movimento. As idéias movem-se?
Caminhar pode ser uma renúncia.
Renunciar pode ser um ideal.
Mas um ideal e um amor dificilmente se conciliam.

Sunday, April 09, 2006

Firefox

O FireFox, navegador de web feito pela Mozzilla, ultrapassou os 10% de uso na internet, segundo a Net Applications.

Mas que diabo é essa tal de Net Applications?

1) Eles não têm clientes, têm "programas de parceria" (partner programs).
2) Têm a Fortune City como uma de suas ditas parceiras (e outras como alexa.com, citymax.com, yellowpagecity.com, olm.net, imaginationplus.com, ineedhits.com, etc).
3) cada um desses sites levará a terceiros e quartos e quintos, entre pessoas e corporações que movimentam dinheiro entre si (como poderiam ser apenas fantasmas).

Como verificar a confiabilidade do que se vê na internet?
- a URL é a única coisa confiável. Se o seu navegador te mostra www.google.com e apenas isto, você confia no que viu nascer e que demonstrou seu valor funcionando; mas... há navegadores que podem estar em outro lugar e ainda assim exibir http://www.google.com na sua barra de endereços. Como? Com um endereço muito mais comprido, com o texto desejado apenas no final. E ele pode aparecer no começo do mostrador de URL do browser.

São coisas como essa que diferem um usuário comum do especialista.

O escondimento de informações.

O windows funciona com janelas, como o nome diz, mas o que é uma janela?
Não apenas as que você consegue arrastar, mas também aquelas "presas" dentro dessas, como barras de ferramentas, barras de status, ou a janela onde aparece a URL.
De todas essas janelas, a barra de status é uma das mais úteis, por fornecer informações ao usuário sobre o funcionamento de sua máquina. Algo como um painel de um veículo.

O Windows XP escondeu, em relação ao W98 ao menos duas características da barra de status do navegador de arquivos (Explorer.exe):
1) se você seleciona mais de um arquivo (dentro de pen-drives? em arquivos comprimidos? ainda não soube detectar exatamente onde) o Explorer não mostra a soma do tamanho deles. O Explorer do W98 *nunca* deixava de mostrar.
2) e muito pior: a opção default do windows xp é ter a barra de status oculta.
Por quê? O usuário deve não saber o que se passa com a sua máquina?
Será que os computadores de bordo dos carros do futuro esconderão o painel?
Certamente! A continuar como está...

Friday, April 07, 2006

Mulheres são filósofas?

As mulheres são filósofas. Os homens têm duas cabeças, e sabemos o quanto a de baixo pensa por si. As mulheres racionalizam muito mais, são mais detalhistas, e tendem a ser bem mais pacientes que seus parceiros de sexo masculino. Quanto ao fato de existirem muito mais gênios famosos que mulheres geniais famosas, das duas uma: 1) apenas o machismo conseguiu esconder todas as mulheres geniais, e na verdade os números são aproximadamente equivalentes, talvez iguais, ou 2) os homens de fato alcançam maior acuidade para certos serviços especializados, como a música, a matemática, a caça. Os cursos de engenharia têm poucas mulheres no mundo inteiro, imagino. Sei que bucetas ali são raras, mas isso só não vem comprovar que as aptidões de cada sexo são mesmo diferentes?

Mas, por que não mulheres geniais nas suas aptidões? Talvez não ganhem reconhecimento público, talvez o que a mulher precise fazer melhor esteja justamente na vida privada.

Uma filosofia pode atravessar o arco-íris do Zaratustra, na direção de uma humanidade melhor, mais feliz e próspera. Esta filosofia precisa ser dita às mulheres; os homens apenas as seguirão.


O que fazemos na vida, as escolhas que tomamos, é pura questão de filosofia.

Para mim essa filosofia precisa passar por um neo-ascetismo.
Precisamos, se quisermos mesmo a conservação da natureza - que é fonte das maiores belezas da vida na Terra - abdicar dos bens materiais numa extensão em que a vida nas grandes cidades perderia o sentido. Então essas cidades deveriam murchar, e as pessoas retornar ao campo, às cidades menores, às baixas densidades demográficas, aos *aglomerados urbanos menores*.

Mas para isso as mulheres devem ir na frente.
Os homens as seguirão.

