Sunday, May 29, 2011

O que é perfeição?

A perfeição (assim como o bem) é um conceito líquido, não sólido. Há inúmeras formas de perfeição. Perfeição é adaptação ao ambiente, e o ambiente muda a cada metro! Por isso toda a vida é repleta de prós e contras, de faças e não faças. O indivíduo aparentemente imperfeito pode ser um sobrevivente se o ambiente muda, e o ambiente muda!

Então todo o idealismo platônico - a ideia comum de perfeição - está contrário ao mundo natural, está portanto incorreto como "ideal". A não ser que se prefira como "ideal" algo que jamais será, porque jamais foi - não no tempo que conhecemos. Acho melhor um "ideal" de algo que pode ser, porque já foi: o natural.

Um pouco mais natural.
O mais natural possível.
Limpo, calmo e pacífico.

Em bom português: perfeição é saúde.

O erro mais grave da agricultura

"A revolução industrial ao criar uma nova demanda - a demanda da máquina - e um intenso aumento da população urbana, tem acarretado uma pesada carga sobre a reserva de fertilidade em todo o mundo. Está ocorrendo uma diminuição muito rápida do nível de fertilidade dos solos. Essa expansão populacional e industrial não teria tido tanta influência caso os resíduos urbanos e industriais estivessem retornando aos solos. Mas isso não tem sido feito. Em vez disso, não tem sido respeitado o princípio agrícola que estabelece que, para um acelerado crescimento, deve haver uma acelerada decomposição. A agricultura está desequilibrada, falta a ponte para unir as duas metades da roda da vida. Essa ponte foi substituída pelos adubos artificiais. Os solos do mundo inteiro estão sendo arruinados ou estão sendo lentamente envenenados. Em todo o mundo o nosso mais importante capital está sofrendo uma rapinagem. A restauração, assim como a manutenção da fertilidade do solo, tornaram-se um problema universal."

"O lento envenenamento do solo pelos adubos artificiais é uma das maiores calamidades que tem sido infligidas à agricultura e à humanidade."

"A conexão existente entre um solo fértil e culturas sadias, animais sadios e por último, mas não menos importante homens sadios, deve ser amplamente divulgada e reconhecida. Todas as organizações e entidades, todas as comunidades que dispuserem de área devem ser encorajadas a produzirem as suas próprias verduras e frutas, leite e laticínios, cereais e carne para que fique bastante clara a importância dos alimentos produzidos num solo fértil. Um importante item na educação, tanto em casa, quanto na escola, deve ser o conhecimento acerca da superioridade quanto ao sabor, aroma e qualidade dos alimentos produzidos com húmus quando comparados com aqueles produzidos a partir de adubos industrializados. (...) Os alimentos deverão ser classificados, comercializados e distribuídos de acordo com a forma como o solo é adubado. As comunidades urbanas (que no passado prosperaram às expensas da fertilidade do solo) deverão unir forças com a área rural inglesa (que tem sofrido a exploração) para que seja possível restituir aos solos a adubação adequada de que necessitam (...) todos os que estão de alguma forma relacionados com o setor agrícola - proprietários, fazendeiros, trabalhadores - devem receber auxílio governamental para que possam restaurar a fertilidade de seus solos. Devemos tomar todas as medidas para evitar que os campos do império sofram uma exploração meramente financeira. Isso é essencial, pois o principal patrimônio é o ser humano e uma agricultura sadia praticada por vigorosos camponeses é o mais seguro suporte do futuro da nação. Se falharmos com o compromisso de conciliar as necessidades da população com as questões financeiras, acabaríamos por levar ambos à falência. Precisamos evitar os erros do Império Romano."

- Sir Albert Howard, Um Testamento Agrícola. Ed. Expressão Popular, 2007, pp. 321-323.

Embora tenha sido publicado originalmente em 1943, o trabalho deste grande homem dotado de ambos, teoria e prática, é hoje mais atual que em sua época. Isso porque por toda parte o lucro rápido foi permitido ao lado do distanciamento da sabedoria antiga, causando a degradação dos solos e o consequente avanço da degradação ambiental. A questão ambiental brasileira precisa com urgência ultrapassar o raso território das Unidades de Conservação e Códigos Florestais, e voltar sua atenção para a maneira como nossos solos e rios estão sendo tratados em todo o território nacional.

