Erros de ricos e pobres
Busco um novo sentimento, que os sentimentos da cidade estão já orvalhados de tradição e modernidade. Quero o que não é nem um nem outro. Quero o genuíno, livre de preceitos, regras, preconceitos. Se a covardia é moeda corrente, quero ser indigente. Precisar duvidar é imoral? Quero então queimar os santos! Deus não me livre do mal, ou como reconheceria o bem? E que reino é este, que nega os instintos? Moscas sem asas seriam ainda insetos? Humanos vestidos, desejos camuflados, casamento apenas para homem-mulher, e até que a morte os separe; quem ditou essa fórmula chegou a experimentá-la?
Os séculos passados, quem sabe milênios? aprisionaram toda liberdade humana no cálice do cristianismo. Recentemente esse cálice foi quebrado, e no Brasil, mais especificamente em Minas Gerais, a sensação de liberdade vem sendo sentida aos poucos, primeiro nas classes nobres, educadas na arte da filosofia, e por último nas classes médias, muitas vezes recém-chegadas do campo, dotadas de poucas posses, senão a tradição. Some-se a isso a desigualdade social e a crise da modernidade, e temos dois grandes grupos de pessoas: de um lado, os novos ricos, que querem usar sua liberdade recém-conquistada, enriquecer ainda mais, usufruir dos luxos, confortos e benesses a que antes não tinham acesso, mas sabiam que existiam; e, por outro lado, os que nunca tiveram acesso a nada disso, e sequer têm perspectivas de ter, e permanecem assim aferrados aos dogmas religiosos que garantem a virtude de sua inferioridade social, e prometem uma sobrevida superior, mais digna, mais feliz e mais próspera.
Até onde vejo, são duas classes incompletas, infelizes e incorretas: os primeiros, por acreditar que a felicidade é proporcional às conquistas materiais, quando isso só é verdade até o patamar da simples dignidade. A partir daí, cada ganho implica ou mais trabalho, ou mais corrupção, não atrai amigos verdadeiros nem garante momentos mais felizes ou maior aprendizado. Os grandes clássicos, cuja leitura mais nos ensina, não custam mais caro.
O outro grupo, que eu chamaria de analfabetos filosóficos, têm na tradição e na esperança religiosa seu único amparo, e com isso perpetuam preconceitos milenares, repetem erros históricos e fecham os olhos para novas oportunidades morais e para a felicidade e os direitos intransferíveis dos que não concordam ou não cresceram conforme os seus preceitos.
No mundo moderno, onde o esgotamento dos recursos naturais causa a multiplicação da pobreza em diversos aspectos, afetando todas as classes sociais, os primeiros pecam por agirem indiferentes a isso, e os últimos por ignorarem o problema.
Cortando o asfalto
Quatro rapazes de Liverpool mudaram a história quando conheceram este quinto inglês chamado Bob Dylan. Dizem que este lhes apresentou uma droga cujo nome não deve ser dito.
Muito tempo depois um outro jovem, do outro lado do mundo, cortava as ruas da sua cidade com seus patins de gelo, procurando se esquivar das hordas de homens bons e justos que andavam armados de porretes, procurando acertar quem os contrariasse.
Este jovem encontrou, durante suas perambulações pela cidade, um pouco daquela mesma droga recreativa que teria mudado a história do século XX, a partir das primeiras experiências de quatro garotos de Liverpool. Mas ali não era Liverpool, nem as coisas eram mais tão fáceis.
Apenas a droga não funcionaria, a não ser que ele encontrasse um pedaço de papel fino o bastante para enrolá-la como em um cigarro, mas não sabia onde procurar. Tentou primeiro num bar onde costumavam ir os que se embebedavam até espancarem suas esposas, filhos e filhas, mas não encontrou o que procurava. Disseram-lhe que procurasse a loja de artigos finos na próxima rua, e seus patins cortaram o asfalto até lá.
Percebeu que se tratava de uma rua sem saída, e as hordas de homens bons e justos vagavam insalubres ao redor. Tentou então uma galeria, também de artigos finos, mas não corria mais sobre seus patins por medo de cortar os tapetes caros, na certa importados, que ornavam o piso interior. Pisando pé ante pé (não tirou os patins, pois isso prejudicaria uma eventual e necessária fuga, caso o descobrissem), reparou como um grupo de senhoras ricas e gordas - lentas a olhar as vitrines, por mais que já levassem no corpo mais roupas e penduricalhos que os exibidos nas prateleiras - com seus saltos altos e pontiagudos, deixavam um rastro de furos e rasgões nos delicados tapetes, mas ninguém parecia notar. Confuso, entrou logo num recinto onde pensou que encontraria o que buscava.