Tuesday, April 04, 2006

A mangueira

Quando eu era criança lá em casa tinha uma goiabeira. Lá do alto eu observava, com meu irmão, toda a vizinhança e seus quintais. Víamos árvores, muros, telhados, janelas, portas, corredores, terraços com telhas de diferentes materiais, antenas, chaminés e respiradouros, fios, aves, gatos e dejetos de material de construção, papéis, jornais, poças de chuva e marcas do tempo nos concretos, nas manchas escorridas de tinta, uma e outra pichação. Para dois moleques um tamanho universo proporciona a liberdade aproximada que Adão devia ter no paraíso, até porque toda casa sempre tem algum pai ou mãe furioso e onipotente. Depois de adulto saí de casa, viajei, me mudei diversas vezes, e hoje tenho uma imponente mangueira no quintal da minha casa.

É bom deixar claro a diferença entre uma mangueira e uma goiabeira, além da evidente dessemelhança dos frutos. Uma mangueira é uma árvore bem mais sólida e alta, quando comparada à goiabeira. Seus ramos têm considerável espessura mesmo quando você sobe a 30 metros do chão. Já vi alturas de onde uma queda teria sido fatal, e ao meu lado lá se vai o último ramo de uma mangueira orgulhosa se esticando ainda mais uns cinco ou dez metros acima da minha coragem.

Outro dia subi nela e me esqueci por lá. Olhava as nuvens ao longe, um gavião, a mata a dois telhados do meu quintal de terra. O do vizinho é cimentado. O de trás é gramado, mas não tem árvores. O do outro lado sim, tem um quintal original, com suas bananeiras e um jambo. Do nosso lado eu toco numa bananeira, e mais adiante os pés de pupunha, que são palmeiras com espinhos finos. Imagino que uma coruja pousada aqui devorava o meu cachorro de dois meses. Imagino que as aves andam aqui no alto com a desenvoltura de anjos. Imagino que se eu tivesse uma cauda prêensil eu também dava os meus pulos. E fui imaginando essas coisas quando uma caba massetona me atacou. Me deu uma ferroada que doeu no mundo, mas eu matei a danada e já veio outra e depois uma terceira, e quando eu já ia ficando sem fôlego e vi que ia me esborrachar lá de cima, eu me apoiei num canto mais firme, de onde na posição que eu estava eu tinha certeza que não ia cair, e desmaiei.

Meu amigo que estava embaixo ouviu os gritos e os tapas e me viu ali, estirado com os braços sobre um tronco inclinado no vazio lá em cima. Subiu e enxotou os bichos, mas vendo que não me tirava dali sozinho, nem tampouco que eu acordasse, me amarrou e me deixou pra acordar sozinho. O problema é que eu não acordei. E ele, que é meio desligado das idéias, esqueceu-se completamente de mim, indo embora mais tarde. Não sei no que deu, sei que me acordei já com a Lua e os gatos que miavam e urravam e passeavam e se atracavam do meu lado, como se invadissem a minha rede e o meu lençol sujo de sonhos. Acordei assustado e latindo. Dava latidos grossos e raivosos, tal era o animal que eu incorporava num sonho, um cão ou um lobo e até talvez um urso, negro e violento, alto, feroz e faminto. Quando dei por mim imaginei que toda a vizinhança já estaria me vendo e rindo-se de mim, e aí fui eu quem ri. Depois me envergonhei, mas depois ri de novo. Olhei em volta e só então percebi que a noite ainda não tinha se dado conta de mim. Perdoei-lhe o descaso, mas não ao meu amigo, que de tão desligado esqueceu-se de deixar o nó ao alcance das minhas mãos, para que eu mesmo pudesse descer quando acordasse. Fiquei lá em cima, vendo gatos que iam e voltavam, num impressionante faroeste felino. Ouvi as corujas e os curiangos, vi a Lua terminar sua volta e sumir com a manhã. Ouvi o acordar dos pássaros, depois o clarear lento que apaga as estrelas. Por fim veio o sol, e quando eu já ia pegando no sono de novo meu amigo se lembrou de mim. Desamarrou-me e descemos, eu estava feliz da vida.

Mas cheguei lá embaixo, olhei pra cima, e soltei um suspiro de saudade.