Nós

A vida é um drama suave
marejada onda
adaptada ao leito.

Remansos e rápidos
altos e rasos.

A vida leve
ganha peso
em nossos primos animais.

O subjetivo se torna objetivo.
Eu viro nós.

Tuesday, May 17, 2011

Do direito ao aborto e das dificuldades para obtê-lo

Cada sociedade tem a sua moral. Povos nômades, próximos da Natureza, têm uma moral mais ligada à conservação do ambiente, incluindo medidas de controle populacional (direito materno ao aborto e até ao infanticídio). Já os grandes impérios, cujas guerras de conquista exigiam populações crescentes, tenderam a adotar morais contra o infanticídio e até contra o aborto.

Em tempos de superpopulação e destruição crescente de recursos, Brasil e China ocupam extremos morais na questão do aborto. É verdade que a população chinesa é sete vezes a brasileira, o que levou o governo chinês à política do filho único - saída emergencial para o que podemos chamar "vítimas do próprio sucesso". Já o Brasil, que destruiu 95% da Mata Atlântica, 70% do Cerrado e 20% da Amazônia (e continua destruindo, a Amazônia a uma taxa de 1% a cada 2 anos), cuja população continua crescendo, com uma imensa parcela de pobres e miseráveis, uma maioria absurda de analfabetos funcionais e contingentes gritantes de desempregados; cuja inserção no mercado mundial (graças às louvadas políticas lulistas) significa um grau crescente de consumo e descarte; cuja agricultura é requisitada não só para alimentar sua população cada vez mais obesa, como também uma população mundial crescente e crescentemente obesa, além de produzir também biodiesel e etanol para um mundo com menos petróleo - este mesmo Brasil, dono da maior biodiversidade mundial e que mais rápido a destrói, não apenas estimula o crescimento populacional, como proíbe o aborto. Ou seja, se os imperfeitos e nem sempre acessíveis métodos anticoncepcionais, usados por mulheres igualmente imperfeitas (que se esquecem, por exemplo) falham - a mulher é obrigada a gerar uma criança que é ainda feto ou embrião. Não importa se o pai é conhecido, se deseja uma criança, se deve terminar os estudos; não importa se a mãe se sente preparada, se deseja terminar os estudos, se se sente miserável e desamparada - ela é obrigada a esperar enquanto o embrião vira feto e o feto vira bebê. Depois das dores do parto, pode dar o bebê para adoção.

As religiões dominantes e não-dominantes não só concordam com a situação, como fazem propaganda constante para que não mude. Podemos citar católicos e evangélicos, espíritas e até budistas. Para todos ou a maioria desses, considerações metafísicas - logo individuais e não demonstráveis - são suficientes para derrubar todas as demais considerações (psicológicas, sociais, ecológicas), mantendo uma lei nacional que tira das mulheres (e dos homens) um direito ancestral - o de planejar a própria família e comunidade.

Confrontar Ocidente e Oriente na origem de suas respectivas moralidades pode ser enriquecedor. Há muito se fala do declínio do Ocidente. A edição dos Analectos confucianos pela editora L&PM traz no verso: "Os Analectos tornam-se um contraponto essencial no mundo de hoje, de decadência de valores morais." Por que decadência?

Todos sabemos, ou deveríamos saber, que as doutrinas cristãs - o núcleo do "Ocidente" - estão em geral muito longe das palavras de Cristo. Os mesmos edifícios públicos que exibem crucifixos nas paredes proíbem a entrada conforme a roupa. Os bispos que ensinam a humildade não têm alergia a ouro, etc. Incontáveis "santos" da Igreja aos poucos inseriram um ódio ao sexo, uma condenação ao prazer, que faz os moralistas de hoje enxergarem a gravidez indesejada como uma espécie de castigo pelo prazer - descuidado ou não. "Ah! Mas na hora de transar ela quis, né? (Devassa!) Agora tem que arcar com as consequências!" O detalhe é que, se já não fosse injusto forçar a família a criar um ser humano, força-se também este ser humano a existir, e toda a sociedade a conviver com um contigente interminável de miseráveis indesejados (até pela própria mãe!). Depois se perguntam de onde vem tanta violência. Forçar alguém a nascer contra a vontade da mãe já é uma bruta violência - e todos sabemos que violência gera violência.