Uma senhorita elegante, porém bela, perguntou-lhe o que desejava, mas suas palavras foram proferidas num outro idioma, e ele pôde entender porque uma vendedora só poderia perguntar a quem entrasse em seu estabelecimento o que este desejava. Ele esboçou algumas palavras no idioma estranho, que conhecia apenas dos noticiários, mas preferiu comunicar-se mostrando na prateleira o produto que desejava.
- São 99 dinheiros - redargüiu a moça, com um sorriso talvez de quem não desconfiasse que ele precisaria trabalhar um mês inteiro para receber aquele dinheiro, e ainda assim o gastaria em não conseguir suprir suas necessidades básicas insatisfeitas.
Com o leve pacote entre os dedos, hesitou por um instante, olhando de relance para a moça, que já olhava nervosa para o segurança que assomava à porta. Não poderia devolver o produto, pois quem teria dinheiro para comprar fumo, e não o teria para comprar papel? A não ser que...
Desesperado, tentou fugir pela janela, mas caiu num barril repleto de algum líquido inflamável - uma armadilha para indivíduos da sua laia. Atearam-lhe fogo com a naturalidade de quem assa uma coxinha no microondas, assim ao menos ele não causaria mais estragos nos tapetes finos da galeria. É verdade que as dondocas da clientela já os estragavam até mais, mas ao menos elas consumiam.
O fogo ardeu e ardeu, enquanto seus amigos patinavam livres pelas ruas sem desconfiar que ele já não mais era, sempre atentos às hordas de homens bons e justos, que jamais dariam trégua na eterna guerra dos que muito têm contra os que apenas precisam...
Ótimo e péssimo
Deus está morto.
Deus está morto mas não estamos sós, porque nos agrupamos contra o pessimismo.
Deus é o otimismo; o diabo, o pessimismo.
Melhor pensa aquele que se afasta de ambos e procura ser realista.
Contudo, a realidade parece estar mais próxima do pessimismo.
Talvez por isso as pessoas busquem conforto no otimismo.
Talvez por isso as pessoas busquem conforto em Deus, deuses, religiões.
Talvez por isso as pessoas temam os agnósticos, ateus e toda sorte de excluídos.
Talvez por isso as religiões tenham identificado a Terra com o diabo, a realidade com o mal; o terrestre, o corpo, as sensações mundanas, prazeres e dores, com o terror na forma do abstrato; o bem divino com uma vida futura inexistente, fantasiosa e escapista. Apenas em nome do otimismo, essa fórmula do sorriso fácil.
O que percebo é que o mundo tem muitas cores, mas as pessoas só querem ver aquelas que as deixam felizes.
Pintam tudo de vermelho, ou de azul ou amarelo, e atiram pedras nos que se vestem de verde, preto ou branco.
O ser humano adora atirar pedras.
O bem que a igreja pretendia, que as religiões pretenderam, foi só um bem para alguns, um bem para poucos.
Mas seus exércitos eram tão fortes que fizeram a maioria acreditar que seriam pessoas melhores se fossem como esses poucos.
No fim das contas, o otimismo travestido de Deus apenas encobre a realidade, afasta-nos da realidade, e assim afasta-nos das soluções para os problemas da maioria.
Ao mesmo tempo, o otimismo travestido de política encobre a realidade, disfarça os esquemas, chama de progresso e desenvolvimento o que no fundo é apenas álibi. Ninguém quer crescimento, todos queremos paz. Só quem quer o crescimento é quem dele lucra, empobrecendo os demais.
Quantos não são cevados apenas para receber a fúria de seus senhores? Ou sua luxúria? Afirmar isso não é negar a bondade, mas a bondade é escassa onde abundam os frutos, pois o excesso, quando nasce na mão de poucos, estimula a vontade dos excluídos, e nada fere mais o bom humor dos poderosos quanto a aproximação dos famintos. Assim, cevam seus súditos apenas para colher-lhes o sangue na forma de dinheiro.
Quanto mais otimismo sobre a Terra, menos as pessoas verão a realidade. Quanto mais permitirmos a proliferação das religiões, da política como a conhecemos hoje, da mídia dependente do grande capital, partidária e aristocrata, menos podemos esperar de um otimismo sincero e realista.
Qual tem mais força, a verdade ou a mentira?
"A riqueza não torna um homem rico, só o torna mais ocupado."
