Tuesday, October 31, 2006

Viva Bush?

Reclamamos da intervenção americana no Oriente Médio, mas esquecemo-nos de que os islâmicos têm possivelmente o mesmo ardor imperialista que os ocidentais ou qualquer outro povo.

Dada a oportunidade, não hesitariam em infligir sua jihad contra os inimigos do Islam (sejam eles católicos, protestantes, judeus, ocidentais em geral, países membros da OTAN, Rússia, China, ateus, pagãos e todos os que eles - tão arbitrariamente quanto Bush Jr., o vilão do momento - considerarem hipócritas, alienados, pecadores ou por qualquer outra razão nocivos aos seus ideais.

Se é verdade que toda religião planeja dominar o mundo, quem, senão os EUA, nos protegeria da expansão do absolutismo islâmico?

Monday, October 30, 2006

Incenso

Na varanda ouço o rio, fico quieto.
Podem suceder coisas tão nobres à minha volta
mesmo estando eu quieto
(sem querer causá-las).

O crescimento das árvores é tão mais quieto
que elas nem parecem ter que segurar-se
desse riso que me é dado
de ter achado outrora
outras coisas, outras glórias
mais prementes, mais notórias.

Ainda assim, insisto, fico quieto
mudo a rede, ponho a tela
que malária é coisa séria
volto ao rio, volto às árvores
e suas suntuosas paisagens.

Não perco tempo pensando.
Ganho observando.

No tempo das coisas, penso
tanto o pequeno e o imenso
no fundo, não passam de incenso.

14/X/2006 - alto rio Marari>Padauiri>Negro>Amazonas

Absolutamente

Absolutamente
te quero ainda.
Há uma parte em mim que não te quer
Mas a outra quer em mim o que não te tem
O que te tem te perdeu
E o que não tem quer saber
o que é ter o que não é mais
Uma parte de mim te quer
como quem quer o que não se tem
que o que se tem não se quer mais
Essa parte que te quer
quer não te ter mais
ou, se tivesse, como poderia querer?
Absolutamente te quero
como a noite perde o brilho
como a chama queima a cinza
como tudo o que não é mais
como um domingo que se esquece
como a lua quando pousa
já não brilha como antes
Absolutamente te quero ainda
para nunca mais.

Jóia azul


Jóia azul, brilhas ao longe e aqui dentro.
Se um mergulhador tropical te vem procurar
entre folhas verdes chorosas e o desejo do mar
te encontrará próxima aos rochedos
onde uma árvore sobressai na paisagem
e te fornece repouso.
Junto a ti pequenas criaturas de toda sorte
de tão ricas formas quanto és tu de teu azul
ocupam os recantos quietos e alegram o silêncio,
tornam a tarde ainda mais melancólica.
No fundo, uma forte cachoeira se faz ouvir
mas não se vê.
Acima de nós o céu da tarde já vai dormir
e também nós, mas não você.
Minha jóia azul, nos guarde da noite
e da chuva que pode vir,
engane o vento, tome-o pra si.
Amanhã voltaremos à trilha
para alcançar novos perigos,
novas paisagens, novos repousos.
O rumo que seguiremos
será de tiro certeiro:
eu, meu jamanxim,
e minha lona Carreteiro.

indivisa majestade

O lagarto escala com destreza a árvore atrás da sua presa.
No caminho expõe a bela pele da garganta - sua bandeira.

Já não lembra mais da presa, voôu.
Só quer exibir seu vermelho pintado de preto,
as cores que herdou,
seu orgulho masculino,
lábaro viril, seu sangue,
suas escamas, honra e glória sáurias.

Para sempre a natureza será
o apelo sensual dos indivíduos.

Indivisa majestade - o instinto orgulho.