É impressionante que os clássicos taoístas e confucionistas, por diferentes que sejam entre si, mantêm-se hoje tão corretos quanto à época em que foram escritos (alguns séculos antes de Cristo). Os avanços da ciência não os tornaram obsoletos - o mesmo não se pode dizer da moral religiosa ocidental. O fato de os caracteres chineses terem permanecido praticamente os mesmos também conta (já a Bíblia sofreu inúmeras traduções, cada uma com suas próprias interpretações enviesadas).

Que católicos e evangélicos proíbam o aborto é compreensível - basta ver o palácio onde seus líderes vivem. Já o budismo exige uma interpretação à parte. Existe mais de um tipo de budismo, e nem todos são "encarnacionistas". No Brasil, o budismo mais disseminado inclui o encarnacionismo e parece concentrado numa classe social média-alta, assim como o espiritismo. Trata-se da classe social que mais reclamou ao ver suas riquezas compartilhadas com os mais pobres durante o governo Lula - por mais que suas religiões preguem o desapego, a compaixão e principalmente a caridade. É uma classe que, ainda que inconscientemente, defende o status que já alcançou, ainda que às custas da miséria alheia. Sim, pois proibir o aborto é manter a miséria alheia. Exigir "recato" de pessoas pobres e sem opções de lazer só podia vir de uma moralidade deturpada como se tornou a cristã ao longo dos milênios.

Essas mesmas pessoas de classe social beneficiada, quando suas filhas decidem abortar, não raro pagam um médico competente para fazer a cirurgia proibida com segurança. (Estatísticas - http://www.nytimes.com/2007/10/12/world/12abortion.html - mostram que a proibição não reduz a prática do aborto - o que mostra tratar-se, afinal, de um direito que as mães perseguirão mesmo contra a lei.) Somente os pobres recorrem a "açougueiros", colocando a própria vida em risco (muitos ricos querem mais que os pobres morram, mas claro que só admitem isso em círculos reservados) e gastando - as que sobrevivem - recursos públicos para procedimentos de emergência necessários devido a cirurgias mal feitas.

Pior é ouvir o argumento de "piedade" - "devemos poupar a vida do inocente" - hipocrisia que despreza a questão da qualidade de vida - inversamente proporcional à densidade humana, fato conhecido desde os primórdios - e que esconde o ciclo vicioso de maternidade precoce e baixa escolaridade, que se repete, inacreditavelmente, em pleno terceiro milênio.

Por falar em modernidade, o Ocidente está mesmo entre a cruz e a espada. De um lado, países como o Brasil e mais pobres, que proíbem o aborto com justificativas arcaicas, metafísicas e irresponsáveis. De outro, países mais industrializados e financeiramente ricos, cuja ciência e níveis educacionais permitiram que se vencesse essas religiões defasadas do bom senso. Porém, essa mesma ciência reducionista e arrogante, que garante o sucesso militar e industrial, vem causando prejuízos psicológicos e sociais (individualismo e consumismo, urbanização, xenofobia e perda do sentido da vida).