(Apocalypse Now - Coronel Kurtz)
Reconhecemos virtude numa pessoa honesta, mas foi a habilidade de mentir - e de descobrir mentiras - que impulsionou a evolução da nossa inteligência. Os outros animais podem disfarçar, esconder, despistar, mas não podem mentir.
Tudo que é poderoso no mundo foi erigido sobre mentiras. Impérios, governos, guerras, religiões. Todos os valores modernos não passam de falsidades mascaradas: o predomínio do capital sobre o trabalho, a democracia, a fidelidade no casamento, a fidelidade partidária, a crença generalizada em medicamentos, os benefícios do conforto, a valorização excessiva e exclusiva do bem-estar, a necessidade e os méritos do trabalho, o progresso, as exportações, a imprensa, todo tipo de propaganda.
O que é bom se propaga sem esforço - somos máquinas de copiar, é para isso que serve a linguagem. Mas também para complicar o que é simples, como maneira de uma minoria roubar da maioria tudo de que essa maioria pode ser subtraída e ainda existir, sem outro propósito senão o de trabalhar para sustentar, e com luxo, aquela minoria.
Somos tão bárbaros como sempre fomos, como foram os incas, vikings, egípcios e chimpanzés, com a diferença que somos hoje, certamente, muito mais dissimulados. Dissimulados e alienados, e ainda, vítimas de uma crescente distância vertical entre ricos e pobres.
Somos parte animal, parte deuses.
Parte realidade concreta, parte desvario e imaginação. Parte trabalho, parte arte. Parte verdade, parte mentira. Cada um de nós escolhe o extremo que mais lhe agrada, e eu não sei se o melhor equilíbrio fica na média distância entre os dois.
***
A honestidade é uma virtude, mas virtude não é força. O mais importante na vida é a própria vida, e viver bem. Para isso é preciso vencer os que buscam a todo tempo nos enganar, e esses são muitos. Os livros nos ajudam a reconhecer alguns tipos de mentira; mas o aprendizado definitivo, a arte de detectar as mentiras na fonte, não pode ser ensinada pelos livros.
John Lennon e o aprendizado
1) Existem pessoas que aprenderam a aprender;
2) pessoas que tentam aprender;
e 3) pessoas que desistiram de tentar.
As pessoas de (3), e parte daquelas de (2), têm na religião a fundamentação da sua moral. As outras continuam buscando um fundamento.
Mas talvez seja a moral um oceano - profundo demais para que alcancemos seu assoalho. Ou talvez não?
Nunca houve um Deus único, ou jamais teríamos matado em seu nome.
A filosofia tem por objetivo libertar o homem.
A religião, salvá-lo.
Mas é a salvação, o conceito sujo de salvação, o que nos mantém presos.
A moral ser relativa não implica sua inexistência.
A etologia moral, se é que podemos chamar assim o estudo das ambições, necessidades e angústias humanas, ainda mal começou.
O segredo de tudo é a motivação. O que nos impele? Não é só a sobrevivência, mas o apego aos nossos desejos. As atitudes mesquinhas, o orgulho, estão nas bocas e corações de todos, imponham ou não suas divindades aos outros.
A justiça só será maximizada quando aceitarmos a injustiça como inevitável, como parte da natureza.
Como animais, usamos a violência para nos erguer, para garantir os hormônios que dão sentido à existência.
Como homens, substituímos a violência (apenas em parte) por códigos, leis, tabus, mitos, tão ou mais violentos que a violência ancestral, porque organizados. A união faz a força.
Sendo assim, será mesmo desejável o sonho de John Lennon - todo o mundo vivendo como um só? Uma única e rígida nação? Uma lei? Uma religião?
A diversidade que compõe os seres humanos e a própria natureza não estaria seriamente ameaçada?
Digo, eu sei que é uma utopia, mas não estaremos olhando na direção errada do horizonte, enquanto planejamos nosso futuro?
Fidel 1
Será a fidelidade que espécie de virtude? Mas a qual espécie de fidelidade me refiro? Conjugal? Partidária? Política? Fidelidade a ideais? À religião? À família? Fidelidade à empresa, ao governo? Vestir a camisa, o terço, a ciência, o quê?