Friday, October 27, 2006

Divagações cariocas

Cheguei ao Rio sozinho, achei um bom albergue, R$25 a diária, em plena Copacabana. Conheci um moreno delicioso, Vitorino, mora em Brasília mas é de Minas, e entre duas fodas e um bom sono sobrou só uma lembrança repetida. Continuarão os gays a vestir este caráter consumista fútil, urbano, "moderno", modista, glamouroso e elitista?
Quando as árvores?
Quando os peixes grandes e pequenos, em rios limpos, idílicos e sensuais?
Hoje acordei, dei uma pequena caminhada, encontrei o Luiz, conhecido da Internet. Mais masculino que o Vitorino, mas também bastante urbano. Mais gostoso, mais... apaixonante. Mas o que é, hoje, a paixão? Não quero defini-la, ou descrever o que é apenas uma palavra. Combinei de encontrá-lo à noite, e saí para caminhar. Fui de metrô até próximo ao centro, andei, andei, Av. Presidente Vargas, Palácio Duque de Caxias, Estação Central do Brasil, mini-rodoviária, ruas de negros, Coca-Cola a um real, lixo, nenhum glamour.
É incrível como o Rio só é gay na Zona Sul. No metrô, só eu, plena segunda-feira, de bermuda e chinelo. Um executivo de terno e gravata, carregando uma mochila de trekking, brilhantemente característica, me olhou de alto a baixo. As escolhas que fazemos, todos nós. Eu, de não ter mais do que preciso, e matar cada minuto após tê-lo vivido, sem medo de me tomarem o que posso depois recuperar. Só não me roubem o tempo. Ele, satisfeito com um nível preciso do que alcançou com o suor do seu trabalho, que o distingue em sociedade, provavelmente lhe garante uma esposa adorável, mas que para mim nada vale.
Cada rua que andava, cada esquina, cada olhar, cada passo sem rumo, o céu a dar direção, monumentos como referência, grandes prédios, montanhas, bem poderiam ser breves amores, e são... ou os não correspondidos, aquele desejo eterno. Amo mais meu desejo que o objeto amado, provavelmente. Depois que o consigo, perde um bocado da graça. Só quero o que não tenho, exceto para o que não é gente.
Dois anos, e quando eu achava que Manaus estava pior por minha causa, aparência, idade ou má-fama, descubro um Rio ainda melhor, mais tesudo, mais maduro (eu, no caso), mais fácil e aconchegante. E, ainda assim, quero é escrever. Quero viver o ímpar, o silêncio do ônibus que vai, do exílio ensolarado, a solidão das noites quentes.
Olhava as caras das pessoas nas ruas. Muitas olhavam para a frente, para nada, reto, estático, sem prazer ou esperança. A esperança está morta. As pessoas esperam um fantasma que ignoram, um desejo que não sabem nem por onde começar a querer, a buscar. Onde buscar o que não se sabe, e mesmo que se soubesse, não se admitiria?
Não que a minha solução serve aos outros, mas sei que já não tenho este olhar. Ou talvez tenha, mas não é mais pela mesma razão de quatro anos atrás.
A cidade é moderna, uma armadilha, uma espécie de papel mata-moscas, impecavelmente branco, inocente e fatal para os insetos míopes. Morrerão todos sem ver o que vi longe da cidade, muito longe. O que vi? Um vislumbre do passado, um passado quase extinto agora; serei seu último profeta e defensor? Ainda existirá quando eu morrer, velho talvez, e saudoso?
Este passado se chama ..., uma terra de praias e estrelas, flores carnais, amores platônicos, permissões calculadas, raras - mas valiosíssimas em sua raridade. Talvez valha tanto pela mesma lei que rechaça o desejo satisfeito, talvez não seja mais profundo que uma paisagem, um ponto no mapa e uma cor no céu, um certo pôr-do-Sol. Mas as estrelas à noite, revezando posições a cada estação, a brisa fresca de uma noite tranqüila, bucólica até, selvagem e espirituosa, permissiva.
As pessoas vivem nas cidades e têm suas idéias pré-concebidas sobre o que é a vida, o mundo, as leis - sobre como deveriam ser as leis, as coisas, os homens. Mas o homem é instinto, e não lei. Além de todas as leis há um homem comum, uma espécie de "essência", Natureza Humana, tão universal e bela que chega a ser um crime cada lei que consegue ocultá-la.
O homem sem leis não tem nada? O homem em sociedade tem um tipo de homeostase, de equilíbrio social - onde a justiça é a própria vontade do forte, seja ele pessoa, grupo, nação ou povo. Criaram uma máquina chamada Justiça, que cobra por seu funcionamento boa parte da homeostase original do sistema, e é de se perguntar: estamos melhor agora? Não responda. Pense em quem você inclui no "estamos" - seis bilhões?