Ao negar mitologias e noções de sagrado por não serem "verificáveis" e "quantificáveis", o Ocidente não tem nada para preencher o vácuo deixado pelo recuo do cristianismo. Fala-se de uma geração que "não encontra ideais para defender", e o meio-ambiente destruído paulatinamente passa como um modismo, uma preferência exótica de tribos "verdes". Aqui aparece o posmodernismo, tendência vagamente ligada às artes, mas que se proliferou em quase todo o pensamento - ciência, literatura, filosofia. De forma um tanto grosseira, e desprezando a própria diversidade que o movimento pretende ter, podemos enquadrá-lo como uma suspensão temporária de conceitos. Como um novo Descartes eliminando tudo que não fosse certo, os posmodernos suspenderam todos os seus preconceitos para "olhar novamente para o mundo". Atitude louvável, caso tivessem encontrado algo em que acreditar. No entanto, o espírito da época posmoderna crê e divulga que "não existem verdades", ou que "a verdade é relativa" - simplificações grosseiras de filosofias mais sutis que, infelizmente, contaminaram as massas. Como num "fim da história" orwelliano, somos convidados a sorrir, consumir e parecer satisfeitos, a não perguntar e não problematizar. Aparência é tudo, e pouquíssimos têm paciência com quem busca a verdade. Como se diz: "buscar a verdade não está na moda". Isso porque alguns acadêmicos espalharam - com ajuda de uma mídia global nada desinteressada - que a ciência é apenas mais um discurso, não um método. Na verdade, a salada de ideias é tão variada que chega a ser inútil buscar a causa exata. Talvez seja mais produtivo observar seus efeitos: a maior parte da ciência hoje é feita por corporações para o desenvolvimento de produtos. Pesquisa-se para vender, não pelo saber em si. A Academia ficou algo isolada, com seus "especialistas" citando uns aos outros, como o cavalo de Aristóteles, que por milênios acreditou-se ter a quantidade errada de dentes apenas porque ninguém se lembrou de abrir a boca do animal e contá-los. (O caso descrito em Imposturas Intelectuais ilustra parte do drama.) A verdade está na boca do cavalo, não na minha cabeça ou na sua. Podemos e devemos, se soubermos contar, ir até lá conferir. Fora isso não há debate necessário.

Assim, voltando ao delicado tema do aborto, o debate é, sim, mais necessário que nunca. Mas requer honestidade intelectual e interesse pela coletividade. Duas coisas que andam em falta na nossa assim chamada "democracia" esmagada entre religiões arcaicas, imperialistas e anti-naturais e um movimento posmoderno hedonista, individualista e incoerente.

Wednesday, May 11, 2011

A superpotência pária

"Ao agir como se estivessem em mundo unipolar, os Estados Unidos também estão se isolando cada vez mais no mundo. Constantemente os líderes norte-americanos rogam a si o ato de estarem falando em nome da "comunidade internacional". Mas quem será que eles têm em mente? China/Rússia? Índia? Paquistão? Irã? O mundo árabe? A Associação das Nações do Sudeste Asiático? África? América Latina? França? Será que qualquer um desses países ou regiões vêem os Estados Unidos como o portavoz de uma comunidade da qual fazem parte? A comunidade em nome da qual fala os Estados Unidos inclui, na melhor das hipóteses, seus primos anglo-saxões (Grã-Bretanha, Canadá, Austrália, Nova Zelândia) para a maioria das questões internacionais, a Alemanha e algumas democracias europeias de menor porte em muitas dessas questões, Israel em certas questões pertinentes ao Oriente Médio, e o Japão, quando se trata da implementação das resoluções da ONU. Trata-se de Estados importantes, mas que estão muito aquém do que possa ser chamado de comunidade internacional."

- Samuel P. Huntington, A superpotência solitária. In: A nova configuração mundial do poder, Ed. Paz e Terra.

Tuesday, May 10, 2011

Moralidade científica

Quem cria bois sabe que castrar os machos economiza trabalho. Na civilização complexa, essa castração é feita com as pessoas (em alguns países corta-se o clitóris de meninas) geralmente de forma psicológica, na infância, pelo catecismo, crisma e toda a moralidade mantida pelas igrejas.

Mas moral, o bem e o mal, o certo e o errado, a justiça e a injustiça, são assuntos dentro do alcance empírico das ciências biológicas, assim como saúde e doença, alegria e depressão, prazer e dor.

Bem é o que aumenta a saúde.
Mal é o que reduz a saúde.

Certo (certo moral, não certo lógico/matemático) é aquilo que deve ser feito, baseado no bem e na justiça.