Guelfos e gibelinos, na Itália do século XIII e XIV, opunham-se como fantoches: um apoiava totalmente o papado, o outro digladiava em nome do imperador. Dilaceraram totalmente seu país, como nos conta Voltaire, em sua Carta Filosófica Sobre a Religião Anglicana. Por que não poderia o homem médio tomar partido intermediário? Pois o exterminariam, naturalmente. Onde dois já lutam não se admitirá um terceiro. Estamos amarrados aos nossos instintos, a não ser que queiramos nos tornar seres
acima do instinto, o que seria ainda pior! (Talvez virá o Frankenstein super-humano criado a partir da
modificação do inato, das bases genéticas da humanidade, que vêm se mantendo até bem estáticas ao longo de vários milênios; dezenas, suponho.) Como o Homo sapiens acaba de ceder seu itálico para o
Homo comercius, nada mais se apreende da história, a não ser a repetição dos fatos segundo parâmetros cada vez mais modernos. A própria língua é cada vez mais moderna. Gastamos palavras e mais palavras para escrever o que um romano escreveria com 60% das letras, e um grego ainda menos. Mas que importa! "Somos tão ricos e nossos recursos todos ilimitados!"
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Há o tipo de rebanho e o tipo individualista. Cada pessoa sabe o quanto tem de cada um.
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Sob as leis não se admite o bom senso - isso é sintoma de um mal maior.
O medo dos memes
Todos louvemos a educação!
Todos louvemos a educação!
Todos louvemos a educação!
Tudo o que é repetido é absorvido.
Uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade.
A educação é a padronização e a disseminação de uma forma de pensamento.
Como a TV, a educação não é comunicação.
A comunicação pressupõe dois interlocutores, um emissor e um receptor.
A TV e a educação têm poucos emissores, todos situados no interior da esfera a partir da qual o poder emana.
A TV e a educação têm milhares, milhões, bilhões de receptores.
Os receptores da TV e da educação não são todos pobres, nem são todos destituídos de idéias.
Mas todos aqueles que são pobres e todos aqueles destituídos de idéias são receptores da TV e da educação.
O sistema copia-se a si próprio.
A "invenção" da educação promoveu e desenvolveu nossa habilidade inata de copiar.
O humano inventou a cópia.
O macaco inventou a cópia.
O animal de pêlo inventou a cópia.
O réptil inventou a cópia.
O peixe inventou a cópia.
A anêmona inventou a cópia.
O protozoário inventou a cópia.
A bactéria inventou a cópia.
A vida inventou a cópia.
Os cristais minerais inventaram a cópia.
Os átomos de hidrogênio são todos iguais.
A educação, como atualmente existe, força os indivíduos a permanecerem rebanho.
Numa era de menos educação, as forças que controlavam a sociedade eram mais brandas.
Havia mais espaço para o inesperado, para o natural, para o não rotulado, não controlado, não catalogado, não medido, não estudado, não planejado.
As pessoas viviam pior que hoje, para os padrões ocidentais modernos do que venha a ser conforto, saúde, qualidade de vida.
Mas as pessoas não sabiam que poderiam viver como vivem hoje, ao contrário do que acontece com a esmagadora maioria dos cidadãos atuais, que sofrem por viver mal, e também sofrem por se verem diariamente comparados às vidas de quem vive melhor, muito melhor.
Como pensou e escreveu Guy Debord, autor de
A Sociedade do Espetáculo (
http://br.geocities.com/mcrost12/a_sociedade_do_espetaculo_1.htm), as pessoas vivem cada vez mais um mundo que não é o seu, o mundo do espetáculo, um mundo irreal. Cada vez mais, o mundo é menos vivido e mais representado. Cada vez vivemos menos nossas vidas, para viver mais vidas que não são nossas, a vida representada pelas ilusões transmitidas por uma cadeia de telecomunicações mais poderosa que os governos.
Mas é claro que esse 'nós' não se refere a nós, a elite intelectual, os professores pós-graduados de nosso país, embora se refira a milhares de nossos colegas.
As crianças que sobem nuas em árvores de ruas sem asfalto nos confins da Amazônia são um exemplo de quem não acha que está perdendo nada. Vivem sem instrução formal, ou levam isso muito pouco a sério - mas podemos dizer que vivem.
Podemos dizer o mesmo da criança urbana, do operário das fábricas, dos vigias, motoristas, porteiros, com seus postos de trabalho a horas do lar, ida e volta pelo trânsito congestionado, ruído, poluição visual e atmosférica? Quanto custa cada estrela que a fuligem e o brilho artificial das lâmpadas escondem?
Escola, metrópole, superpopulação, controle.
O sistema se copia e se perpetua pela adição sistemática de conhecimentos científicos sobre como controlar.
Estudamos para servir ao sistema, para ensinar aos poderosos (vendemos nosso conhecimento) como controlar melhor e melhor, mais e mais, e melhor.
Estudei, sim, mas fui sempre contra a escola.
Nunca achei que deveria aprender o que não me interessava.