*****

Há uma solução no abandono (auto-abandono? sócio-abandono?), no desapego, na permissividade.
Mas trilho este caminho só, e não me entendem. Em cada esquina me chamam louco, e cada vez mais os tomo por loucos a eles.
Ser louco é considerar que ser "normal" não vale a pena. Antes eu buscava me inserir nos bandos, ser aceito, compartilhar valores, opiniões. Não que não o faça mais, mas sinto que o faço cada vez menos.
As mulheres, por exemplo. Antes tornavam-se amigas. Hoje mal as olho. Valores diferentes. Diferentes demais. Se eu começar a explicar as diferenças para dez delas, dez não teriam paciência, ou não me entenderiam de fato. Uma ou outra exceção? Talvez uma em mil.
Sou hedonista, mas me preocupava com o "bem-estar social". Não deixei de me preocupar, suspendi temporariamente esses pensamentos. Melhor dito: busco a cada dia novos ângulos para definir este "bem-estar social". É preciso conhecer o mundo, conhecer o homem de cada lugar. Talvez até as mulheres. Talvez? Se for impossível desenvolver uma teoria do bem-estar social sem compreender as mulheres, estamos provavelmente perdidos, pois qual homem as entende? (E vice-versa.) Chico Buarque pode roubar-lhes as lágrimas, mas mesmo isso requer um entendimento apenas superficial, eu acho.
Hoje penso que entre o agir impensado e o não agir, o último é melhor.
A vida não pode ser apenas um dia após o outro. Deve haver um quadro geral, um plano, um esquema; algo que, em perspectiva, dê um certo sentido ao todo. Nada metafísico, místico, esotérico; mas construtivo, pragmático, voltado a objetivos concretos, positivistas? utilitaristas?
A humanidade é preguiçosa e egoísta. Que bom seria se não fosse preciso tanto sofrimento para submergir o egoísmo num único indivíduo. Eu também sou egoísta, mas me dói ver injustiça, esse governo vendido, sem projetos. O povo sem esperança. O que fazer?

*****

O concreto e o céu vermelho e frio compunham uma paisagem estéril, morta. Era uma cidade fria e gelada. Era tarde da noite. Meu ônibus saía em minutos, mas não era uma viagem que me traria alegria. Agora que passou, o fato é que trouxe; mas ali, na rodoviária de paredes lisas, mórbidas e impessoais, entre pessoas distantes, amorfas, inertes, num asfalto sem história, sem sangue, sem desejo, ali o tempo parou e eu só esperava o momento de movê-lo novamente.
Quero contar as histórias do Sol e das noites frescas de um eterno verão. Que o calor, mesmo indolente, é mais vivo que o frio.
Há um lugar onde o tempo passa noutro compasso e não se lamenta. Onde as pessoas sofrem as dores de serem humanas, mas desconhecem a dor de não ser. São. Estão. Fazem. Para elas, o pretérito mais que perfeito não se conjuga, não faz parte de seu dia-a-dia, a não ser numa conversa à toa na beira do rio, enquanto a noite não cai e os bandos de pássaros voltam pros ninhos. Ali onde a realidade é o que pra muitos seria fantasia, vive uma raça enganada, confundida a respeito do céu e do inferno, e que mesmo assim vive seu idílio cotidiano, que só quem enfrentou os mares cinzas das metrópoles sabe ver com os olhos que exige o paraíso.
Quando cheguei lá tinha 23 anos, e acabara de deixar minha cidade natal. Tinha sede de aventura mais do que nunca, e os quatro dias que passei no barco foram um lento penetrar num sonho.
Ainda no barco conheci Denilson, que subia com a esposa e uma filha. Tinha dez anos mais que eu, era um pouco menos inconseqüente e bastante jovem.
Os dias passavam entre goles de aguardente no convés, numa turma heterogênea de jovens e velhos, sérios e sátiros, mineiros, goianos, cariocas, cearenses. Todo o Brasil está representado num barco desses, e sob o som do violão aprendi que Raul Seixas e Renato Russo são, se não os maiores, ao menos os mais populares poetas brasileiros. À noite bebíamos. De dia também. À noite assistíamos TV. De dia também. Ainda jogávamos dominó, olhávamos as ilhas desertas, cobertas de um rico verde, perdidas e esquecidas na distância do mundo; gratas, muito gratas por isso. De manhã as aves cruzavam o rio nas alturas, o grande rio de águas escuras. Eram araras vermelhas, ou azuis e amarelas. Garças, papagaios. Toda sorte de animais se podia ver ali do convés: botos, ariranhas, uma sucuri repousava nas folhagens da margem.
O goiano havia sido garimpeiro. Sujeito simpático. Contou-me suas aventuras nas serras da fronteira à busca de ouro. Era uma febre aquilo. Tinha os delírios próprios das grandes febres. Juntava-se cem, duzentos gramas de ouro antes de descer para a cidade e gastar tudo com estrépito ardente. Alguns gastavam tudo numa noite, outros numa semana. Os mais precavidos levavam um mês, e davam uma parte para a mulher. E depois voltavam. Subiam novamente as serras para repetir o ciclo. Se aquilo era vida? Claro! A serra é única. O tempo que se vive no alto é abatido nas contas com a morte. Como nas paixões carnais, não era o ter que importava, mas o conquistar, e depois o gastar, o consumir; consumir-se. Os olhos do goiano brilhavam relembrando bons tempos.
O que eu buscava? ele perguntou. Aventura, disse. Também quero conhecer as serras, os índios, a natureza. Aprender o sentido da distância. Dei um gole e fitei o horizonte à frente - um mar de água doce. É mineiro, você vai gostar, ele disse. Era um bom presságio, e foi assim mesmo que aconteceu.