O bem, sendo saúde, divide-se já nas diversas camadas sociais da humanidade - toda ela, suas civilizações, nações, religiões, etnias, grupos linguísticos, blocos econômicos, regiões, estados, municípios, bairros, comunidades, clãs, famílias...

Parte forte do instinto humano elevará a saúde da própria família às custas da saúde de famílias distantes. Esse princípio é tão inevitável quanto uma negociação econômica, e uma boa definição de justiça seria que todas as relações desse tipo favorecessem igualmente a saúde de todas as partes envolvidas.

Então, por que tantos acreditam que a moralidade é um tema que não pode ser debatido na esfera da razão e da ciência, mas apenas na religião ou na metafísica?

Sunday, May 08, 2011

Trechos de insustentabilidade

Parece óbvio que os combustíveis fósseis que nos viciaram acabarão cedo ou tarde - aparentemente mais cedo do que tarde. Parece inevitável que cedo ou tarde, por bem ou por mal, boa parte da população terá que voltar a viver no campo, produzindo comida localmente, pois os custos da globalização de alimentos serão impraticáveis. O século XX terá sido uma exceção na história, e o importante será: quanto conhecimento agrícola ainda teremos, quantas fontes de água limpa, quanto solo fértil, quantas variedades de sementes? A questão das mudanças climáticas é um detalhe nessa história; tudo que conhecemos, plásticos, medicamentos, telecomunicações, transportes, tudo depende do petróleo. Os estoques de gás natural durarão menos. Os de carvão, um pouco mais. Tentativas de substituir o petróleo por etanol e biodiesel serão uma tragédia do ponto de vista alimentar e ambiental. Não tem jeito, nossa civilização como a conhecemos está com os dias contados (a civilização Romana caiu por esgotar o solo fértil, a nossa, no ritmo atual, durará muito menos). Nossas atitudes hoje definirão o tamanho da margem de manobra que teremos disponível no futuro. Nós, nossos filhos, sobrinhos e netos.

Quando voltarmos para o campo, poderemos ter ainda alguns avanços da tecnologia, como a Internet. Isso se não esgotarmos por completo os recursos decrescentes - aí sim, voltaremos a uma nova Idade das Trevas, um Mad Max ou algo ainda pior. Teremos tempo e recursos para trocar toda a matriz energética atual por fontes como sol, vento e nuclear? O acidente nuclear no Japão diminuiu a empolgação com esse último tipo de tecnologia. E mesmo placas solares e geradores eólicos precisam de petróleo e outros minerais também decrescentes para sua fabricação. Por hora a negação tem sido a saída mais comum. Por quanto tempo mais poderemos negar o inevitável?

O livro: http://www.amazon.com/Peak-Everything-Century-Declines-Publishers/dp/086571598X


"Os inventores de bombas nucleares, foguetes espaciais e computadores são os construtores de pirâmides da nossa própria era: psicologicamente inflados por um mito similar de poder não qualificado, vangloriando-se através de sua ciência por sua crescente onipotência, se não onisciência, movidos por obsessões e compulsões não menos irracionais que aquelas de antigos sistemas absolutistas: particularmente a noção de que o sistema propriamente dito deve ser expandido, quaisquer que sejam os custos eventuais."

- Lewis Mumford, "Authoritarian and Democratic Technics" apud Richard Heinberg, "Peak Everything", p. 32.


"Cerca de 1500 litros de equivalentes de petróleo são necessários para alimentar cada estadunidense a cada ano, e cada caloria de alimento produzido requer, em média, dez calorias de combustíveis fósseis [na forma de fertilizantes e defensivos químicos, embalagens plásticas, máquinas, combustíveis e energia para irrigação e transporte]. Este é um sistema alimentar profundamente vulnerável, em todos os níveis, a escassez de combustível e alta de preços. E ambos são inevitáveis [devido à produção já decrescente, embora pouquíssimo divulgada, de combustíveis]."

- Richard Heinberg, "Peak Everything", p. 48.