Passei raspando em história e geografia e português, pela forma como eram transmitidas. (Decore os nomes e as capitais de todos os países do mundo - professora Janete. Quem foi João Nepomuceno da Eritrolândia e qual a sua relação com o tratado de Varsóvia? Você pode até saber isso, mas colocarei junto a ela outra questão bastante difícil, e se você souber apenas uma delas, perderá os pontos de ambas!)
Não é possível ouvir a risada da bruxa má?
A criatividade do fundão só é valorizada pelos poucos professores que pensam com a própria cabeça e que têm idéias, mas que, entretanto, não podem mudar o sistema.
A escola é uma fórmula para o vestibular, apenas.
E quantas crianças alcançam a faculdade?
A maioria perde o seu tempo na sala de aula, e não faz uso algum do que absorveu dolorosamente.
Médicos e advogados que se tornam camelôs? A maioria tem sorte pior - será camelô sem ter sido sequer formado em medicina e direito. Perderão a concorrência porque a escola os ensinou que pensar e aprender é doloroso e enfadonho.
A escola deveria ser um espaço de aprendizado técnico, de comunicação multidirecional, de aprendizado voluntário e ensino sem metas pré-estabelecidas.
Os sistemas alternativos de ensino, escola logosófica, piagetiana, etc. foram devidamente abafados, desestimulados ou perseguidos, e continuam desconhecidos da maioria.
As cidades deveriam ser espaços de pouco trabalho - afinal, para quê as máquinas foram e continuam sendo criadas, num ritmo exponencial? A jornada de trabalho tem diminuído ao longo da história, mas essa diminuição deveria refletir a curva exponencial da ascenção tecnológica. Estacionamos em quarenta horas semanais desde a época da TV em preto e branco.
Como disse Herbert Spencer, não é a vida para o estudo, nem é a vida para o trabalho, mas são o estudo e o trabalho para a vida.
A educação só será útil quando tiver como meta desmontar cuidadosa e eficientemente o sistema de reprodução das massas, da exclusão, alienação, e deterioração dos valores humanos primitivos, entre eles a criatividade, a ousadia de duvidar, de contestar, de criar e seguir os próprios valores. E, claro, a meta de interromper e reverter o estupro da mãe Terra.
O que não for isso não pode ser chamado educação.
A violência das leis (Tolstoi)
Muitas constituições foram criadas - a começar pela Inglesa e a Americana, terminando com a Japonesa e a Turca - de modo a fazer com que as pessoas acreditassem que todas as leis estabelecidas atendiam a desejos expressos pelo povo. Mas a verdade é que não só nos países autocráticos (Ditadura), como naqueles supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França e outros - as leis não foram feitas para atender à vontade da maioria, mas sim à vontade daqueles que detêm o poder. Portanto elas serão sempre, e em toda parte, aquelas que mais vantagens possam trazer à classe dominante e aos poderosos. Em toda parte e sempre, as leis são impostas utilizando os inúmeros meios capazes de fazer com que algumas pessoas se submetam à vontade de outras, isto é, pancadas, perda da liberdade e assassinato. Não há outro meio.
Nem poderia ser de outro modo, já que as leis são uma forma de exigir que determinadas regras sejam cumpridas e de obrigar determinadas pessoas a cumpri-las (ou seja: fazer o que outras pessoas querem que elas façam), e isso só pode ser obrigado com pancadas, com a perda da liberdade e com a morte. Se as leis existem, é necessário que haja uma força capaz de obrigar as pessoas a respeitá-las. E só há uma força capaz de fazer com que alguns seres se submetam à vontade de outros, e essa força é a violência. Não a violência simples, que alguns homens usam contra seus semelhantes em momentos de paixão, mas uma violência organizada, usada por aqueles que têm o poder nas mãos para fazer com que os outros obedeçam à sua vontade.
Desse modo, a essência da Legislação não está no Sujeito, no Objeto, no Direito, na idéia do domínio da vontade coletiva do povo ou em qualquer outra condição tão confusa e indefinida, mas sim no fato de que aqueles que controlam a violência organizada dispõem de poderes para forçar os outros a obedecer-lhes, fazendo aquilo que eles querem que seja feito.
Assim, uma definição exata e irrefutável para Legislação, que pode ser entendida por todos, é esta: "As leis são regras feitas por pessoas que governam por meio da violência organizada e que, quando não acatadas, podem fazer com que aqueles que se recusam a obedecer-lhes sofram pancadas, a perda da liberdade e até mesmo a morte".
(Leon Tolstoi, A Escravidão de Nosso Tempo)