"Enquanto estávamos produzindo milagres de produtividade, os impactos da agricultura sobre o mundo natural também estavam aumentando; de fato, a agricultura é agora a maior fonte isolada de danos ambientais globais produzidos por nós. O estrago toma um número de formas: erosão e salinização dos solos; desmatamento (uma estratégia para abrir mais terra para cultivo); escoamento de fertilizantes (que por fim criam enormes 'zonas mortas' ao redor da foz de vários rios); outros poluidores agroquímicos da água e dos solos; perda de biodiversidade; e escassez de água doce.
"Em resumo, nós criamos abundância sem precedentes enquanto ignoramos as consequências de longo prazo de nossas ações. Isto é mais do que um pequeno lembrete de como sociedades agrícolas anteriores - gregos, babilônios e romanos - destruíram solos e hábitats em sua mania de alimentar populações urbanas crescentes, e entraram em colapso como resultado.
"Felizmente, durante o último século ou dois nós também desenvolvemos as disciplinas de arqueologia e ecologia, que nos ensinam como e por que essas antigas sociedades falharam, e como a diversidade da teia da vida nos sustenta. Em princípio, se nos aproveitarmos desse conhecimento, não precisaremos negligentemente repetir a velha história de colapso civilizacional catastrófico."

- Richard Heinberg, "Peak Everything", p. 53.


"A antropologia cultural nos ensina que a forma como as pessoas conseguem seu alimento é o mais confiável determinante de virtualmente todas as demais características sociais. Assim, à medida que construirmos um sistema alimentar diferente nós estaremos inevitavelmente construindo um novo tipo de cultura, certamente muito diferente do urbanismo industrial mas provavelmente também do que o precedeu. Como sempre antes na história humana, nós o faremos enquanto avançamos, em resposta à necessidade e à oportunidade.
"Talvez essas grandes mudanças não aconteçam até que a necessidade seja óbvia e urgente. Talvez a gasolina precise chegar a 10 dólares o galão. Talvez o desemprego precise subir até 10 ou 20 ou 40%, com famílias implorando por comida pelas ruas, antes que políticos em apuros comecem a reconsiderar seu compromisso com a agricultura industrial."

- Richard Heinberg, "Peak Everything", p. 65.


"Na América do Norte, Frank Lloyd Wright liderou a 'escola da savana' da arquitetura, que buscou fazer construções adaptadas à paisagem ao invés de arbitrariamente dominando-a. Wright odiava a cidade industrial moderna e seu símbolo máximo, o arranha-céu, que ele considerava um 'fichário humano'. 'O arranha-céu como típica expressão da cidade', ele escreveu, 'é o estábulo humano, baias ocupadas com o rebanho, todos aguardando para serem ordenhados pelo sistema que mantém os animais dóceis com as forragens que coloca na manjedoura, e pelo calor que a multidão instila na multidão.' Wright viu a malha urbana das ruas e o arranha-céu como meros expedientes de poder e controle social com 'nenhum ideal mais elevado que o sucesso comercial'. Uma sociedade verdadeiramente democrática, ele argumentou, deve consistir de comunidades humanas descentralizadas, orgânicas, integradas à paisagem ao redor."

- Richard Heinberg, "Peak Everything", p. 70.


"O design industrial moderno cresceu junto com a propaganda e a necessidade crescente por propaganda. Como [William] Morris havia previsto, máquinas alimentadas por combustível poderiam apenas esmagar a comunidade humana e as habilidades e o orgulho dos artesãos. Elas também oprimiram a capacidade de pessoas comuns de comprar e usar bens materiais. Tantos bens podiam ser produzidos, e tão rapidamente, que os mercados ficavam facilmente saturados; daí a necessidade por parte dos fabricantes de novas e rapidamente crescentes indústrias de crédito e propaganda. Mais invenção requeria mais investimento, que requeria mais acúmulo de capitais, que por sua vez requeria mais vendas - mais consumo. Portanto o consumo *precisava* ser estimulado, e anunciantes, usando as descobertas científicas da nova ciência da psicologia, estavam ávidos em compelir.
"(...) O design industrial garantiu a alma e auto-imagem do poder corporativo, de outra forma sem face, à medida que cada corporação buscava sua própria 'personalidade' identificável, expressa na cor, forma, tom e textura de seus produtos. O resultado: durante o século XX, mesmo os esforços mais nobres dos designers industriais geraram produtos que eram expressões de um sistema cujas características principais eram ditadas por escala, velocidade, acumulação e eficiência - ditados que fizeram ambos, criadores e usuários finais dos produtos, meros instrumentos para a obtenção de um propósito em última instância às avessas da integridade cultural, sanidade humana e sobrevivência da espécie.
"(...) Enquanto o design industrial progrediu depois da II Guerra Mundial e através dos anos 50, 60, 70, 80 e 90, o estilo continuou evoluindo, como deveria fazer para servir aos propósitos da moda e da obsolescência planejada. Imagens e objetos tornaram-se mais abertamente sedutores e mais diretamente sugestivos de qualidades das quais as vidas dos seres humanos estavam de fato sendo sistematicamente drenadas - autonomia e criatividade.
"(...) Frequentemente sinto uma resposta visceral chocante quando saio das melhores exibições em museus e retorno a existência urbana contemporânea: tudo do lado de fora parece feio e lamentável em comparação. Tenho o mesmo sentimento quando saio de uma cidade como Veneza ou Kyoto e vôo de volta para a Califórnia. É uma resposta que só posso chamar de choque estético.
"Se William Morris e seus seguidores estivessem vivos hoje, eles considerariam um passeio por uma loja Wal-Mart como uma verdadeira descida ao inferno. Ainda assim, muitos estadunidenses [e brasileiros] evidentemente pensam nesses lugares como uma visita a uma paraíso do consumo. Talvez essa seja uma medida do grau de nossa degradação estética coletiva."

- Richard Heinberg, "Peak Everything", p. 73-75.


"Ainda que a estética hippie fosse pelo menos ocasionalmente adorável, ela era facilmente estereotipada e, quando lucrativa, imediatamente co-optada por cínicos executivos da propaganda. Ela também era com frequência ingenuamente acrítica de seus próprios pressupostos. Se você quiser apreciar por você mesmo as contradições embutidas no movimento, apenas alugue e assista ao filme *Woodstock*. O idealismo de olhos arregalados, auto-congratulatório das 'crianças' - que chegavam de carro para se libertarem pelo uso de psicofarmacologia amadora e para adorarem no altar da amplificação elétrica - é ao mesmo tempo tocante e insuportável. Não causa espanto que a revolução tenha falhado: sem uma compreensão das bases energéticas do industrialismo e portanto do estado corporativo moderno, sua rebelião jamais poderia ter sido algo além de simbólica."

- Richard Heinberg, "Peak Everything", p. 78.

Thursday, May 05, 2011

Um futuro cada vez mais pobre? Ótimo!

1. O problema
"Nada disso é fácil de contemplar. Nem pode essa informação ser facilmente discutida em companhia educada: a sugestão de que estamos sobre ou perto do pico de população e níveis de consumo em toda a história humana, e que é tudo ladeira abaixo daqui pra frente, provavelmente não ganharia votos, levaria a um emprego melhor, ou mesmo faria um tema agradável para um jantar. A maioria das pessoas se afasta ou muda de assunto quando a conversa se move nessa direção; agências de publicidade e organizações de notícias tomam nota e agem de acordo. O resultado: um padrão geral, civilizacional de negação."

2. A esperança
"Contudo, um declínio em população, complexidade e consumo poderia, ao menos em teoria, resultar numa sociedade estável com características que muitas pessoas achariam bastante desejáveis. Uma reversão ao padrão normal de existência humana, baseado em vilas, famílias extendidas e produção local para consumo local - especialmente se incrementada por alguns dos avanços do período industrial posterior, como comunicações globais - poderiam prover futuras gerações com o tipo de existência que muitos cidadãos urbanos sonham melancolicamente."

- Peak Everything: waking up to the century of declines. Richard Heinberg. New Society Publishers, 2007, p. 8, 19